terça-feira, janeiro 31, 2006

O suicídio dos liberais

Sempre considerei um erro que os liberais raciocinassem em termos políticos dentro do binómio esquerda/direita. Além de redutor e falacioso, esse binómio não é compatível com a tradição liberal. Daí também as minhas dúvidas relativamente a formulações recentes em torno de uma "direita liberal", como fui, há uns bons vinte anos, muito céptico perante o "liberalismo de esquerda" de João Carlos Espada e José Pacheco Pereira. Desgraçadamente, na blogosfera liberal, é agora corrente colocar o problema do liberalismo em Portugal nos termos da "direita liberal" emergente (mesmo das bandas de onde menos o esperava). Eu considero isto uma derrota dos liberais. Por rendição.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Mmm-mmm... Ain't that a piece of bad way...!


1. O NOVO PRESIDENTE

Cavaco Silva ganhou por décimas, é certo, mas, exceptuando a eleição de Ramalho Eanes em 1976, nunca um candidato foi eleito para um primeiro mandato com um abismo de 30% a separá-lo do segundo mais votado. Isto deve ser tido em consideração por quem já menoriza esta eleição à primeira volta.

Resta agora esperar pelo desempenho do presidente Cavaco Silva, que, estou convencido, vai surpreender muita gente. Cavaco vai querer ser o social-democrata do consenso (até porque segundo mandato oblige) e não estará propriamente a mudar a sua maneira de ser. Se passou por reformista enquanto primeiro-ministro foi porque dificilmente poderia ser outra coisa vindo o País do socialismo hard core onde o metera a revolução e pedindo a União Europeia as reformas que pedia. E a verdade é que, nessa conjuntura, fez o mínimo que podia, fortalecendo em paralelo toda a tendência anterior para a consolidação do Estado Social herdado da II República.

A grande tentação de Cavaco (e isso também não será inédito) será tentar agradar à esquerda que não votou nele, querendo provar que não é o presidente da "direita". Algumas "brincadeiras" desta campanha acentuar-se-ão e a disposição de Cavaco de partilhar com o governo o ónus de algumas (poucas) reformas em curso será muito limitada. Aliás, e isto é mais grave, parece-me que essa atitude de Cavaco como o social-democrata do consenso vai funcionar sobre o governo como um grande incentivo à moderação da já fraca vontade reformista do gabinete de Sócrates. O bloco central só não irá funcionar porque Cavaco não estará interessado nisso.

2. A NOITE DE ONTEM

O melhor discurso da noite foi o de Mário Soares. O homem pode ter muitos defeitos, mas sabe perder com dignidade. Não resvalou para o mau perder em nenhuma das frases que proferiu. E o seu discurso estava bem construído e equilibrado.

Já José Sócrates conseguiu protagonizar o pior da noite, ele que foi um dos maiores derrotados de ontem (já lá vamos). Ao falar à imprensa logo que Manuel Alegre começou a discursar (ao mesmo tempo que falava em "contar com todos"), Sócrates cometeu um erro escusado e aparentemente revelador de mau perder. Helena Roseta teve absoluta razão ao indignar-se com o comportamento das televisões, que seguiram subservientemente a estratégia do primeiro-ministro, colocando-o no ar e cortando a palavra a Alegre. Este foi o segundo candidato mais votado, com um quinto dos votos, e a noite era sua, não era do chefe do governo, que não era parte na eleição. Talvez Sócrates esteja, involuntária e desnecessariamente, a provocar uma cisão no Partido Socialista.

3. SEPARAÇÃO DE PODERES

A opção de José Sócrates apoiar um candidato à Presidência não é nova entre os chefes de Governo. Mas até pelo que sucedeu nesta eleição, talvez este hábito devesse ser repensado. Por que razão há-de o detentor de um órgão de soberania (o primeiro-ministro, chefe do Governo) ter um candidato a outro órgão de soberania? Talvez possa, mas tenho muitas dúvidas que deva. Porque isso compromete a sua própria legitimidade aos olhos de muita gente em caso de derrota do seu candidato, enfraquecendo o governo, mas também e sobretudo por causa da necessária separação de poderes. O primeiro-ministro é em parte responsável perante o Presidente da República e não faz muito sentido ficar depois sob um Presidente que combateu na contenda eleitoral. O que isto implica provavelmente é que os chefes do governo, nessas funções, não acumulem a liderança dos seus partidos e não se imiscuam directa e publicamente na eleição do chefe de Estado.

