Samuel Smiles (1812-1904) escreveu um dos grandes livros da era vitoriana, Self-Help, publicado em 1859 por sua conta e risco. Tornou-se um best-seller e, digo eu, um grande título da literatura universal. É um livro de cabeceira para toda a vida. Os dois primeiros parágrafos mostram toda a sua actualidade:
"Heaven helps those who help themselves" is a well-tried maxim, embodying in a small compass the results of vast human experience. The spirit of self-help is the root of all genuine growth in the individual; and, exhibited in the lives of many, it constitutes the true source of national vigour and strength. Help from without is often enfeebling in its effects, but help from within invariably invigorates. Whatever is donefor men or classes, to a certain extent takes away the stimulus and necessity of doing for themselves; and where men are subjected to over-guidance and over-government, the inevitable tendency is to render them comparatively helpless.
Even the best institutions can give a man no active help. Perhaps the most they can do is, to leave him free to develop himself and improve his individual condition. But in all times men have been prone to believe that their happiness and well-being were to be secured by means of institutions rather than by their own conduct. Hence the value of legislation as an agent in human advancement has usually been much over-estimated. To constitute the millionth part of a Legislature, by voting for one or two men once in three or five years, however conscientiously this duty may be performed, can exercise but little active influence upon any man's life and character. Moreover, it is every day becoming more clearly understood, that the function of Government is negative and restrictive, rather than positive and active; being resolvable principally into protection-protection of life, liberty, and property. Laws, wisely administered, will secure men in the enjoyment of the fruits of their labour, whether of mind or body, at a comparatively small personal sacrifice; but no laws, however stringent, can make the idle industrious, the thriftless provident, or the drunken sober. Such reforms can only be effected by means of individual action, economy, and self-denial; by better habits, rather than by greater rights.
terça-feira, abril 19, 2011
domingo, abril 10, 2011
Semelhanças e diferenças entre duas crises (1891 e 2011)
[Respostas a um colaborador de um semanário sobre a crise de 1891 e a actual.]
Em seu entender qual foi o facto mais marcante em todo este período de crise financeira e de default externo [entre 1891 e 1902]?
Valendo-me de dados coligidos por Eugénia Mata e Nuno Valério [História Económica de Portugal: Uma Perspectiva Global, Lisboa: Editorial Presença, 1994, p. 247ss], diria que o facto marcante em todo o período da crise bancária e financeira de 1890-1891 até à renegociação com os credores externos em 1902 é o relativo controlo do crescimento da despesa pública (que cresce qualquer coisa como 4%, abaixo do crescimento do PIB). É isso que explica que em 1893, como mostrou recentemente Carlos Marinheiro (CESifo Working Paper n.º 1399), a dívida representasse mais de 70% do PIB e por volta de 1902 já tivesse caído para cerca de 60%. A impossibilidade de se financiar no exterior obrigou o Estado português a uma “dieta” que terá sido mais uma inevitabilidade do que uma escolha política. A pressão fiscal exercida sobre o consumo e as alfândegas (então a parte de leão da receita fiscal) ajudou a consolidação das contas públicas mas não chegou a esmagar o crescimento económico (não ocorre propriamente uma recessão, pois o PIB continua a crescer, até porque a economia era muito mais independente do investimento público e do demand management do que nos nossos dias). O Estado não tinha mecanismos fiscais para taxar o rendimento e a propriedade a um ponto que pudesse deprimir seriamente a economia. A mudança de sistema monetário, com a adopção precoce de um sistema de fiat money, não terá sido indiferente à performance da economia, mas, dada a cultura política e económica então ainda prevalecente, não foi excessivamente usada – como seria mais tarde, durante a I Guerra Mundial – para monetarizar a despesa e a dívida (daí também que os preços tivessem conservado alguma estabilidade, não sobrecarregando ainda mais os bens de consumo).
Que “lições” retiraria para a época actual em termos de risco de default parcial e de eventualidade de uma reestruturação da dívida (em 1892 houve uma redução unilateral dos juros da dívida consolidada, como o Luís refere [aqui])?
