segunda-feira, junho 24, 2013
sábado, junho 15, 2013
Mendes, Fernando Ribeiro - Segurança Social: O Futuro Hipotecado (FFMS, 2011)
O modelo de Segurança Social (SS) como o temos
conhecido em Portugal (repartição por taxa social única de prestação e
benefícios universais generosos) foi definido/terminado pela Lei de Bases de
1984 e já o Livro Branco da Segurança Social de 1998 alertava para a
necessidade de reformar o seu modelo de financiamento, o que a nova lei n.º
17/2000 (Lei de Bases) ignorou (em 1994, o Banco Mundial aconselhara a
privatização parcial dos sistemas públicos de pensões, com um 1.º pilar
redistributivo e 2 por capitalização, um obrigatório e outro voluntário, p. 79);
o decreto-lei n.º 35/02 de 2006 e a 3.ª Lei de Bases (n.º4/2007) instituíram um
novo modo de cálculo das pensões, pela via dos ajustamentos paramétricos, que
permitiu prorrogar o prazo de sustentabilidade financeira sem mexer no
essencial (calculava-se oficialmente, em 2007, que até 2036).
No entretanto, as despesas com a SS haviam passado de 22,7% do PIB em 2001 para 24,8% em 2007 (das quais as despesas com pensões passaram de 45,8% para 50,1%), contrastando com o peso das despesas de educação, de 5,6% para 5,3% (o que põe em causa a robustez ética do "contrato" entre gerações) [Sobre isto, acresce que, já em 2007, para os jovens inactivos eram mobilizados 9% do PIB, para os idosos inactivos 14% e para os adultos activos 8%, enquanto p.e. na Suécia as parcelas são iguais, à roda de 13%.]. Desde 2007, «a aplicação "cega" do factor de sustentabilidade veio agravar as desigualdades sociais perante a morte. Agora, cada português está mais por sua conta e risco […]. Muitos não conseguirão garantir pensões realmente adequadas às suas necessidades na velhice, dada a exiguidade dos salários e da poupança das famílias» (pp. 124-125); às pensões junta-se a projecção de despesas com doença e dependência prolongadas associadas à evolução demográfica, sendo de considerar que já em 2005 se estimava em mais de dois milhões as pessoas com incapacidade absoluta e sem autonomia para as actividades da vida quotidiana (quadro 10.5, p. 127).
O QUE O AUTOR PROPÕE PARA A REVISÃO DA ESTRUTURA ACTUAL DO BENEFÍCIO (p. 137):
A) Parcela de base: concedendo uma primeira prestação de montante uniforme, na proporção dos anos de desconto até, p.e., 1,5 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS, actualizado anualmente em função da inflação e do crescimento económico, substituiu o salário mínimo como nível mínimo legal - agora, €419) para carreiras completas de 40 anos de contribuições (incluindo créditos ganhos por anos dedicados ao cuidado de filhos ou dependentes), e isenta da aplicação do factor da sustentabilidade;
B) Parcela de benefício definido: uma segunda prestação que seria calculada segundo a fórmula actual, tomando como referência a parte dos rendimentos do trabalho superiores ao limite anterior e até um tecto máximo de 2,5 vezes o IAS, p.e., e sujeita ao factor de sustentabilidade;
C) Parcela de capitalização virtual: os descontos sobre parte dos rendimentos de montante superior ao limite anterior e até um tecto máximo (p.e., 12 vezes o IAS), que seriam acumulados em contas individuais aumentadas pelo rendimento "nocional" obtido pela valorização das contribuições a uma taxa convencional reflectindo o desempenho da economia, e que se converteriam em renda vitalícia à passagem à reforma.
As pensões de sobrevivência devem ser limitadas em valor absoluto e ficar sujeitas a verificação de condição de recursos do beneficiário, devendo aumentar-se as prestações orientadas para riscos de longevidade, sujeitas a estritas condições de elegibilidade dos beneficiários. «O actual subsídio de desemprego deve evoluir no sentido de maior cobertura pessoal nas idades jovens, reduzindo o prazo de garantia para a sua atribuição, de forma a cobrir mais situações de emprego precário, e, ao mesmo tempo, diminuindo o período de concessão e restringindo os motivos para recusa de emprego» (p. 138). Quanto ao debate entre financiamento por repartição ou capitalização, o A. acha-o estéril, pois o importante é abandonar «a configuração tradicional do benefício definido» (p. 139).
Quadro 11.3 - Efeitos dos modos de financiamento sobre as prestações de segurança social, no contexto do actual envelhecimento demográfico (p. 139) [bold opção preferida pelo autor]:
Configuração
do benefício
|
Financiamento
|
|
Por
capitalização
|
Por
repartição
|
|
Benefício
definido (taxa fixa de substituição dos rendimentos do trabalho incluídos no
cálculo da prestação)
|
Actuarialmente equitativo.
Insustentável
em contexto demográfico adverso, pois obrigaria ao agravamento incomportável
das taxas contributivas.
|
Empobrecimento
progressivo em consequência da introdução mais ou menos discricionária dos
ajustamentos paramétricos para reduzir montantes.
|
Contribuição
definida (taxa fixa de contribuição social, sendo os valores da prestação
contingentes do desempenho da economia)
|
Actuarialmente equitativo.
Sustentável,
mas sujeita ao desempenho financeiro das aplicações: enfrenta forte risco
devido às oscilações dos mercados, podendo originar prestações inadequadas.
|
Actuarialmente equitativo.
Sustentável: capitalização virtual ajusta
os benefícios à evolução da economia real, com risco financeiro mitigado e
mantendo níveis razoáveis de adequação das prestações, até em conjuntura
difícil.
|
Anexo 2 - Factores de crescimento da despesa com pensões (pp. 145-147): P é o n.º de pensionistas, N a população total, C o consumo de N e CP o consumo de P. Assim, Despesa relativa com pensões (DP) = CP/PIB. Sendo CP = (CP/P) P e PIB = (N/C) (1/N) (C/PIB), temos DP = C/PIB x P/N x (CP/P:C/N). «As variações do rácio DP ficam assim decompostas em três factores determinantes: o rácio do consumo total da população no produto, a taxa de dependência dos pensionistas e o nível de vida relativo dos pensionistas, respectivamente» (p. 146).
A velha família na Nova Aliança
[Grão
de Trigo, Maio 2011, p. 2]
Desde o Antigo Testamento que os crentes são confrontados com a necessidade de colocar Deus acima de qualquer laço de "sangue" ou de parentesco (o episódio de Abraão e Isaac ou, por exemplo, em Deut. 13 e I Samuel 2). Assim, o discipulado radical que Jesus parece pedir no Novo Testamento não é uma inovação, mas está na tradição bíblica (como seria de esperar): muita coisa na vida é importante, mas nunca ao ponto de se sobrepor a Deus.