Esta separação de águas tem outra vantagem. No caso do partido do primeiro-ministro não ter um candidato único (aceite por todos os militantes), o desfecho da eleição presidencial causará menos estragos ao governo e à relação com o partido que o apoia. Uma lição que, para Sócrates, teria sido bem mais conveniente do que a alhada em que se meteu.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

domingo, janeiro 15, 2006

sexta-feira, janeiro 13, 2006

A ler


Luciano Amaral, no "Diário de Notícias", desenvolve e abrilhanta a ideia de que o soarismo presidencial foi um sub-produto do cavaquismo (aqui).

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Eddy's back...

Ora, uma vez que só faltava eu, anuncio também o fim da minha auto-suspensão. I'm back too! E o L&LP navega de novo nas ondas do ciber-espaço...

EDMUNDO BUARQUE

Para ficar...

Como a recuperação desta série de posts do blogue da Causa Liberal deixa adivinhar, terminou a minha auto-suspensão do L&LP. Estou de volta. E por extenso.

Quem respeitam os Portugueses?

Publicado no blogue da Causa Liberal (21.12.2005):

Soares não percebe que o respeito dos eleitores não se ganha com a atitude "nacional-porreirista" que o caracteriza. Muito menos se ganha com a exibição ridícula de supostas virtudes intelectuais, que denuncia uma pequena alma... Soares saberá, no fundo, que, se chegou a ser "popular" (e só o foi depois de ser eleito presidente em 86), foi porque o País confiava no primeiro-ministro que tinha na altura. Que era... Cavaco Silva. Soares só pôde ser "popular" porque as maiorias absolutas do PSD (conquistadas por Cavaco) haviam instaurado a tranquilidade política e lhe permitiram, à sua sombra, construir uma figura calorosa e paternal, mas que não tinha de "meter as mãos na massa". Os Portugueses sabiam que o País estava realmente "entregue" a Cavaco (um autêntico "anti-Soares" no carácter e na política) e era na tranquilidade que isso lhes dava que arranjaram disposição para apreciar a ligeireza e a boçalidade do presidente Soares. (Não por acaso, na conturbada década anterior, o País escolheu como presidente o general Ramalho Eanes, outro "anti-Soares" que sempre veiculou a austeridade e a seriedade que aos Portugueses inspira respeito). O sucesso do soarismo presidencial foi, portanto, um sub-produto do cavaquismo. E isso, no confronto actual, não pode deixar de ter consequências. Esmagadoras e talvez inesperadas para Soares.

Homenagem à Sociedade Bíblica

Publicado no blogue da Causa Liberal (14.12.2005):

Chegou-me hoje um pedido de esclarecimento de um particular sobre esta edição da Bíblia. Trata-se de uma edição em português (versão Figueiredo), de 1860. É de uma das muitas edições que a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (SBBE) distribuiu em Portugal desde o início do século XIX. Estando a SBBE a trabalhar em pleno e de "portas abertas" no nosso país apenas desde 1864, este exemplar é mais um indício de que a SBBE tentou sempre, desde a Guerra Peninsular, fazer entrar em território português as suas edições (que também se destinavam ao Brasil). A outra versão clássica do texto sagrado em português, a de Almeida (a minha preferida), também era vendida e distribuída. A Sociedade Bíblica de Portugal (sítio aqui), sucessora da agência da SBBE em Portugal, bem merece receber hoje as homenagens devidas a este trabalho de quase duzentos anos de aproximar os Portugueses da Bíblia.

Foi você que perguntou para que serve esta instituição antiquada?

