Fica disponível no L&LP uma investigação sobre as instituições que delimitaram e condicionaram historicamente o espaço e as iniciativas da "esfera privada" em Portugal: Normatividade e economia: a regulação da iniciativa privada antes do liberalismo (1603-1834).
L&LP (Livre & Leal Português)
domingo, maio 07, 2023
Curso de Eclesiologia Histórica
Fica agora disponível o material de apoio (PDF em 50 slides) do Curso de Eclesiologia Histórica que o L&LP preparou recentemente para o Centro Protestante de Estudos (CPE) da IEPP, com uma visão abrangente de mais de dois mil anos da Igreja Cristã.
quinta-feira, setembro 08, 2022
Isabel II (1926-2022)
terça-feira, maio 10, 2022
10 possíveis lições da guerra na Ucrânia
1)
Putin estava em queda por razões económicas e, com uma intervenção militar rápida
e incisiva que pusesse a Ucrânia de joelhos, queria fazer um turnaround
galvanizador que distraísse os russos e baralhasse os ocidentais;
2) a capacidade de resistência dos ucranianos impediu essa estratégia e expôs a fragilidade militar russa;
3) a violência russa, prolongada pela resistência
ucraniana, está a forjar uma unidade nacional ucraniana que não existia, e em
torno da agenda dos pró-ocidentais;
4)
Putin viu-se forçado a abraçar os mais extremistas dos nacionais-radicais
russos, comprimindo a massa crítica dos seus apoiantes e isolando-se
mais entre as elites;
5) a
China não está solidária com a ação militar russa, vê antes nela a oportunidade
de cair-lhe na sua esfera de influência uma Rússia enfraquecida, com menos
laços com o Ocidente e cada vez mais dependente dela em termos económicos (e este
será o legado geoestratégico de Putin à Rússia);
6) A União
Europeia revelou a sua definitiva incapacidade de resposta a qualquer ameaça
externa, paralisada pelos interesses contraditórios dos seus membros mais
fortes (diga-se já que não anuláveis por fugas para a frente “federalistas”) e por
falta de capacidade militar (que pertenceu à NATO e à atitude liderante de dois
países não-“europeus”, EUA e Reino Unido) no auxílio à Ucrânia e aos membros da
UE na “linha da frente”;
7) nenhum
país europeu, no seu perfeito juízo, vai querer equacionar a sua segurança fora
do quadro da NATO (na qual EUA e RU continuarão a ter capacidade e inciativa,
que hão de faltar sempre à Alemanha e à França);
8) a
ambiguidade e os erros da política energética alemã (que são, em boa medida, os
da UE) expõem o autocentramento estratégico de Berlim, que só pode causar
perplexidade nos estados europeus (como Portugal, mas não só) que, a reboque da
economia alemã, foram puxados para agendas continentalistas que os descentraram
do seu atlantismo histórico;
9) os
acontecimentos na Ucrânia puseram a nu o que valem as ideias dos que acham esse
atlantismo coadunável com a ever closer union da UE ou que os problemas
desta se resolverão com votações por maioria ou fugas para a frente “federalistas”;
10) o
reforço da NATO (frente aos devaneios de uma “defesa europeia”) e o
relançamento do grand design de uma área de comércio livre no Atlântico
Norte (articulada com a OMC e extensível ao Pacífico, ao Mediterrâneo, ao mar
Negro e a quem, em qualquer geografia, queira juntar-se) são os remédios mais
adequados à incerteza russa e ao desafio chinês – ou seja, volta TTIP, que a
estupidez dos que te rejeitaram está perdoada!
sexta-feira, abril 02, 2021
Uma alternativa ao primado da lei?
Depois de promulgar um diploma aprovado pela Assembleia da República que está patentemente ferido de inconstitucionalidade, Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou uma frase autojustificativa que ficará para a história: «É o direito que serve a política, não é a política que serve o direito».
Não vou discutir agora a questão em termos de hegemonia entre "direito" e "política"; noto apenas na frase o tom confrontacional e hierárquico entre os dois elementos, e qual dos dois é subalternizado.
Algumas luminárias apelaram ao voto neste senhor na última eleição presidencial por ser o primeiro presidente a dizer-se de "direita" e a única força moderadora na conjuntura de domínio socialista do Estado. Guardem a "direita", embrulhem-na mesmo, que aqui se fica só com a tradição liberal do primado da lei.
quinta-feira, janeiro 21, 2021
L&LP com sotaque...
quinta-feira, janeiro 14, 2021
Um estado de emergência inconstitucional
Começa no próximo dia 16 de janeiro um novo período de estado de emergência, que renova e agrava o instituído (e também renovado) pelo decreto presidencial n.º 6-A/2021 de 6 de janeiro. O novo decreto presidencial, o n.º 6-B/2021 de 13 de janeiro, publicado ontem em Diário da República depois de aprovado pela Assembleia da República, invoca novamente uma situação de «estado de calamidade» associado ao vírus SARS-CoV-2 como justificativo daquele estado, que a própria Constituição define como de suspensão de direitos, liberdades e garantias (Art.º 19.º).