Isto não é o mesmo que dizer que os laços biológicos e familiares sejam incompatíveis com a fé, como uma leitura superficial de Lucas 14:26 poderia dar a entender. Pelo contrário, Jesus parecia não separar os apóstolos das suas famílias, frequentava as suas casas e curou a sogra de Pedro (Mateus 8:14-15); há até indícios de que alguns apóstolos se faziam acompanhar das suas mulheres (I Cor. 9:5). Aliás, Jesus nem sempre aceitou que o seguissem deixando família e responsabilidades para trás, como Marcos 5:19 mostra, em contraponto ao episódio mais conhecido de Mateus 19:21 (Marcos 10:21). Evangelizar não era só "partir", era também "ficar".
Julgo que a chave para esta só aparente contraposição entre família e Evangelho está em Mateus 16:24-25: Jesus esclarece que negar-se a si próprio é o primeiro exercício exigido a quem o segue. Só nessa medida é que deixar os laços ou os bens familiares pode ser necessário. Não por o obstáculo ser a família, mas por a nossa atitude não ser incondicionalmente aberta a Deus. Colocarmos Deus acima de tudo não implica aniquilarmos ou esquecermos todo o resto; implica apenas submeter-Lhe todo esse resto. Amamos pais, irmãos e filhos, mas amamos mais a Deus. Mais: é amando Deus acima de tudo que amamos correctamente os que nos são próximos.
Jesus, como sempre, mostra o caminho: em Mateus 12:46-50, clarifica que a sua verdadeira família não é a sua mãe e os seus irmãos, mas a Igreja. A nós, crentes, que somos a Igreja, cumpre-nos corresponder a essa escolha de Jesus, aceitando sem reservas esse parentesco espiritual.
DESAFIO… Quando agonizava na cruz, cumprindo a sua opção total pela Igreja, Jesus não se esqueceu de cuidar de sua mãe, entregando-a ao cuidado de um discípulo (João 19:26-27). Pensemos este mês se temos sabido harmonizar e sujeitar este cuidar dos outros ao amor a Deus.
Desde o Antigo Testamento que os crentes são confrontados com a necessidade de colocar Deus acima de qualquer laço de "sangue" ou de parentesco (o episódio de Abraão e Isaac ou, por exemplo, em Deut. 13 e I Samuel 2). Assim, o discipulado radical que Jesus parece pedir no Novo Testamento não é uma inovação, mas está na tradição bíblica (como seria de esperar): muita coisa na vida é importante, mas nunca ao ponto de se sobrepor a Deus.
Isto não é o mesmo que dizer que os laços biológicos e familiares sejam incompatíveis com a fé, como uma leitura superficial de Lucas 14:26 poderia dar a entender. Pelo contrário, Jesus parecia não separar os apóstolos das suas famílias, frequentava as suas casas e curou a sogra de Pedro (Mateus 8:14-15); há até indícios de que alguns apóstolos se faziam acompanhar das suas mulheres (I Cor. 9:5). Aliás, Jesus nem sempre aceitou que o seguissem deixando família e responsabilidades para trás, como Marcos 5:19 mostra, em contraponto ao episódio mais conhecido de Mateus 19:21 (Marcos 10:21). Evangelizar não era só "partir", era também "ficar".
Julgo que a chave para esta só aparente contraposição entre família e Evangelho está em Mateus 16:24-25: Jesus esclarece que negar-se a si próprio é o primeiro exercício exigido a quem o segue. Só nessa medida é que deixar os laços ou os bens familiares pode ser necessário. Não por o obstáculo ser a família, mas por a nossa atitude não ser incondicionalmente aberta a Deus. Colocarmos Deus acima de tudo não implica aniquilarmos ou esquecermos todo o resto; implica apenas submeter-Lhe todo esse resto. Amamos pais, irmãos e filhos, mas amamos mais a Deus. Mais: é amando Deus acima de tudo que amamos correctamente os que nos são próximos.
Jesus, como sempre, mostra o caminho: em Mateus 12:46-50, clarifica que a sua verdadeira família não é a sua mãe e os seus irmãos, mas a Igreja. A nós, crentes, que somos a Igreja, cumpre-nos corresponder a essa escolha de Jesus, aceitando sem reservas esse parentesco espiritual.
DESAFIO… Quando agonizava na cruz, cumprindo a sua opção total pela Igreja, Jesus não se esqueceu de cuidar de sua mãe, entregando-a ao cuidado de um discípulo (João 19:26-27). Pensemos este mês se temos sabido harmonizar e sujeitar este cuidar dos outros ao amor a Deus.
Um relatório sobre a perseguição do Evangelho no Mundo
[Grão
de Trigo, Fev. 2011, p. 3]
Todos os anos o International Christian Concern (ICC), com sede em Washington D. C. (Estados Unidos), publica um relatório sobre a perseguição aos cristãos no Mundo. Esse relatório chama-se Hall of Shame (que poderíamos traduzir por Galeria da Vergonha) e lista os onze países onde ao longo do ano ocorreram mais perseguições àqueles que proclamam e anunciam o Evangelho de Jesus Cristo. Infelizmente, fora desse conjunto de países tristemente "campeões" ficam outros onde também os cristãos são coagidos a esconder ou abandonar a verdade libertadora do Evangelho.
No relatório para 2011, relativo à situação do ano passado, o presidente do ICC, Jeff King, apresenta a lista negra dos onze Estados ou sociedades perseguidores que mais perseguiram cristãos em 2010 (a ordem é aleatória): Iraque, Irão, Egipto, Nigéria, Eritreia, Somália, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, China e Vietname.
No Iraque, as perseguições deveram-se sobretudo a acções do grupo terrorista Al-Qaeda, que também vitima muçulmanos, e não ao governo. Houve vários assassinatos contra cristãos e criou-se um ambiente de medo e ameaça permanente, pois a Al-Qaeda declarou os cristãos "alvos legítimos" de violência. No Irão, pelo contrário, é o governo o agente da perseguição aos nossos irmãos na fé. Mais de 40 pessoas foram oficialmente detidas por se declararem cristãos e mais de 400, segundo o ICC, terão sido privadas da liberdade sem confirmação oficial. Muitas Bíblias com origem no Azerbaijão foram apreendidas e queimadas por, alegadamente, atentarem contra o Islão e "enganarem" os jovens muçulmanos. Apesar de, geralmente, voltarem a ser postos em liberdade, os cristãos iranianos ficam depois sujeitos a vigilância permanente, ameaçados de serem acusados de apostasia pelas autoridades, o que lhes pode valer a pena de morte de acordo com a lei daquele país islâmico.