Publicado no blogue da Causa Liberal (09.12.2005):

No Economist (aqui):

"The House of Lords ruled that evidence that might have been attained by torture cannot be used against terror suspects in English courts, overturning a lower court's ruling that such evidence could be used if British authorities had not been involved. The decision is likely to make it more difficult to secure convictions against terrorist suspects."

Peciência se for mais difícil. Trata-se de um princípio que tem de ser afirmado, praticado e defendido. Se for para nos tornarmos como eles, mais valia baixarmos os braços. O famoso mote de Burke, segundo o qual para o triunfo do mal basta os homens bons nada façam, não significa que para esbarrarmos o caminho ao mal tenhamos de meter os pés no trilho do adversário... Pelo contrário: significa determinação no caminho do bem, mesmo quando se usa a força.

Oliveira Martins, coveiro do padrão-ouro português

Publicado no blogue da Causa Liberal (07.12.2005):

A multiplicação do crédito não teve de esperar pelo papel moeda de curso forçado; já se dava sob o padrão-ouro com o sistema de reservas fraccionais. E foram as crises bancárias criadas por esse sistema que serviram de justificação para acabar com o padrão-ouro, culpando-o de "instabilidade" e considerando-se necessária a intervenção estatal na matéria. Em Portugal, a crise bancária de 1876 (que dizimou a finança portuense) foi apresentada, entre outros, pelo coveiro intelectual do liberalismo (Joaquim Pedro de Oliveira Martins) como a prova da necessidade de um regime de papel moeda monopolista gerido pelo Estado. Herculano, em correspondência da época, ainda disse o obvio, que a crise se devia às reservas fraccionais e que era suficiente ou ilegalizá-las ou responsabilizar criminalmente os banqueiros que não pudessem entregar o ouro resgatado pelos seus depositantes. Mas a influência das ideias de Oliveira Martins (e do seu livro "A Circulação Fiduciária") fez o seu caminho e quando se deu a crise financeira de 1891 já havia no nosso país muito pouca resistência ideológica ao abandono então verificado do padrão-ouro. Oliveira Martins, com o saber impressionista e romanceado que lhe era próprio, que criou do regime liberal uma imagem negra e caricata, que antecipou como ideal político pós-liberal o cesarismo administrativo e o corporativismo de Estado, foi também entre nós o grande doutrinador da liquidação do padrão-ouro. Bem merece o cognome de "coveiro do liberalismo português".

Adelino Amaro da Costa (1943-1980)

Publicado no blogue da Causa Liberal (05.12.2005):

A verdadeira dimensão da tragédia do 4 de Dezembro de 1980 foi que, no mesmo avião e no mesmo acidente (?), morreram os melhores dirigentes dos dois partidos à direita do P.S.: Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. O primeiro recebe sempre as justíssimas honras e homenagens; o segundo é mais esquecido. Mas Adelino foi o verdadeiro artífice do C.D.S. - e, por extensão, um dos pilares do projecto da Aliança Democrática -, o homem que não quis ser n.º 1 entre os seus, mas que, tarde ou cedo, chegaria a sê-lo.

Mozart e a grandeza da maçonaria

Publicado no blogue da Causa Liberal (04.12.2005):

A audição este fim de semana deste disco com a London Symphony Orchestra dirigida por István Kertész, George Fischer ao piano e ao órgão e a voz de Tom Krause fazem pensar na instituição para a qual Mozart compôs estes lieder, cantatas e hinos. De facto, a maçonaria a que Mozart pertenceu no fim do século XVIII está longe de ser a entidade diabólica apresentada pela propaganda contra-revolucionária dos países católicos do continente no começo do século seguinte. A ingenuidade das crenças na irmandade entre os homens e do fascínio pela "sabedoria" de um Oriente ou de uma Antiguidade altamente imaginárias não devem tornar-nos demasiado duros na apreciação dessa maçonaria de que descendem hoje as obediências regulares: ela foi um meio de sociabilidade das elites, fundamental para a pacificação da sociedade britânica após os ajustes constitucionais de 1688, tal como no continente após as guerras napoleónicas. O mesmo aconteceu em Portugal, onde, apesar de nunca se ter regularizado, a maçonaria oitocentista foi uma instituição respeitável à qual pertenceram aristocratas e prelados (que, também por cá, aí estabeleceram as pontes necessárias para uma pacificação evidente desde a unificação de 1869) e cuja decadência foi depois aproveitada pelos radicais, já na mudança para o século XX, para dela fazerem um apêndice de um partido, que não enjeitou até utilizá-la para a violência organizada. Mas nestas composições de Mozart está captada a grandeza maçónica, entre nós ainda reconhecida por Fernando Pessoa nos anos 30 do século XX. Entre outras, a sublime marcha fúnebre Maurerische Trauermusik K.477 não pode deixar de inspirar espanto e profundo respeito; curiosamente, Pier Paolo Pasolini, no seu filme A Paixão segundo São Mateus, escolheu-a como suporte musical da cena da Paixão. Porque não, se toda a grandeza virá de Deus?

