sexta-feira, abril 02, 2021

Uma alternativa ao primado da lei?

Depois de promulgar um diploma aprovado pela Assembleia da República que está patentemente ferido de inconstitucionalidade, Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou uma frase autojustificativa que ficará para a história: «É o direito que serve a política, não é a política que serve o direito».

Não vou discutir agora a questão em termos de hegemonia entre "direito" e "política"; noto apenas na frase o tom confrontacional e hierárquico entre os dois elementos, e qual dos dois é subalternizado.

Algumas luminárias apelaram ao voto neste senhor na última eleição presidencial por ser o primeiro presidente a dizer-se de "direita" e a única força moderadora na conjuntura de domínio socialista do Estado. Guardem a "direita", embrulhem-na mesmo, que aqui se fica com a tradição liberal do primado da lei.

quinta-feira, janeiro 21, 2021

L&LP com sotaque...

 


[Um disclaimer neocartista sobre esta eleição: Para o L&LP, e enquanto o País não percebe a conveniência de restaurar (e reconsagrar constitucionalmente) a chefia de Estado dinástica que lhe é natural, a eleição "presidencial" é uma designação, por voto popular, do lugar-tenente do Rei (que está presente, em potência sereníssima, em S.A.R. o Duque de Bragança). A escolha do Presidente da República tem, pois, este alto critério e padrão para cada eleitor - que não está a escolher um "rei eleito", mas alguém que desempenha uma função digna, necessária ao equilíbrio constitucional, mas de substituição e sem plenitude representativa.]

Pandemia: «Não há justificação para esta paranóia» — Jorge Torgal (Conse...

quinta-feira, janeiro 14, 2021

Um estado de emergência inconstitucional

Começa no próximo dia 16 de janeiro um novo período de estado de emergência, que renova e agrava o instituído (e também renovado) pelo decreto presidencial n.º 6-A/2021 de 6 de janeiro. O novo decreto presidencial, o n.º 6-B/2021 de 13 de janeiro, publicado ontem em Diário da República depois de aprovado pela Assembleia da República, invoca novamente uma situação de «estado de calamidade» associado ao vírus SARS-CoV-2 como justificativo daquele estado, que a própria Constituição define como de suspensão de direitos, liberdades e garantias (Art.º 19.º).

É altamente discutível que uma epidemia ou pandemia como a associada ao vírus referido possa ser considerada um "estado de calamidade" como aquele previsto no texto da Constituição e aí colocado (Art.º 19.º, §2) juntamente com as situações de «agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras» e de «grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional». É muito discutível que um problema de saúde pública possa estar incluído no espírito do artigo, todo ele claramente pensado como resposta de exceção a uma situação de subversão da ordem constitucional e/ou da ordem pública.

É verdade que pode considerar-se algo indefinido no texto constitucional o termo «estado de calamidade», mas este tem de ser lido no contexto do artigo respetivo, que não tem qualquer menção a algo de semelhante ou decorrente de um problema de saúde pública. À luz do articulado da Constituição, uma crise de saúde pública poderia justificar muitas ações dos órgãos do Estado, mas não um estado de emergência -- ou, já agora, um estado de sítio (também previsto no Art.º 19.º). Mas não é admissível que "estado de calamidade" possa ser o que o Presidente, a Assembleia ou o Governo da República decidam ser; porque tal discricionariedade, como se vê, equivaleria a, por ela, fazer depender da vontade daqueles órgãos a adequação do estado de emergência (e, já agora, do estado de sítio) a qualquer circunstância minimamente fora da "normalidade".

Aquele estado de exceção só pode resultar de um ato de defesa da ordem constitucional contra atos conscientes e deliberados, e de risco real, de alguém que a pretende subverter ou ameaçar. E um problema de saúde pública, causado por um vírus, não se enquadra no espírito do Art.º 19.º, que prevê e regula aquele estado.

Este decreto presidencial, como os anteriores nos mesmos moldes, é, pois, inconstitucional. A esta conclusão acresce que o decreto n.º 6-B/2021 de 13 de janeiro, pelo tipo de medidas que autoriza de requisição pelo Estado de recursos humanos e materiais privados ou de interferência em preços de bens e regimes de licenciamento de atividades económicas, viola de modo estrondoso o §4.º do mesmo Art.º 19.º, que obriga o estado de exceção decretado a «respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto à sua extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da ordem constitucional». Isto é muito diferente de dar ao Governo todos os meios que ele possa, eventualmente e no seu próprio critério, julgar necessários.

[P.S. Como, associado a este decreto, surge de novo a medida desproporcionada de obrigar os cidadãos a um confinamento geral, o L&LP volta a colocar o seu banner contra esta violação liberticida do direito de deslocação dos cidadãos portugueses.]