No Egipto, os cristãos são alvo de uma histeria colectiva fomentada por sectores radicais do Islão por meio da imprensa e da pressão exercida sobre o governo. Vários cristãos coptas foram vítimas mortais de violência nas ruas contra as suas comunidades e igrejas, que vivem num cerco crescente à sua liberdade de consciência e de culto. Na Nigéria, país de maioria cristã, a violência de radicais islâmicos vitimou mais de 500 pessoas só no dia 7 de Março de 2010 - na verdade, mais de 13 750 cristãos foram mortos na Nigéria desde 2001. Uma imagem de horror semelhante chega-nos da Eritreia, outro país africano, onde podem ter sido mortos várias centenas de cristãos no ano passado, enquanto mais de 3000 crentes no Evangelho são dados como presos em contentores, instalações militares e calabouços subterrâneos. Na Somália, embora com menos vítimas, a violência anti-cristã também campeou no ano passado.
Na Ásia, apesar de ser um país moderadamente tolerante e seguro, a Índia foi novamente palco da violência anti-cristã de radicais hindus e rebeldes maoistas, o que faz temer a repetição do massacre de uma centena de cristãos em Orissa em 2008. No vizinho Paquistão, a lei islâmica tem dado cobertura (e impunidade) às autoridades e aos sectores intolerantes da sociedade para incomodarem a minoria cristã, ocorrendo em 2010 cinco assassinatos e várias violações de irmãs nossas. Na Coreia do Norte, no Vietname e na China, os cristãos são vistos como uma ameaça à ideologia oficial comunista. Na Coreia do Norte estima-se que perto de 100 000 cristãos possam estar detidos em campos de trabalho forçado. Na China, cerca de 100 milhões de cristãos têm de viver a sua fé em semi-clandestinidade. O mesmo acontece a cerca de 750 000 evangélicos no Vietname, cujas igrejas não são reconhecidas pelo governo.
Fora desta lista macabra estão países que em anos anteriores figuraram no relatório do ICC - Mauritânia, Afeganistão, Uzebequistão, Maldivas e, sobretudo, a Arábia Saudita. Em todos eles os problemas permanecem e só por acaso não ocorreu tanta violência como noutros anos. Como diz Jeff King, a perseguição dos cristãos, apesar de ser comum no nosso mundo, interessa pouco aos meios de comunicação. É por isso que os cristãos devem tentar manter-se informados do que acontece aos seus irmãos que, por esse mundo fora, seguem e pregam a Palavra - ou seja, evangelizam. Como diz o apóstolo Paulo em 1Coríntios 12:26, «Se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele». Sermos Igreja também é padecer com os nossos irmãos que padecem.
Para isso temos de estar informados e conscientes das consequências que evangelizar tem para tantos irmãos nossos na fé. Para saber mais sobre o International Christian Concern (ICC), ver: http://www.persecution.org/
Todos os anos o International Christian Concern (ICC), com sede em Washington D. C. (Estados Unidos), publica um relatório sobre a perseguição aos cristãos no Mundo. Esse relatório chama-se Hall of Shame (que poderíamos traduzir por Galeria da Vergonha) e lista os onze países onde ao longo do ano ocorreram mais perseguições àqueles que proclamam e anunciam o Evangelho de Jesus Cristo. Infelizmente, fora desse conjunto de países tristemente "campeões" ficam outros onde também os cristãos são coagidos a esconder ou abandonar a verdade libertadora do Evangelho.
No relatório para 2011, relativo à situação do ano passado, o presidente do ICC, Jeff King, apresenta a lista negra dos onze Estados ou sociedades perseguidores que mais perseguiram cristãos em 2010 (a ordem é aleatória): Iraque, Irão, Egipto, Nigéria, Eritreia, Somália, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, China e Vietname.
No Iraque, as perseguições deveram-se sobretudo a acções do grupo terrorista Al-Qaeda, que também vitima muçulmanos, e não ao governo. Houve vários assassinatos contra cristãos e criou-se um ambiente de medo e ameaça permanente, pois a Al-Qaeda declarou os cristãos "alvos legítimos" de violência. No Irão, pelo contrário, é o governo o agente da perseguição aos nossos irmãos na fé. Mais de 40 pessoas foram oficialmente detidas por se declararem cristãos e mais de 400, segundo o ICC, terão sido privadas da liberdade sem confirmação oficial. Muitas Bíblias com origem no Azerbaijão foram apreendidas e queimadas por, alegadamente, atentarem contra o Islão e "enganarem" os jovens muçulmanos. Apesar de, geralmente, voltarem a ser postos em liberdade, os cristãos iranianos ficam depois sujeitos a vigilância permanente, ameaçados de serem acusados de apostasia pelas autoridades, o que lhes pode valer a pena de morte de acordo com a lei daquele país islâmico.
No Egipto, os cristãos são alvo de uma histeria colectiva fomentada por sectores radicais do Islão por meio da imprensa e da pressão exercida sobre o governo. Vários cristãos coptas foram vítimas mortais de violência nas ruas contra as suas comunidades e igrejas, que vivem num cerco crescente à sua liberdade de consciência e de culto. Na Nigéria, país de maioria cristã, a violência de radicais islâmicos vitimou mais de 500 pessoas só no dia 7 de Março de 2010 - na verdade, mais de 13 750 cristãos foram mortos na Nigéria desde 2001. Uma imagem de horror semelhante chega-nos da Eritreia, outro país africano, onde podem ter sido mortos várias centenas de cristãos no ano passado, enquanto mais de 3000 crentes no Evangelho são dados como presos em contentores, instalações militares e calabouços subterrâneos. Na Somália, embora com menos vítimas, a violência anti-cristã também campeou no ano passado.
Na Ásia, apesar de ser um país moderadamente tolerante e seguro, a Índia foi novamente palco da violência anti-cristã de radicais hindus e rebeldes maoistas, o que faz temer a repetição do massacre de uma centena de cristãos em Orissa em 2008. No vizinho Paquistão, a lei islâmica tem dado cobertura (e impunidade) às autoridades e aos sectores intolerantes da sociedade para incomodarem a minoria cristã, ocorrendo em 2010 cinco assassinatos e várias violações de irmãs nossas. Na Coreia do Norte, no Vietname e na China, os cristãos são vistos como uma ameaça à ideologia oficial comunista. Na Coreia do Norte estima-se que perto de 100 000 cristãos possam estar detidos em campos de trabalho forçado. Na China, cerca de 100 milhões de cristãos têm de viver a sua fé em semi-clandestinidade. O mesmo acontece a cerca de 750 000 evangélicos no Vietname, cujas igrejas não são reconhecidas pelo governo.