Uma sugestão de leitura

Publicado no blogue da Causa Liberal (10.11.2005):

A propósito da troca de impressões com CAA, aqui fica uma sugestão de leitura: o livro de Patrick Wilcken, Empire Adrift: the Portuguese Court in Rio de Janeiro, 1808-1821. É um exemplo de boa historiografia recente, bem informada e bem escrita. Com a vantagem de não poder ser acusada de alinhamentos e simpatias domésticas. Deste livro, que está à venda em todas as grandes livrarias portuguesas (e cuja leitura, graças a CAA, acabei apressando), ressaltam algumas coisas: que os membros da corte portuguesa tinham pouco a ver com o retrato pouco lisonjeiro em que CAA se compraz; que não se pode ter uma leitura acrítica de uma "fonte" como as memórias da "condessa" de Abrantes (mulher de Junot) quando há outras muito mais credíveis que a contradizem; que D. João VI hesitou muito menos do que é comum dizer-se e que sabia bem o queria (nomeadamente, poupar o País à invasão napoleónica, mesmo recusando os "conselhos" ingleses, e que, quando isso se revelou impossível, soube fazer uma das maiores retiradas estratégicas da História, que este livro justamente retrata enquanto tal). Da obra de Wilcken, ressalta ainda outra coisa, que Manuel de Oliveira Lima já dissera há quase cem anos: que o Brasil ter-se tornado uma nação foi obra de D. João VI. Coisa pouca para um rei "inepto" (CAA dixit). Poderíamos acrescentar, já fora do âmbito deste livro, que foram também as opções delineadas por D. João VI (e que D. Pedro IV plenamente assumiu e transmitiu a D. Maria II) que deram forma ao constitucionalismo liberal que em Portugal se impôs depois dos devaneios jacobinos do vintismo e que nos legou alguma tradição de liberdade civil e política antes do advento do autoritarismo no século XX, esse já obra da República tão cara aos detractores de D. João VI.

Para CAA: Oliveira Lima, um "revisionista" centenário

Publicado no blogue da Causa Liberal (08.11.2005):

CAA, no Blasfémias, voltou a usar a figura de D. João VI para atacar o presidente Sampaio. Esse ataque não interessa agora aqui. O que motiva este post é o enésimo achincalhamento da figura do rei por CAA, que, respondendo a um comentário que deixei ao seu post, fala ironicamente da minha "sabedoria" sobre o monarca, pressupondo nas entrelinhas a sua. Em auxílio da sua iluminada informação sobre os genes, o carácter e a trajectória política de D. João VI, CAA esgrime contra a "historiografia revisionista" (!), que obviamente leu e que estaria ardilosamente a reabilitar a figura de D. João VI. Sabe-se lá, CAA, com que maquiavélicos propósitos! O que aqui lhe deixo é uma sugestão: procure informar-se melhor, mesmo sem recorrer aos recentes e perigosos historiadores "revisionistas". Pode começar pelo livro do grande historiador brasileiro Oliveira Lima (na imagem), "D. JOÃO VI NO BRASIL", escrito em 1909 (ai este revisionismo quase centenário!). Sobre o rei e imperador, que em qualquer outro pais europeu seria celebrado como um grande estadista, aqui fica um trecho, de outra obra de Oliveira Lima ("Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira"):