Comparativamente, a dependência do endividamento e o seu peso superam hoje o da crise de 1891 e mesmo o do pico anterior de 75% do PIB no fim da I República. Nos nossos dias o endividamento do Estado financia a subsistência de uma percentagem muito grande da população e qualquer “dieta” pública comparável à de 1892-1902 afectará directamente o rendimento de milhões de portugueses muito relutantes em apoiar medidas que os prejudiquem durante um período relativamente longo. Um default com suspensão unilateral de pagamentos a credores não é alternativa, pois a estrutura da despesa é muito mais rígida do que há 120 anos e o recurso à pressão fiscal estaria longe de acudir à parte nuclear das necessidades de financiamento (acresce que a utilização dos sofisticados mecanismos fiscais dos nossos dias para tentar compensar a diminuição do recurso ao endividamento crescente pode deprimir seriamente a economia numa escala inimaginável em 1890 – aliás, hoje já estamos em recessão e crescimento nulo crónicos, ao contrário do que aconteceu na crise anterior). Hoje, a seguir ao default continuaria a não haver recursos para acudir àquelas necessidades no médio prazo. As «lições» parecem-me ser que o ajustamento actual será socialmente muito mais doloroso e que o Estado o fará sob um regime de protectorado de instâncias externas que, apesar de tudo, esteve em condições de evitar em 1890-1902.
O Luís refere o processo “maligno” de endividamento do Estado e de inflação do crédito naquele período [até 1891]. Quer detalhar?
Trata-se de posições que bebem muito em opções de escola. À partida, o endividamento do Estado significa que este não consegue financiar-se no presente e hipoteca o futuro. Em última análise, está a contrair obrigações em nome de cidadãos não nascidos. Financiar deste modo despesas correntes e encargos com a dívida (como aconteceu no século XIX e nos nossos dias a uma escala muitíssimo maior) considero-o pernicioso, pois subtrai recursos ao investimento privado e à poupança, reduzindo as possibilidades de crescimento da economia. A inflação do crédito (ontem baseada nos sistemas de reserva fraccional e hoje no fiat money e na gestão que os bancos centrais fazem da taxa de desconto) é igualmente perniciosa, pois pretende baixar artificialmente as taxas de juro de empréstimo. Esta prática faz aparecer dinheiro onde é muito arriscado investir e dá sinais de expansão errados ao mercado, potenciando investimentos insustentáveis e necessárias crises de liquidação – mais uma vez, há desvio de recursos de outras utilizações potenciais mais eficientes. Uma e outra coisa aconteceram entre nós na segunda metade do século XIX ligadas sobretudo às próprias necessidades financeiras do Estado e aos projectos de «melhoramentos materiais» por ele patrocinados ou garantidos. Os investidores privados portugueses pareciam muito prudentes e pouco afeitos a grandes riscos e foi o Estado que desempenhou esse papel, aproveitando o dinheiro barato para se endividar e para estimular investimentos que sem as suas garantias dificilmente teriam conseguido investidores nacionais e estrangeiros. Alguns desses investimentos (para a época vultuosos), nomeadamente em infra-estruturas de transportes, eram insustentáveis pela procura privada e acabaram a necessitar da intervenção directa do Estado e do dinheiro do orçamento – nada que também não se passe hoje. Do meu ponto de vista, este não é um processo saudável ou sustentável de crescimento da economia. Por isso o considerei «maligno».
Em seu entender qual foi o facto mais marcante em todo este período de crise financeira e de default externo [entre 1891 e 1902]?
Valendo-me de dados coligidos por Eugénia Mata e Nuno Valério [História Económica de Portugal: Uma Perspectiva Global, Lisboa: Editorial Presença, 1994, p. 247ss], diria que o facto marcante em todo o período da crise bancária e financeira de 1890-1891 até à renegociação com os credores externos em 1902 é o relativo controlo do crescimento da despesa pública (que cresce qualquer coisa como 4%, abaixo do crescimento do PIB). É isso que explica que em 1893, como mostrou recentemente Carlos Marinheiro (CESifo Working Paper n.º 1399), a dívida representasse mais de 70% do PIB e por volta de 1902 já tivesse caído para cerca de 60%. A impossibilidade de se financiar no exterior obrigou o Estado português a uma “dieta” que terá sido mais uma inevitabilidade do que uma escolha política. A pressão fiscal exercida sobre o consumo e as alfândegas (então a parte de leão da receita fiscal) ajudou a consolidação das contas públicas mas não chegou a esmagar o crescimento económico (não ocorre propriamente uma recessão, pois o PIB continua a crescer, até porque a economia era muito mais independente do investimento público e do demand management do que nos nossos dias). O Estado não tinha mecanismos fiscais para taxar o rendimento e a propriedade a um ponto que pudesse deprimir seriamente a economia. A mudança de sistema monetário, com a adopção precoce de um sistema de fiat money, não terá sido indiferente à performance da economia, mas, dada a cultura política e económica então ainda prevalecente, não foi excessivamente usada – como seria mais tarde, durante a I Guerra Mundial – para monetarizar a despesa e a dívida (daí também que os preços tivessem conservado alguma estabilidade, não sobrecarregando ainda mais os bens de consumo).