Fora desta lista macabra estão países que em anos anteriores figuraram no relatório do ICC - Mauritânia, Afeganistão, Uzebequistão, Maldivas e, sobretudo, a Arábia Saudita. Em todos eles os problemas permanecem e só por acaso não ocorreu tanta violência como noutros anos. Como diz Jeff King, a perseguição dos cristãos, apesar de ser comum no nosso mundo, interessa pouco aos meios de comunicação. É por isso que os cristãos devem tentar manter-se informados do que acontece aos seus irmãos que, por esse mundo fora, seguem e pregam a Palavra - ou seja, evangelizam. Como diz o apóstolo Paulo em 1Coríntios 12:26, «Se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele». Sermos Igreja também é padecer com os nossos irmãos que padecem.
Para isso temos de estar informados e conscientes das consequências que evangelizar tem para tantos irmãos nossos na fé. Para saber mais sobre o International Christian Concern (ICC), ver: http://www.persecution.org/
Protestantismo e cem anos de República
[Grão de Trigo, Nov. 2010, p. 2]
A propósito da conferência de dia 29 de Outubro na Lisbonense sobre o Protestantismo e o centenário da República, talvez seja mais importante «aprender com a história» algumas lições úteis para o presente do que reter datas, nomes e acontecimentos.
Em termos históricos, vimos que as igrejas protestantes se implantaram em Portugal a partir de meados do século XIX e que há cem anos, até 1910, já quase todas as principais denominações existiam no nosso país, com membros portugueses, jornais, associações e escolas. No caso das igrejas chamadas "históricas" (por serem as mais antigas), até se pôde verificar que o número de congregações locais não é hoje muito maior do que então. Esse progresso foi conseguido numa época em que a tolerância religiosa era limitada e não estava assegurada se os protestantes não fossem preseverantes e ciosos dos seus interesses.
Perante a República, proclamada há um século, alguns protestantes depositaram grandes esperanças em que as transformações políticas então ocorridas pudessem contribuir para favorecer a acção das suas igrejas e o seu crescimento. Porém, a lei de separação do Estado das Igrejas de Abril de 1911 foi uma grande desilusão, pois em vez da liberdade religiosa esperada o que trouxe foi a desconfiança perante o religioso (de todas as confissões) e a intromissão do poder político na vida das comunidades.
Os protestantes portugueses pioneiros do século XIX não esperaram que a liberdade lhes fosse dada «de bandeja». Conquistaram-na com a sua acção e determinação. Quando, depois, esperaram que outros os beneficiassem, o que colheram foi a desilusão.
A propósito da conferência de dia 29 de Outubro na Lisbonense sobre o Protestantismo e o centenário da República, talvez seja mais importante «aprender com a história» algumas lições úteis para o presente do que reter datas, nomes e acontecimentos.
Em termos históricos, vimos que as igrejas protestantes se implantaram em Portugal a partir de meados do século XIX e que há cem anos, até 1910, já quase todas as principais denominações existiam no nosso país, com membros portugueses, jornais, associações e escolas. No caso das igrejas chamadas "históricas" (por serem as mais antigas), até se pôde verificar que o número de congregações locais não é hoje muito maior do que então. Esse progresso foi conseguido numa época em que a tolerância religiosa era limitada e não estava assegurada se os protestantes não fossem preseverantes e ciosos dos seus interesses.
Perante a República, proclamada há um século, alguns protestantes depositaram grandes esperanças em que as transformações políticas então ocorridas pudessem contribuir para favorecer a acção das suas igrejas e o seu crescimento. Porém, a lei de separação do Estado das Igrejas de Abril de 1911 foi uma grande desilusão, pois em vez da liberdade religiosa esperada o que trouxe foi a desconfiança perante o religioso (de todas as confissões) e a intromissão do poder político na vida das comunidades.
Os protestantes portugueses pioneiros do século XIX não esperaram que a liberdade lhes fosse dada «de bandeja». Conquistaram-na com a sua acção e determinação. Quando, depois, esperaram que outros os beneficiassem, o que colheram foi a desilusão.
DESAFIO… Teremos nós,
protestantes portugueses do início do século XXI, a mesma determinação que os
nossos antepassados, que iniciaram as primeiras igrejas no século XIX? E não
estaremos muitas vezes demasiado confiantes das decisões dos outros –
nomeadamente dos responsáveis políticos do País – em vez de examinarmos o que
podemos e devemos fazer por nós próprios? Esta poderia ser uma reflexão útil:
pensarmos no que queremos, no que podemos fazer e que recursos temos para os
levar a cabo. O resto virá por acrescento.
quinta-feira, junho 13, 2013
Orwell, George - Essays (Penguin, 2000)
Em «The Lion and the Unicorn» (1940, pp. 138-188), Eric Arthur
Blair (1903-1950) mostra bem que era para pessoas como ele que Hayek iria
escrever, quatro anos depois, The Road To
Serfdom; Orwell consegue ver que o socialismo leva a que todos se tornem
“empregados do Estado” (justificável porque «Socialism […], unlike capitalism,
[…] can solve the problems of production and consumption», p. 160) e que isso é
exactamente o que aconteceu na Alemanha nazi (p. 161), mas ilude-se dizendo que
a grande diferença reside nos objectivos diametralmente opostos das duas
ideologias – ou seja, uma fronteira constituída por boas intenções que o
internacionalismo socialista genuíno preservaria e que o nazismo nunca
comungou, parecendo passar-lhe completamente ao lado que a centralização e
planificação têm consequências liberticidas muito semelhantes independentemente
dos objectivos ideológicos que digam perseguir, como ele bem sabia, tendo em
conta o que é capaz de denunciar relativamente à experiência soviética (neste
sentido, é claro o ensaio de 1944 sobre Arthur Koestler, pp. 268-278).
Aquilo
que Orwell identifica como elementos, ou humanos ou especificamente ingleses,
que defendem da barbárie uma decência humana em perigo estão mais dependentes
das práticas e valores “burgueses” do que ele parece disposto a aceitar
plenamente e se não estão na linha da teoria dos sentimentos morais de Smith e
de Burke não sei onde os pode ele filiar; em «My Country Right Or Left» (pp.
133ss), referindo-se ao poema de John Cornford Before The Storming of Huesca e contrastando-o com a atitude de
muitos esquerdistas incapazes de se emocionarem perante a union jack («so “enlightened” that they cannot understand the most
ordinary emotions»), diz que «the young Communist who died heroically in the
International Brigade was public school to the core» (p. 137) – ora, a «reform
of the educational system along democratic lines» que ele defende no seu
programa de seis pontos (p. 176) não matou aquele tipo de idealista decente que
era um produto específico de uma educação construída dentro do “sistema de
classe” em cuja liquidação ele estava tão pronto a colaborar? É difícil
acreditar que Orwell não visse isto; simplesmente não estaria disposto a
questionar tão profundamente a sua crença num socialismo que, já não capaz de
apresentar como ideal, insistia em
considerar preferível – perante a
visão de Koestler da revolução como um pecado original, Orwell não rebate,
apenas lhe censura a descrença em qualquer empresa política de salvação da
humanidade desapossada daquilo a que materialmente tem direito, nem que fosse
por meio de uma conquista e preservação pacífica do poder (um poder centralizado
e planificador que ele parece não querer ver até ao fim que não pode ser
manipulado por gente “decente” em nome de fins “decentes” sem acabar a fazer
atrocidades e a rebaixar os próprios padrões de decência na sociedade).