"(...) a suposta fuga de D. João VI nos surge então com feições mais dignas e apresenta um sentido inteiramente diferente da vulgaridade do temor, sentido que em nosso país a opinião pública, consciente em certos casos, instintiva na maior parte deles, não se demorou em ter percebido, a ponto de não hesitar nunca em fazer justiça ao monarca, que teve o mérito de ser denominado, na república, fundador da nacionalidade brasileira. Essa simpatia colectiva, impulsiva e sincera, não foi afinal senão o equivalente da simpatia individual, indubitável e calorosa, de que ele deu provas, em todas as oportunidades, pela sua pátria adoptiva. (...) D. João VI era o homem absolutamente necessário ao meio e ao momento histórico do Brasil, para levar a cabo a pesada tarefa de fazer dele uma nação."

As inverdades de Soares

Publicado no blogue da Causa Liberal (03.11.2005):
Ontem, na entrevista à TVI, Soares zangou-se. Começou já a fazer a Cavaco o que fez em 1986 a Freitas do Amaral, esse conhecido líder da "direita revanchista". Disse sobre o adversário, com grande à-vontade, uma série de inverdades, esquecendo-se que, nalguns casos as palavras lhe assentam que nem uma luva. Soares sugeriu, por exemplo, que Cavaco "abandonou" o poder em 1995, fugindo de uma derrota certa. Na verdade, ao fim de dez anos no poder (e com três eleições legislativas consecutivas ganhas), Cavaco anunciou a sua saída muitos meses antes das eleições e o PSD escolheu um novo líder em congresso. Mas o que fez Soares dez anos antes? Depois de apenas dois anos como 1.º ministro e num fim que não queria nem decidiu do seu governo, Mário Soares preferiu deixar a liderança do PS, abandonando o seu partido à maior derrota da sua história. Convenientemente, nessas eleições legislativas de 1985, o "camarada" Almeida Santos substituiu-o na humilhação inteiramente devida à impopularidade do então 1.º ministro. Como explica Soares isto? Terá sido um exemplo da sua célebre "coragem política"?

Mais dois apontamentos. Soares disse que Cavaco não tomou posição sobre a guerra no Iraque. É falso. Condenou a intervenção aliada no Iraque, apoiando as opiniões então expressas por João Paulo II. Soares tentou ainda menorizar Cavaco por este não ter, alegadamente, "cultura humanística". Tendo formação em humanidades, senti-me profundamente chocado com tamanha arrogância de alguém que nega a plena cidadania a muitos milhares de portugueses com formações académicas diferentes da sua.

Protestantes: entra em cena David Hume...

Publicado no blogue da Causa Liberal (08.01.2006):

David Hume foi um pensador de grandes intuições. Tal como anteviu muitos dos pressupostos mais válidos dos economistas clássicos e deitou por terra as pretensões "científicas" do racionalismo, também deixou escritos que ainda hoje são profundamente inspiradores para a compreensão dos fenómenos sociais. É o caso deste texto, que me parece poder ajudar na reflexão sobre o papel que tiveram os protestantes não-conformistas e o seu "entusiasmo" no caminho para a liberdade civil como hoje a entendemos.

Ainda o protestantismo e o capitalismo...

Publicado no blogue da Causa Liberal (08.01.2006):

Num comentário a um post meu recente sobre Max Weber e a relação entre o "capitalismo" e o protestantismo, o João Noronha aconselhou a leitura deste interessante texto de Michael Novak. Não deixa de ser curioso que Novak seja prudente na apreciação que faz da tese de Weber, lembrando aos críticos apressados que a criação de um ambiente favorável ao "capitalismo" nos meios protestantes se deveu mais aos desenvolvimentos da teologia moral levados a cabo por autores e pregadores populares (como Baxter ou John Wesley) do que às ideias directas de Calvino. Aliás, há a esclarecer que Calvino e "calvinistas" estão ligados, mas não são a mesma coisa. A generalidade do protestantismo anglo-americano está ancorado teologicamente em Calvino, mas desenvolveu-se muito para lá de Calvino. A teologia moral dos séculos XVII E XVIII, a que R. H. Tawney no seu livro clássico ("Religion and the Rise of Capitalism") também dá suma importância, teve um papel fulcral e deve ser o verdadeiro objecto de estudo deste fenómeno.

