«[...] O vínculo entre a compra de obrigações pela Fed e consequente aumento das reservas monetárias alterou-se depois de 2008, porque a Fed começou a pagar juros sobre o excedente de reservas [dos bancos]. A taxa de juro oferecida por estes depósitos líquidos e totalmente seguros induziu os bancos a manter o excedente de reservas ao cuidado da Fed em vez de os converter em empréstimos e criar depósitos para absorverem o aumento das reservas, tal como teriam feito antes de 2008.
Como resultado, o volume de reservas excedentes detido pela Fed aumentou drasticamente de menos de 2 mil milhões de dólares em 2008 para 1,8 biliões actualmente. Mas a nova política da Fed de pagar juros sobre o excesso de reservas significou que apesar de haver uma maior disponibilidade das reservas em excesso, tanto o ritmo de crescimento dos depósitos como o ritmo do crescimento das reservas monetárias foram limitados.
[...] Portanto, não é surpreendente que a inflação se tenha mantido em valores tão moderados – de facto, mais baixos que em qualquer década desde o fim da II Guerra Mundial. Também não é de estranhar que a flexibilização quantitativa tenha feito tão pouco para aumentar a despesa nominal e a actividade económica real.
A ausência de uma inflação significativa nos últimos anos não significa que esta não venha a aumentar no futuro. Quando as empresas e as famílias aumentarem, eventualmente, a sua procura por empréstimos, os bancos que tenham capital suficiente podem atender a essa procura com novos empréstimos, sem exceder os limites que em outras condições poderiam resultar num nível inadequado de reservas. O crescimento resultante dos gastos por parte das empresas e das famílias pode ser bem-vindo num primeiro momento, mas a curto prazo pode tornar-se numa fonte de inflação indesejada.
Para limitar o efeito inflacionário destes empréstimos, a Fed poderia, em princípio, aumentar a taxa de juro sobre o excesso de reservas ou por meio de operações em mercado aberto para aumentar a taxa de juro dos fundos federais de curto prazo. Mas a Fed pode hesitar em agir, ou pode agir com força insuficiente devido à sua dupla obrigação de se concentrar no emprego bem como na estabilidade dos preços.
Esse resultado é mais provável se as elevadas taxas de desemprego de longa duração persistirem, assim como sub-emprego, mesmo que a taxa de inflação aumente. E é por isso que os investidores estão certos em se preocuparem com o regresso da inflação, mesmo que a compra massiva de obrigações pela Fed nos últimos anos não tenha conduzido a um aumento inflacionista.»
Tudo isto parece lógico, mas outras coisas também o são: emitir moeda para criar reservas aos bancos (mesmo que pagando juros para elas não serem passadas para o mercado com resultados híper-inflacionistas, dada a sua dimensão) é, em si mesmo, inflacionista, o que pode não se notar mais por causa da tendência deflacionista da crise atual (que é também de consumo), conjugada com um cálculo do IPC que exclui alimentação e energia, como Feldstein refere; já quanto ao cenário da possibilidade da (híper)inflação “regressar”, o aumento do juro da Fed acentuaria por si mesmo a tendência inflacionista (aumento do financiamento dos bancos) e isso é suficiente para se perceber que a pressão dominante no futuro próximo é no sentido da inflação.
Richard C. Koo, «Central Banks in Balance Sheet Recessions: A Search for Correct Response» (Nomura Research Institute, 31.03.2013) constata também que o QE não gerou inflação:
«The US monetary base grew from 100 at the time of Lehman Shock [Agosto 2008] to 347 today […], but the money supply grew only from 100 to 135 during the same period. In the UK where monetary base now stands at 433, the money supply is stuck at a pitiful 110. In the Eurozone, the monetary base is at 157 while the money supply is at 107. In Japan, the monetary base is at 150 while the money supply is at 113» (p. 7).
A propósito, diz que no Japão a base monetária cresceu de 100 em 1990 para 363 hoje, o que dá ideia da dimensão da “onda impressora” no Ocidente desde 2008 (é um crescimento próximo do dos EUA só de 2008 até agora). Por outro lado, é sintomático que Koo ache estes aumentos do volume de crédito (comparados com a emissão de moeda) insuficientes num ambiente de insolvências bancárias de facto e de correção de investimentos e consumo insustentáveis. Mas, em vez de referir os estímulos dos bancos centrais para as reservas bancárias não serem transformadas em crédito e inflação, fala de uma “balance sheet recession” do sector privado, como se fossem as empresas a não procurar crédito enquanto não resolvem os seus problemas de balanço (não me parece que seja explicação que colha no Ocidente); sugere que o hão-de procurar assim que resolvam esse problema, mas diz que entretanto se está a gerar uma “recessão em espiral” que só pode ser evitada com “estímulos fiscais” (despesa pública) para “relançar” a economia (que parece ser por ele confundida com a atividade bancária de concessão de crédito). Admite que defende a “receita” do New Deal, cujo “sucesso” de “relançamento” da economia foi com esses estímulos e não com mais oferta monetária (que considera ser a disponibilização e recurso ao crédito, que distingue de expansão da base monetária, i.e., impressão de dinheiro).
Além deste keynesianismo e de interpretações históricas duvidosas que já mereceram a concordância de Krugman (que, no entanto, não segue Koo no cepticismo sobre eficácia do QE), o autor vai dizendo, como Feldstein, que neutralizar o efeito (híper)inflacionista do QE ou da compra de dívida pública pelos bancos centrais quando e se esse dinheiro entrar no mercado de empréstimos, não vai ser fácil.
Mas o que é relevante nos artigos de Feldstein e de Koo (este último com bons gráficos no fim) é que temos um neoclássico e um keynesiano preocupados com uma (quase) inevitável explosão inflacionista causada pela política de QE dos grandes bancos centrais desde 2008.