Em
«Looking Back On The Spanish War» (pp. 216-233) é surpreendente a ausência de
esforço de compreensão do outro lado, como se o tipo humano que vislumbrou no soldado
italiano da Brigada Internacional que tanto o marcou não existisse do outro
lado, com medos e expectativas tão genuínas. Muito interessante é o ensaio «Notes
On Nationalism» (pp. 300-317), que distingue de patriotismo («devotion to a
particular place and a particular way of life [with] no wish to force [itsef] upon
other people») e que usa realmente como sinónimo de “sistema de crença”,
obsevando-o em várias manifestações intelectuais do seu tempo e sobretudo
naqueles que trocaram de pátria por exercício intelectual (deliciosas as
considerações sobre G. K. Chesterton e a sua abdicação da inteligência para se
fazer um propagandista da Igreja Católica e da latinidade). Lúcido o texto sobre
Gandhi (pp. 459-466), concluindo que, apesar de «a sort of aesthetic distaste
for Gandhi, […] compared with the other leading political figures of our time,
how clean a smell he has managed to leave behind!».
Certeiros os textos
sobre Charles Dickens (pp. 35-78), de 1939 («He attacks the law, parliamentary
government, the educational system and so forth, without ever clearly
suggesting what he would put in their places», o que levou Macaulay a recusar
recensear Hard Times por causa do
“socialismo mal-humorado” a que fedia a obra, não porque, digo eu, aí afirme
ideias radicais explícitas, mas porque contrapunha com arte a pretensa natureza
imoral das instituições e dos seus tipos humanos mais representativos à
superioridade moral dos “humildes” apresentados como vítimas, e isto de uma
forma não ideológica mas simpática para a generosidade instintiva da
generalidade dos leitores), e H. G. Wells (pp. 188-193), de 1941, (sempre
obcecado com a promoção de um governo mundial e das virtudes da tecnologia, sem
se preocupar minimamente com a neutralidade moral desses objectivos, patente no
facto de «Much of what Wells has imagined and worked for is physically there in
Nazi Germany»).
[Março 2012]
quarta-feira, junho 12, 2013
O PROTESTANTE LISBONENSE
TEXTOS PUBLICADOS NO BOLETIM DA IGREJA EVANGÉLICA LISBONENSE E OUTROS DOCUMENTOS
[1876] Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo
[1915] Estatuto da Associação Mantenedora do Culto da Igreja Evangélica Lisbonense e Suas Missões
[Nov. 2010] Protestantismo e cem anos de República
[Fev. 2011] Um relatório sobre a perseguição ao Evangelho no Mundo
[Maio 2011] A velha família na Nova Aliança
[Jun. 2011] O dízimo na Bíblia
[Out. 2011] Do caminho de Lutero à estrada da Reforma
[Nov. 2011] A morte de Salomão e a atitude de Israel
[Dez. 2011] O porquê do nascimento divino de Jesus
[Dez. 2011] O que se sabe do Natal, nascimento de Jesus
[Abr. 2012] O sermão profético, leitura da Páscoa
[Maio 2012] A evangelização, dinâmica da nossa fé
[Jun. 2012] História da Igreja Evangélica Lisbonense (I): 1879-1908
[Out. 2012] Um sinónimo de Reforma? Fidelidade!
[Nov. 2012] Ernesto Ferreira (1913-2012), um autor de referência
[Jan. 2013] O cristianismo em retirada?
[Fev. 2013] Um apelo à fidelidade e ao testemunho DOCUMENTO
[Abril 2013] A confissão de Jesus como o Cristo (Mateus 16:13-19) ÁUDIO
[Maio 2013] Lutero, o sacramento e a fé
[Jun. 2013] História da Igreja Evangélica Lisbonense (II): 1909-1949
[Dez. 2013] O Natal, promessa da Páscoa
[Jan. 2014] O dízimo, de Abraão a Jesus ÁUDIO
[Jul. 2014] A disciplina na igreja: instrumento da paz de Cristo ÁUDIO
[Nov. 2015] A soberania de Deus e o sofrimento do justo
[Nov. 2017] Os ministérios bíblicos e o governo espiritual da igreja DOCUMENTO
[Nov. 2017] Uma igreja fiel, em movimento DOCUMENTO
[Jan. 2018] Igreja, sinodalidade e "catolicidade" DOCUMENTO
A evangelização, dinâmica da nossa fé
[Grão de Trigo, Maio 2012, pp. 3 e 4]
Evangelizar, do Antigo ao Novo Testamento
O livro de Isaías é um dos textos do Antigo Testamento a que mais se recorre no Novo Testamento como demonstração da continuidade e da interdependência entre a Velha e a Nova Alianças. As palavras «evangelho» e «evangelização», tão importantes para nós cristãos, aparecem na Bíblia como uma das cordas que amarram bem as duas Alianças e as duas partes das Escrituras. É sabido que há no Novo Testamento referências explícitas ao Antigo, acompanhadas da constatação de que algo prometido se cumpriu. Este tipo de ligações é feito por vários autores de livros e epístolas do Novo Testamento, mas também pelo próprio Jesus, como veremos a seguir com um caso concreto. Aliás, um biblista congregacionalista do século XX, Charles Harold Dodd, defendeu a existência de uma trama de ligações textuais deste género (testimonia) que presumivelmente seria da autoria de um rabi muito especial que o ensinara aos apóstolos e passara aos evangelistas – o próprio Jesus. Ora, é precisamente num testimonium deste género que o verbo «evangelizar» é pronunciado por Jesus para desvendar o propósito da sua missão, elucidando-nos também sobre o próprio significado da palavra «evangelização».
Evangelizar é anunciar a boa-nova
Trata-se da cena relatada em Lucas 4:16-21, na qual Jesus lê na sinagoga de Nazaré um trecho do livro de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor». Em Isaías 61:1-2 lê-se de facto: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram». Na citação de Isaías em Lucas é utilizado o termo εὐαγγελίσασθαι (euangelisasthai), composto por εὐ («bom») e αγγέλω («anunciar», palavra da qual deriva o termo «anjo», isto é, «mensageiro»). Aliás, em Lucas 2:10-11, já um anjo utilizara o mesmo termo para anunciar o nascimento de Jesus; com o mesmo termo fora também anunciado a Zacarias o nascimento de João Baptista (Lucas 1:19). Evangelizar é, pois, anunciar a boa-nova do nascimento de (e da redenção em) Jesus Cristo – e este nascimento e redenção, por sua vez, são sinónimo das promessas de Isaías que Jesus disse cumprir.