Que “lições” retiraria para a época actual em termos de risco de default parcial e de eventualidade de uma reestruturação da dívida (em 1892 houve uma redução unilateral dos juros da dívida consolidada, como o Luís refere [aqui])?
Comparativamente, a dependência do endividamento e o seu peso superam hoje o da crise de 1891 e mesmo o do pico anterior de 75% do PIB no fim da I República. Nos nossos dias o endividamento do Estado financia a subsistência de uma percentagem muito grande da população e qualquer “dieta” pública comparável à de 1892-1902 afectará directamente o rendimento de milhões de portugueses muito relutantes em apoiar medidas que os prejudiquem durante um período relativamente longo. Um default com suspensão unilateral de pagamentos a credores não é alternativa, pois a estrutura da despesa é muito mais rígida do que há 120 anos e o recurso à pressão fiscal estaria longe de acudir à parte nuclear das necessidades de financiamento (acresce que a utilização dos sofisticados mecanismos fiscais dos nossos dias para tentar compensar a diminuição do recurso ao endividamento crescente pode deprimir seriamente a economia numa escala inimaginável em 1890 – aliás, hoje já estamos em recessão e crescimento nulo crónicos, ao contrário do que aconteceu na crise anterior). Hoje, a seguir ao default continuaria a não haver recursos para acudir àquelas necessidades no médio prazo. As «lições» parecem-me ser que o ajustamento actual será socialmente muito mais doloroso e que o Estado o fará sob um regime de protectorado de instâncias externas que, apesar de tudo, esteve em condições de evitar em 1890-1902.
O Luís refere o processo “maligno” de endividamento do Estado e de inflação do crédito naquele período [até 1891]. Quer detalhar?
Trata-se de posições que bebem muito em opções de escola. À partida, o endividamento do Estado significa que este não consegue financiar-se no presente e hipoteca o futuro. Em última análise, está a contrair obrigações em nome de cidadãos não nascidos. Financiar deste modo despesas correntes e encargos com a dívida (como aconteceu no século XIX e nos nossos dias a uma escala muitíssimo maior) considero-o pernicioso, pois subtrai recursos ao investimento privado e à poupança, reduzindo as possibilidades de crescimento da economia. A inflação do crédito (ontem baseada nos sistemas de reserva fraccional e hoje no fiat money e na gestão que os bancos centrais fazem da taxa de desconto) é igualmente perniciosa, pois pretende baixar artificialmente as taxas de juro de empréstimo. Esta prática faz aparecer dinheiro onde é muito arriscado investir e dá sinais de expansão errados ao mercado, potenciando investimentos insustentáveis e necessárias crises de liquidação – mais uma vez, há desvio de recursos de outras utilizações potenciais mais eficientes. Uma e outra coisa aconteceram entre nós na segunda metade do século XIX ligadas sobretudo às próprias necessidades financeiras do Estado e aos projectos de «melhoramentos materiais» por ele patrocinados ou garantidos. Os investidores privados portugueses pareciam muito prudentes e pouco afeitos a grandes riscos e foi o Estado que desempenhou esse papel, aproveitando o dinheiro barato para se endividar e para estimular investimentos que sem as suas garantias dificilmente teriam conseguido investidores nacionais e estrangeiros. Alguns desses investimentos (para a época vultuosos), nomeadamente em infra-estruturas de transportes, eram insustentáveis pela procura privada e acabaram a necessitar da intervenção directa do Estado e do dinheiro do orçamento – nada que também não se passe hoje. Do meu ponto de vista, este não é um processo saudável ou sustentável de crescimento da economia. Por isso o considerei «maligno».
segunda-feira, abril 04, 2011
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