Voltando ao texto de Novak, propõe aí o autor uma distinção entre o "dinamismo" do protestantismo e a "criatividade" do catolicismo. Sinceramente, julgo tratar-se de uma proposta redutora. Não nego criatividade nem dinamismo ao catolicismo, mas é difícil aceitar que o protestantismo seja considerado pouco criativo. A própria teologia moral popular que se formou no ambiente anglo-americano - e que fez da sua cultura em grande medida o que ela é até hoje - é uma prova esmagadora dessa criatividade protestante. O próprio dinamismo com que Novak qualifica o protestantismo é inseparável da criatividade, tanto a nível individual quanto de grupos. O dinamismo protestante conduziu a uma explosão de grupos diferenciados, o que requereu (e requer) muita criatividade doutrinal, ao ponto de alguns deles terem pisado o risco da ortodoxia. Em termos da acção dos homens, incluindo o mundo do trabalho e do empreendedorismo, este dinamismo só podia alimentar-se de criatividade, como as sociedades anglo-americanas me parecem demonstrar desde o século XVII.

Para terminar, volto ao ponto do meu post inicial: a importância da CISSIPARIDADE protestante para a criação de um forte pluralismo e de uma forte sociedade civil. Trata-se de um ponto muito negligenciado neste debate, mas que eu julgo fundamental, inclusivamente para perceber as ligações históricas do protestantismo com o "capitalismo" (ou a livre iniciativa e a livre concorrência). De facto, a experiência protestante inspirada pelo calvinismo conduziu a uma fragmentação crescente das sociabilidades religiosas e criou (sem que essa fosse a intenção dos reformadores do século XVI) uma pluralidade efectiva de igrejas e grupos com doutrinas e modelos institucionais concorrentes. Essa realidade criou conflitos, mas acabou por forçar as sociedades mais fragmentadas à aceitação de uma fórmula política e civil de tolerância e convívio como condição da sua própria pacificação (vide todo o século XVII inglês até à "glorious revolution" com o seu Acto de Tolerância). Pela mesma razão, aquando da sua independência, os E.U.A. não podiam estabelecer outro modelo que não o da liberdade religiosa (com limites para os não protestantes) porque nenhum grupo era suficientemente forte para se fazer hegemónico com patrocínio político.

Recentemente, vários estudiosos do fenómeno religioso, adaptando para o efeito os métodos da teoria da escolha racional, têm chamado atenção para as consequências da concorrência em ambiente religioso (ver este livro, por exemplo). E mostram que a "desregulação" do universo religioso, como a que foi involuntariamente provocada pela cissiparidade prática do protestantismo sobretudo no mundo anglo-americano desde o século XVI, conduz(iu), pelo forte dinamismo e motivação dos grupos em concorrência, a uma explosão de criatividade geradora de pluralismo. Que isto se passou assim no mundo anglo-americano parece haver poucas dúvidas. E que isto não foi indiferente para a evolução da teologia moral que esses grupos reflectiram e para a evolução cultural dessas sociedades parece-me altamente provável. E trata-se de um campo de estudo pelo menos tão interessante quanto o exercício da descoberta de genealogias intelectuais das nossas ideias preferidas em autores que pretendemos naquelas integrar.

Outro grande livro

Publicado no blogue da Causa Liberal (04.01.2006):

O Rev. J. Gresham Machen, no seu livro "What is Faith?" aborda muitos dos temas que interessaram a C. S. Lewis, mas numa linha protestante mais "pura e dura" - embora existam muitos pontos de contacto. Isto não deveria levar os mais cépticos a olharem-no com sobranceria, dado tratar-se de um grande livro, de leitura arrebatadora. E que destrói alguns mitos, como o do protestantismo evangélico não ser capaz de profunda elaboração argumentativa com domínio das grandes aquisições legadas pela filosofia clássica. O livro é dos anos 20, portanto anterior à generalidade dos escritos de C.S. Lewis sobre religião.