O que é a boa-nova
Jesus não pode ter escolhido ao acaso o trecho do livro de Isaías que leu na sinagoga de Nazaré. Aquelas palavras são demasiado adequadas à sua pregação para serem uma escolha entre outras possíveis. Jesus não poderia dizer de qualquer trecho ou de qualquer profeta o que disse depois de acabar de ler: «Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir». A Escritura cumprira-se porque era o próprio anúncio público de Jesus que consumava as promessas veiculadas por Isaías. Era o facto de ele estar ali a atualizar o que Isaías escrevera que tornava real o que o profeta anunciara. A boa-nova é que as notícias de salvação que Isaías antecipara, para cuja chegada Isaías apontara, estavam agora concretizadas, realizadas, alcançadas porque estava ali, anunciando-se a si mesmo, aquele que por excelência tem sobre si o Espírito do Senhor, e que é o Ungido do Senhor. A boa-nova é, assim, a chegada do Ungido que concretiza as promessas de Isaías: «A libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor».
«Libertação aos cativos» e «pôr em liberdade os oprimidos»
Em Romanos 6, Paulo interpreta claramente a libertação por meio de Jesus Cristo como uma vitória sobre o pecado. Isto é, o pecado nos aprisiona e nos faz cativos. Sob o pecado, somos escravos de paixões e não sujeitos morais que orientam conscientemente e em liberdade as suas vidas. E Cristo liberta porque nos livra desse jugo do pecado. A libertação dos cativos que Isaías antecipou e Cristo concretizou é o advento de uma liberdade concedida pela graça de Deus, mas de que só os justos na sua conduta e no seu sentir consciente serão merecedores. Paulo di-lo: «Uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça» (Romanos 6:18). O justo é o «servo da justiça» que no seu ser acolhe a graça e se deixa por ela conduzir, abrindo mão das paixões aprisionantes e do pecado. A liberdade cristã é, pois, um compromisso com a justiça, uma firmeza nos caminhos da graça que, tal como Paulo reafirma em Gálatas 5:1, nos obriga a perseverar para não voltarmos a cair no «jugo da servidão». Da falsa liberdade do mundo, segundo a qual é livre quem dá rédea livre às suas paixões, somos resgatados por Cristo para a verdadeira liberdade que nos torna conscientes da opressão das paixões.
«Restauração da vista aos cegos»
Deus é, na verdade, a luz da nossa consciência e do nosso discernimento. Como simples seres naturais sem a graça de Deus, ainda nas palavras de Paulo, «vemos como em espelho, obscuramente» e, por isso, só «conhecemos em parte» (1 Coríntios 13:12). A cegueira tem aqui um valor metafórico, simbólico, de ausência de consciência e discernimento. «Ver» é ter consciência e discernir, enxergar a justiça. É assim que Jesus várias vezes fala de cegueira, repreendendo aqueles que, sem consciência nem discernimento, se assumem condutores de outros, podendo apenas encaminhá-los para a perdição e perdendo-se a si duplamente por essa (ir)responsabilidade e falta adicional (Mateus 15:14, 23:16; Lucas 6:39). «Ai de vós», avisou Jesus. Ai de nós! Por esta luz que nos faz ver e só vem da graça de Deus se torna ainda mais imperiosa a conversão a que somos chamados pelo anúncio da boa-nova. Porque só assim não nos perdemos nem precipitamos os outros na perdição. Por isto disse Jesus que os convertidos seriam a luz do mundo (Mateus 5:14) – porque, se assim nos podemos exprimir, refletem para os outros a luz que recebem pela graça.
«Apregoar o ano aceitável do Senhor»
A versão Figueiredo usa a expressão «ano favorável». É um símbolo do perdão de Deus, uma transferência da ideia veterotestamentária do ano sabático e do jubileu, períodos de, respetivamente, sete e cinquenta anos, após os quais os credores perdoavam as dívidas aos devedores (Êxodo 23:10-11; Levítico 25:1-28; Deuteronómio 15:1-6). Levítico 25:10 diz mesmo: «Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam». Jesus busca aqui um símbolo de liberdade como sinónimo de um perdão que é concedido por Alguém de Quem somos devedores. Lembremo-nos da tradução, aliás muito adequada (versão clássica Almeida), da Oração do Senhor que nos cultos da nossa igreja se guarda ainda: «Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores»; aí estamos pedindo também pelo «ano aceitável do Senhor». Se o perdão vier, somos livres e o perdão foi prometido pelos profetas e concretizado pela mediação do nosso sumo-sacerdote, Jesus Cristo. O anúncio do «ano aceitável do Senhor» diz, pois, respeito à nossa dívida para com Deus, na relação pessoal que com Ele temos, e não às prisões mundanas de que nos fazemos cativos por nossas próprias «mãos» (decisões ou abstenções).
Porquê e como anunciar a boa-nova
Como discípulos do nosso tempo, em que atualizamos a fé daqueles que foram os primeiros convertidos, somos testemunhas da morte e da ressurreição de Jesus (Lucas 24:48). Somos também enviados de Jesus ao mundo, seus embaixadores (João 20:21) e, assim, depositários da Grande Comissão (Mateus 28:19 e Marcos 16:15). A fé não se guarda nem se esconde – só se realiza plenamente no testemunho, na exortação e edificação do próximo (Mateus 5:16). Enquanto anunciantes ou mensageiros da boa-nova, somos como anjos do Senhor. Refletir a luz da graça implica verbalizar o que recebemos e transmiti-lo a outros. «Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós» (Mateus 7:12). O anúncio da boa-nova, a evangelização, tem lugar nas nossas vidas privadas, onde quer que estejamos – na família, no trabalho, entre amigos e conhecidos e com quem quer que nos cruzemos no dia-a-dia – mas sempre da forma apropriada, para que se não torne contraproducente. Por outro lado, a igreja tem sido vista como o primeiro veículo da evangelização entendida como missão. Mas podemos dizer que ela própria é evangelização. Como crentes, formamos igrejas para nos exortarmos mutuamente e para alumiarmos nos lugares e nas cidades onde vivemos a luz do evangelho – para o anunciarmos aos outros e para sermos agentes dele. Formar igrejas e pertencer a uma igreja é a primeira forma de respondermos positivamente à Grande Comissão.