É altamente discutível que uma epidemia ou pandemia como a associada ao vírus referido possa ser considerada um "estado de calamidade" como aquele previsto no texto da Constituição e aí colocado (Art.º 19.º, §2) juntamente com as situações de «agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras» e de «grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional». É muito discutível que um problema de saúde pública possa estar incluído no espírito do artigo, todo ele claramente pensado como resposta de exceção a uma situação de subversão da ordem constitucional e/ou da ordem pública.
É verdade que pode considerar-se algo indefinido no texto constitucional o termo «estado de calamidade», mas este tem de ser lido no contexto do artigo respetivo, que não tem qualquer menção a algo de semelhante ou decorrente de um problema de saúde pública. À luz do articulado da Constituição, uma crise de saúde pública poderia justificar muitas ações dos órgãos do Estado, mas não um estado de emergência -- ou, já agora, um estado de sítio (também previsto no Art.º 19.º). Mas não é admissível que "estado de calamidade" possa ser o que o Presidente, a Assembleia ou o Governo da República decidam ser; porque tal discricionariedade, como se vê, equivaleria a, por ela, fazer depender da vontade daqueles órgãos a adequação do estado de emergência (e, já agora, do estado de sítio) a qualquer circunstância minimamente fora da "normalidade".
Aquele estado de exceção só pode resultar de um ato de defesa da ordem constitucional contra atos conscientes e deliberados, e de risco real, de alguém que a pretende subverter ou ameaçar. E um problema de saúde pública, causado por um vírus, não se enquadra no espírito do Art.º 19.º, que prevê e regula aquele estado.
Este decreto presidencial, como os anteriores nos mesmos moldes, é, pois, inconstitucional. A esta conclusão acresce que o decreto n.º 6-B/2021 de 13 de janeiro, pelo tipo de medidas que autoriza de requisição pelo Estado de recursos humanos e materiais privados ou de interferência em preços de bens e regimes de licenciamento de atividades económicas, viola de modo estrondoso o §4.º do mesmo Art.º 19.º, que obriga o estado de exceção decretado a «respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto à sua extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da ordem constitucional». Isto é muito diferente de dar ao Governo todos os meios que ele possa, eventualmente e no seu próprio critério, julgar necessários.
[P.S. Como, associado a este decreto, surge de novo a medida desproporcionada de obrigar os cidadãos a um confinamento geral, o L&LP volta a colocar o seu banner contra esta violação liberticida do direito de deslocação dos cidadãos portugueses.]
terça-feira, dezembro 01, 2020
Eduardo Lourenço, intérprete da circunstância portuguesa da filosofia
O percurso pessoal
Eduardo Lourenço de Faria nasceu em 1923 em São Pedro do Rio Seco, concelho de Almeida (distrito da Guarda). O pai era oficial do exército e a mãe foi a grande presença da sua infância, influindo na educação católica que recebeu. Frequentou o Colégio Militar, em Lisboa, entre 1935 e 1940, ingressando no ano seguinte no curso de Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Tornou-se então colaborador da revista Vértice, associada aos intelectuais neo-realistas próximos do Partido Comunista. Em 1946, defendeu com sucesso a sua tese de licenciatura, O sentido da dialéctica no idealismo absoluto, tornando-se assistente do professor Joaquim de Carvalho um ano depois. Publicou em 1949 o primeiro volume de Heterodoxia, sendo então convidado para leccionar na Universidade de Bordéus (França), vindo também a leccionar em Hamburgo (Alemanha), na Universidade da Baía (Brasil) e, novamente em França, em Grenoble. Casou com Annie Salomon em 1954. Em 1967 publicou o segundo volume de Heterodoxia e, no ano seguinte, Sentido e forma da poesia neo-realista. Em 1973 foi convidado por Mário Soares para ser um dos fundadores do Partido Socialista no exílio, o que declinou. Nesse ano publicou Fernando Pessoa revisitado, propondo uma interpretação dos heterónimos pessoanos. A partir de 1974 passou a residir em Vence, na Provença, leccionando na Universidade de Nice. Em 1976, publicou O fascismo nunca existiu e, dois anos mais tarde, O labirinto da saudade – psicanálise mítica do destino português, que marcou o início da sua notoriedade como figura cimeira do universo intelectual português. Em 1979 foi convidado para integrar o governo de esquerda presidido por Maria de Lourdes Pintasilgo, o que declinou. Em 1986, publicou Fernando, rei da nossa Baviera, uma interpretação do universo literário pessoano. Em 1994 publicou A Europa desencantada e em 1998 O esplendor do caos, sobre a chamada «geração de 70» do século XIX.