C. "Yes" Lewis

Publicado no blogue da Causa Liberal (04.01.2006):

A propósito de uma citação recente de C. S. Lewis pelo João Noronha (Insurgente), voltei a espreitar o livro "Christian Reflections", que tem alguns dos melhores escritos deste autor. O ensaio sobre o "subjectivismo" (relativismo) é do melhor que tenho lido sobre o tema. Outros, sobre cristianismo e cultura, cristianismo e literatura ou sobre o historicismo são luminosos e inspiradores. O texto "Funeral of a Great Myth" deveria ser oferecido a todos os herdeiros pouco conscientes da cultura positivista (que são batalhões). Apesar de não concordar inteiramente com Lewis na sua aversão à música de igreja (tema de um dos ensaios), não há texto algum neste livro que não mereça ser lido.

O balão de oxigénio dos vícios

Publicado no blogue da Causa Liberal (27.12.2005):

Contrariamente ao júbilo que houve no País pela "vitória" portuguesa na recente negociação do orçamento da União Europeia, eu julgo que os 23,3 mil milhões de euros em fundos comunitários que chegarão a Portugal entre 2007 e 2013 são, para nós, uma tremendíssima DERROTA. Este "gasoduto financeiro" (Sérgio Figueiredo, SÁBADO n.º 86, p. 83) vai criar o balão de oxigénio que possibilitará o adiamento da profunda reforma financeira de que o Estado português está precisado - e, com ele, a sociedade civil e o nosso futuro como nação. Este fluxo de dinheiro será o seguro de vida do despesismo público, do clientelismo partidário e da continuação do crescimento do peso do Estado e de todo o sector improdutivo que lhe está associado. Estes milhões, que não merecemos e que deveríamos ser os primeiros a não querer, vão, aos olhos dos incautos, "tirar a razão" por mais uns anos ao diagnóstico e às previsões de Medina Carreira e convencê-los que nada temos de mudar de substancial no nosso Estado. Enquanto isso, na sua maioria prejudicados pelo novo orçamento, os novos membros da U.E. vão ser forçados às reformas de que nós fugimos e vão acentuar as suas vantagens competitivas em relação a Portugal (tal como o resto do mundo que não está parado). Por fim, estes milhões, vindos já fora de época para as próprias possibilidades dos grandes contribuintes da U.E., têm ainda a péssima consequência de adiarem as condições propícias ao repensar da nossa integração nesse espaço europeu cujos vícios de funcionamento ficaram bem patentes nesta última negociação (veja-se, por exemplo, o balanço do número de fim de ano do ECONOMIST).

P.S. Uma palavra para o Sr. Blair, que, há dias, eu elogiara pela sua posição anunciada de exigência de cortes na despesa. Afinal, o Sr. Blair não se bateu pelo que devia e concordou em deixar tudo como está. Considerar-te dos "meus", Tony, é um erro que não volto a cometer...

Tomorrow Shall Be My Dancing Day...

Publicado no blogue da Causa Liberal (23.12.2005):

Apreciador incondicional da hinódia cristã anglo-saxónica, há um cântico de Natal (tradicional) de que gosto particularmente e que tem o nome colocado como título deste post (ver a letra aqui). Nele, além dos acórdãos melódicos pouco convencionais acompanhados por um órgão impetuoso, é o próprio Salvador que fala na primeira pessoa sobre a alegria do Seu nascimento. Na imagem, a partitura desta obra inigualável. Para outros cânticos ingleses reunidos numa célebre edição de 1833, ver aqui. Como os Shakers, que dançavam no culto, anuncie-se o nascimento do Senhor como um grande dia de dança!

I wonder...

Porque será que alguns blogues liberais foram tão rápidos a retirar as ligações para o L&LP, quando estão cheios de ligações para blogues há muito mortos ou semi-mortos e com os quais têm menos afinidades de ideias? O jeito que não dá o anúncio de uma suspensão (aliás, parcial, como se vê). E, a propósito, até vêm aí novidades...