Evangelizar, do Antigo ao Novo Testamento
O livro de Isaías é um dos textos do Antigo Testamento a que mais se recorre no Novo Testamento como demonstração da continuidade e da interdependência entre a Velha e a Nova Alianças. As palavras «evangelho» e «evangelização», tão importantes para nós cristãos, aparecem na Bíblia como uma das cordas que amarram bem as duas Alianças e as duas partes das Escrituras. É sabido que há no Novo Testamento referências explícitas ao Antigo, acompanhadas da constatação de que algo prometido se cumpriu. Este tipo de ligações é feito por vários autores de livros e epístolas do Novo Testamento, mas também pelo próprio Jesus, como veremos a seguir com um caso concreto. Aliás, um biblista congregacionalista do século XX, Charles Harold Dodd, defendeu a existência de uma trama de ligações textuais deste género (testimonia) que presumivelmente seria da autoria de um rabi muito especial que o ensinara aos apóstolos e passara aos evangelistas – o próprio Jesus. Ora, é precisamente num testimonium deste género que o verbo «evangelizar» é pronunciado por Jesus para desvendar o propósito da sua missão, elucidando-nos também sobre o próprio significado da palavra «evangelização».
Evangelizar é anunciar a boa-nova
Trata-se da cena relatada em Lucas 4:16-21, na qual Jesus lê na sinagoga de Nazaré um trecho do livro de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor». Em Isaías 61:1-2 lê-se de facto: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram». Na citação de Isaías em Lucas é utilizado o termo εὐαγγελίσασθαι (euangelisasthai), composto por εὐ («bom») e αγγέλω («anunciar», palavra da qual deriva o termo «anjo», isto é, «mensageiro»). Aliás, em Lucas 2:10-11, já um anjo utilizara o mesmo termo para anunciar o nascimento de Jesus; com o mesmo termo fora também anunciado a Zacarias o nascimento de João Baptista (Lucas 1:19). Evangelizar é, pois, anunciar a boa-nova do nascimento de (e da redenção em) Jesus Cristo – e este nascimento e redenção, por sua vez, são sinónimo das promessas de Isaías que Jesus disse cumprir.
O que é a boa-nova
Jesus não pode ter escolhido ao acaso o trecho do livro de Isaías que leu na sinagoga de Nazaré. Aquelas palavras são demasiado adequadas à sua pregação para serem uma escolha entre outras possíveis. Jesus não poderia dizer de qualquer trecho ou de qualquer profeta o que disse depois de acabar de ler: «Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir». A Escritura cumprira-se porque era o próprio anúncio público de Jesus que consumava as promessas veiculadas por Isaías. Era o facto de ele estar ali a atualizar o que Isaías escrevera que tornava real o que o profeta anunciara. A boa-nova é que as notícias de salvação que Isaías antecipara, para cuja chegada Isaías apontara, estavam agora concretizadas, realizadas, alcançadas porque estava ali, anunciando-se a si mesmo, aquele que por excelência tem sobre si o Espírito do Senhor, e que é o Ungido do Senhor. A boa-nova é, assim, a chegada do Ungido que concretiza as promessas de Isaías: «A libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor».
«Libertação aos cativos» e «pôr em liberdade os oprimidos»
Em Romanos 6, Paulo interpreta claramente a libertação por meio de Jesus Cristo como uma vitória sobre o pecado. Isto é, o pecado nos aprisiona e nos faz cativos. Sob o pecado, somos escravos de paixões e não sujeitos morais que orientam conscientemente e em liberdade as suas vidas. E Cristo liberta porque nos livra desse jugo do pecado. A libertação dos cativos que Isaías antecipou e Cristo concretizou é o advento de uma liberdade concedida pela graça de Deus, mas de que só os justos na sua conduta e no seu sentir consciente serão merecedores. Paulo di-lo: «Uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça» (Romanos 6:18). O justo é o «servo da justiça» que no seu ser acolhe a graça e se deixa por ela conduzir, abrindo mão das paixões aprisionantes e do pecado. A liberdade cristã é, pois, um compromisso com a justiça, uma firmeza nos caminhos da graça que, tal como Paulo reafirma em Gálatas 5:1, nos obriga a perseverar para não voltarmos a cair no «jugo da servidão». Da falsa liberdade do mundo, segundo a qual é livre quem dá rédea livre às suas paixões, somos resgatados por Cristo para a verdadeira liberdade que nos torna conscientes da opressão das paixões.
«Restauração da vista aos cegos»
Deus é, na verdade, a luz da nossa consciência e do nosso discernimento. Como simples seres naturais sem a graça de Deus, ainda nas palavras de Paulo, «vemos como em espelho, obscuramente» e, por isso, só «conhecemos em parte» (1 Coríntios 13:12). A cegueira tem aqui um valor metafórico, simbólico, de ausência de consciência e discernimento. «Ver» é ter consciência e discernir, enxergar a justiça. É assim que Jesus várias vezes fala de cegueira, repreendendo aqueles que, sem consciência nem discernimento, se assumem condutores de outros, podendo apenas encaminhá-los para a perdição e perdendo-se a si duplamente por essa (ir)responsabilidade e falta adicional (Mateus 15:14, 23:16; Lucas 6:39). «Ai de vós», avisou Jesus. Ai de nós! Por esta luz que nos faz ver e só vem da graça de Deus se torna ainda mais imperiosa a conversão a que somos chamados pelo anúncio da boa-nova. Porque só assim não nos perdemos nem precipitamos os outros na perdição. Por isto disse Jesus que os convertidos seriam a luz do mundo (Mateus 5:14) – porque, se assim nos podemos exprimir, refletem para os outros a luz que recebem pela graça.
«Apregoar o ano aceitável do Senhor»
A versão Figueiredo usa a expressão «ano favorável». É um símbolo do perdão de Deus, uma transferência da ideia veterotestamentária do ano sabático e do jubileu, períodos de, respetivamente, sete e cinquenta anos, após os quais os credores perdoavam as dívidas aos devedores (Êxodo 23:10-11; Levítico 25:1-28; Deuteronómio 15:1-6). Levítico 25:10 diz mesmo: «Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam». Jesus busca aqui um símbolo de liberdade como sinónimo de um perdão que é concedido por Alguém de Quem somos devedores. Lembremo-nos da tradução, aliás muito adequada (versão clássica Almeida), da Oração do Senhor que nos cultos da nossa igreja se guarda ainda: «Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores»; aí estamos pedindo também pelo «ano aceitável do Senhor». Se o perdão vier, somos livres e o perdão foi prometido pelos profetas e concretizado pela mediação do nosso sumo-sacerdote, Jesus Cristo. O anúncio do «ano aceitável do Senhor» diz, pois, respeito à nossa dívida para com Deus, na relação pessoal que com Ele temos, e não às prisões mundanas de que nos fazemos cativos por nossas próprias «mãos» (decisões ou abstenções).