Eduardo Lourenço conheceu e viveu, até pela sua circunstância familiar, a cultura religiosa católica que enformou secularmente a sociedade portuguesa. Apesar do seu percurso posterior, não rompeu com o catolicismo – casou catolicamente em 1954 –, mostrando-se sempre interessado em preservá-lo como objecto de reflexão e como ponte para pensar Portugal na sua individualidade e na sua relação com a Europa. Logo no primeiro volume da sua obra Heterodoxia (1949), Eduardo Lourenço considerou necessário adoptar nessa relação com a tradição católica uma atitude heterodoxa, isto é, embora não enjeitando a sua identidade, disponível para explorar os seus limites e para adoptar a perspectiva crítica da atitude filosófica. Uma relação similar foi por si construída com o socialismo, de que se aproximou muito cedo. Convivendo desde os anos quarenta do século XX com o círculo dos intelectuais neo-realistas próximos do marxismo e do Partido Comunista, reunidos desde 1941 em torno da revista coimbrã Novo cancioneiro e depois da Vértice, Lourenço não se identificará com as expressões mais rígidas do socialismo marxista. Manterá, no entanto, a sua pertença a esse universo político e ideológico, embora com a mesma atitude de o pensar a partir da crítica filosófica e até de uma abordagem “heterodoxa”. Por isso definirá logo no fim dos anos quarenta a sua atitude intelectual tanto perante o catolicismo como perante o socialismo: «nem o contrário de ortodoxia, nem de niilismo, mas o movimento constante de os pensar a ambos» (Heterodoxia, I, p. 8). Este posicionamento permitiu que Eduardo Lourenço fosse um dos principais intelectuais a acolher na cultura portuguesa o espaço do socialismo democrático, que considera a expressão mais completa das aspirações cívicas e políticas do homem europeu, mas de um modo que não deixava de radicar-se e dialogar com os valores da tradição cristã e humanista do Velho Continente.
O percurso filosófico
Em termos filosóficos, Lourenço exprimiu as suas inquietações de um modo que não cabia num discurso formal e puramente conceptual, pelo que desenvolveu nas suas obras um estilo ensaístico, «fundado na suspeita do conceito», em que pretendeu também experimentar com mais liberdade a sua atitude “heterodoxa” perante a própria linguagem filosófica. Kierkegaard foi um apoio para esse tipo de abordagem, mas também um interlocutor “heterodoxo” para o diálogo com a ortodoxia católica como era vivida na realidade cultural e institucional portuguesa. Já Nietzsche foi um contra-peso para tecer a relação com a cultura secular do seu tempo e que igualmente se coadunava a este discurso livre embora de base filosófica; tratava-se também de um filósofo especialmente bem situado para servir de referência à temática da «crise da cultura», cujo peso se tornou crescente na sua reflexão. Perante o panorama da filosofia em Portugal, e apesar do interesse crescente pela análise da cultura portuguesa, Eduardo Lourenço teve sempre uma relação distante com a corrente denominada “filosofia portuguesa”, por não poder enquadrar-se na tradição aristotélica que a melhor parte daquela pretendia continuar e por não querer previsivelmente prender-se ao pressuposto enraizado ou nativista que a mesma transportava. Perante o saudosismo erigido a objecto filosófico, que parte da “filosofia portuguesa” quis cultivar, Lourenço mostrou até que ponto era tributário de críticos como António Sérgio que naquele sentimento viam a expressão de uma «consciência delirada da fraqueza nacional». Deste modo, Eduardo Lourenço nunca quis deixar de situar o seu pensamento na continuidade dos críticos europeízantes da cultura portuguesa, da «Geração de 70» (Antero de Quental e Oliveira Martins em particular) até Sérgio, apesar de matizar a sua adesão às tendências racionalistas ou idealistas expressas por esses autores. Também devido a este seu posicionamento, Lourenço nunca pôde ser integrado no grupo dos filósofos ou intelectuais marxistas.
O seu percurso foi considerado eclético, diletante ou “nómada”, sendo sempre evidente o esforço de partir do cosmopolitismo da tradição filosófica para reflectir sobre a realidade histórica e cultural portuguesa. Daí a dificuldade de classificar o livro Labirinto da saudade, no qual refinou e aprofundou o exercício de identificação e análise dos grandes mitos da cultura portuguesa e para o qual toda a sua obra parecia convergir: foi impossível situá-lo numa corrente ou grupo particular, embora dificilmente a sua pertinência tenha sido contestada por qualquer dessas parcialidades. A essa liberdade perante grupos e correntes não foi alheio o facto de residir fora do País, apesar das frequentes visitas a Portugal. Nas suas últimas obras, a questão europeia nas suas relações com Portugal e com o mundo global tem sido aprofundada, como continuidade das suas preocupações de sempre com a Europa enquanto «continente espiritual». “Espectador comprometido” da unidade da Europa, que acompanhou desde o início em França e com a qual Portugal se cruzou desde as décadas de 70 e 80 do século XX, tem emprestado a esta temática a mesma reflexão crítica pouco dada aos entusiasmos de escolas e grupos de diferentes orientações: «Só se podem sentir desencantados aqueles que sabendo a Europa a que pertencem frágil na cena do mundo, por incapacidade de se constituir com um mínimo de coerência política, constatam que quarenta anos de sonho europeu não fizeram da Europa um mito para a consciência do cidadão comum da Comunidade Europeia», escreveu Eduardo Lourenço em 1993.
[Faleceu em Lisboa, a 1 de dezembro de 2020.]
[Junho
2008]