Começa no próximo dia 16 de janeiro um novo período de estado de emergência, que renova e agrava o instituído (e também renovado) pelo decreto presidencial n.º 6-A/2021 de 6 de janeiro. O novo decreto presidencial, o n.º 6-B/2021 de 13 de janeiro, publicado ontem em Diário da República depois de aprovado pela Assembleia da República, invoca novamente uma situação de «estado de calamidade» associado ao vírus SARS-CoV-2 como justificativo daquele estado, que a própria Constituição define como de suspensão de direitos, liberdades e garantias (Art.º 19.º).
É altamente discutível que uma epidemia ou pandemia como a associada ao vírus referido possa ser considerada um "estado de calamidade" como aquele previsto no texto da Constituição e aí colocado (Art.º 19.º, §2) juntamente com as situações de «agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras» e de «grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional». É muito discutível que um problema de saúde pública possa estar incluído no espírito do artigo, todo ele claramente pensado como resposta de exceção a uma situação de subversão da ordem constitucional e/ou da ordem pública.
É verdade que pode considerar-se algo indefinido no texto constitucional o termo «estado de calamidade», mas este tem de ser lido no contexto do artigo respetivo, que não tem qualquer menção a algo de semelhante ou decorrente de um problema de saúde pública. À luz do articulado da Constituição, uma crise de saúde pública poderia justificar muitas ações dos órgãos do Estado, mas não um estado de emergência -- ou, já agora, um estado de sítio (também previsto no Art.º 19.º). Mas não é admissível que "estado de calamidade" possa ser o que o Presidente, a Assembleia ou o Governo da República decidam ser; porque tal discricionariedade, como se vê, equivaleria a, por ela, fazer depender da vontade daqueles órgãos a adequação do estado de emergência (e, já agora, do estado de sítio) a qualquer circunstância minimamente fora da "normalidade".
Aquele estado de exceção só pode resultar de um ato de defesa da ordem constitucional contra atos conscientes e deliberados, e de risco real, de alguém que a pretende subverter ou ameaçar. E um problema de saúde pública, causado por um vírus, não se enquadra no espírito do Art.º 19.º, que prevê e regula aquele estado.
Este decreto presidencial, como os anteriores nos mesmos moldes, é, pois, inconstitucional. A esta conclusão acresce que o decreto n.º 6-B/2021 de 13 de janeiro, pelo tipo de medidas que autoriza de requisição pelo Estado de recursos humanos e materiais privados ou de interferência em preços de bens e regimes de licenciamento de atividades económicas, viola de modo estrondoso o §4.º do mesmo Art.º 19.º, que obriga o estado de exceção decretado a «respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto à sua extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da ordem constitucional». Isto é muito diferente de dar ao Governo todos os meios que ele possa, eventualmente e no seu próprio critério, julgar necessários.
[P.S. Como, associado a este decreto, surge de novo a medida desproporcionada de obrigar os cidadãos a um confinamento geral, o L&LP volta a colocar o seu banner contra esta violação liberticida do direito de deslocação dos cidadãos portugueses.]