Porquê e como anunciar a boa-nova
Como discípulos do nosso tempo, em que atualizamos a fé daqueles que foram os primeiros convertidos, somos testemunhas da morte e da ressurreição de Jesus (Lucas 24:48). Somos também enviados de Jesus ao mundo, seus embaixadores (João 20:21) e, assim, depositários da Grande Comissão (Mateus 28:19 e Marcos 16:15). A fé não se guarda nem se esconde – só se realiza plenamente no testemunho, na exortação e edificação do próximo (Mateus 5:16). Enquanto anunciantes ou mensageiros da boa-nova, somos como anjos do Senhor. Refletir a luz da graça implica verbalizar o que recebemos e transmiti-lo a outros. «Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós» (Mateus 7:12). O anúncio da boa-nova, a evangelização, tem lugar nas nossas vidas privadas, onde quer que estejamos – na família, no trabalho, entre amigos e conhecidos e com quem quer que nos cruzemos no dia-a-dia – mas sempre da forma apropriada, para que se não torne contraproducente. Por outro lado, a igreja tem sido vista como o primeiro veículo da evangelização entendida como missão. Mas podemos dizer que ela própria é evangelização. Como crentes, formamos igrejas para nos exortarmos mutuamente e para alumiarmos nos lugares e nas cidades onde vivemos a luz do evangelho – para o anunciarmos aos outros e para sermos agentes dele. Formar igrejas e pertencer a uma igreja é a primeira forma de respondermos positivamente à Grande Comissão.
O sermão profético, leitura da Páscoa
[Grão de Trigo, Abr. 2012, p. 4]
O evangelho segundo Mateus tem cinco grandes discursos de Jesus. O último destes é o discurso escatológico (ou sermão profético), nos capítulos 24 e 25. Foi proferido no Monte das Oliveiras, na antevéspera da celebração da Páscoa judaica.
A este discurso devemos dar uma atenção especial na preparação da rememoração de Jesus enquanto nossa Páscoa, pois foi com essas palavras que o Senhor se dirigiu aos apóstolos como preparação da sua morte na cruz.
Nele, Jesus aponta não só para depois da sua morte, mas também para depois da sua ressurreição e até para depois daquilo que, mais tarde, na Grande Comissão (28:18-20), convidará os apóstolos a fazerem depois da sua ascensão.
Trata-se de um discurso sobre a Salvação, pois é esse o fim eficaz da Páscoa em Cristo. Jesus adverte contra os falsos salvadores, apelando indiretamente à fidelidade à sua pessoa como Cristo único e verdadeiro (24:3-14).
Fala do fim dos tempos como realidade, pois é o horizonte escatológico que quer que tenhamos presente para não nos crermos já salvos (24:15-28). Lembra que virá de novo e que isso é penhor da tribulação que anuncia – e a que desde logo associa a esperança – porque virá de novo (24:29-31).
Seguem-se quatro parábolas, que fazem a luz possível sobre a medida pela qual seremos julgados (24:32-25:30).
Por fim, Jesus desvenda, com a mesma luz possível, como seremos julgados, recolocando o Mandamento Novo no centro de toda a economia da salvação (25:31-46) – o Rei identifica-se com o próximo a quem deveríamos ter devolvido o amor que nos foi anunciado como medida de todas as coisas no reino dos céus.
O evangelho segundo Mateus tem cinco grandes discursos de Jesus. O último destes é o discurso escatológico (ou sermão profético), nos capítulos 24 e 25. Foi proferido no Monte das Oliveiras, na antevéspera da celebração da Páscoa judaica.
A este discurso devemos dar uma atenção especial na preparação da rememoração de Jesus enquanto nossa Páscoa, pois foi com essas palavras que o Senhor se dirigiu aos apóstolos como preparação da sua morte na cruz.
Nele, Jesus aponta não só para depois da sua morte, mas também para depois da sua ressurreição e até para depois daquilo que, mais tarde, na Grande Comissão (28:18-20), convidará os apóstolos a fazerem depois da sua ascensão.
Trata-se de um discurso sobre a Salvação, pois é esse o fim eficaz da Páscoa em Cristo. Jesus adverte contra os falsos salvadores, apelando indiretamente à fidelidade à sua pessoa como Cristo único e verdadeiro (24:3-14).
Fala do fim dos tempos como realidade, pois é o horizonte escatológico que quer que tenhamos presente para não nos crermos já salvos (24:15-28). Lembra que virá de novo e que isso é penhor da tribulação que anuncia – e a que desde logo associa a esperança – porque virá de novo (24:29-31).
Seguem-se quatro parábolas, que fazem a luz possível sobre a medida pela qual seremos julgados (24:32-25:30).
Por fim, Jesus desvenda, com a mesma luz possível, como seremos julgados, recolocando o Mandamento Novo no centro de toda a economia da salvação (25:31-46) – o Rei identifica-se com o próximo a quem deveríamos ter devolvido o amor que nos foi anunciado como medida de todas as coisas no reino dos céus.
A morte de Salomão e a atitude de Israel
[Grão de Trigo, Nov. 2011, p. 2]
Quando o grande rei Salomão morreu, após quarenta anos de reinado, o povo de Israel teve uma atitude surpreendente. Entenda-se aqui por «povo» os varões de Israel, os homens adultos do reino. Como o Segundo Livro de Crónicas relata, o povo caracterizou surpreendentemente o reinado de Salomão como um «jugo pesado» e uma «dura servidão». E foi a Roboão, filho e sucessor de Salomão, que o povo o disse, acrescentando, temerariamente, que a sua lealdade dependeria de uma mudança de governação do novo rei (2 Crónicas 10:1-4).
Salomão dera grandeza à monarquia, expandira o reino e deixou o seu nome para sempre marcando a história de Israel e os livros sagrados. No entanto, tudo isso acontecera tornando-se pesado ao povo. Perante isto, Roboão, mal aconselhado por cortesãos imprudentes, escolheu manter o estilo de seu pai, afirmando que, se Salomão fora pesado, ele seria pesadíssimo. O povo também não vacilou, mantendo a sua impressionante atitude. Então, a palavra de ordem tornou-se «cada homem à sua tenda, ó Israel!» (2 Cron 10:16).
Todos viraram costas à Casa de David, que ficou reinando sobre Judá enquanto Israel se manteve rebelde e virado para si mesmo. Cada um voltou à sua vida privada, à sua «tenda», enquanto Roboão se preparava para a guerra. Mas Deus, por meio de Semaías, dissuadiu Judá e Israel de se confrontarem (2 Cron 11:1-4).
Em todo este episódio bíblico há duas coisas a destacar. Primeiro, a forma altiva e decidida como Israel defendeu a sua liberdade, sem se deixar impressionar pelo poder e pelo status que ele dá – mesmo quando não se trata de um poder estranho, estrangeiro. Segundo, a condição da unidade é a leveza do «fardo» que são aqueles que foram investidos de responsabilidades de liderança; e é assim porque, se o fardo não for leve, quem o carrega perde a liberdade. Não foi, pois, por acaso que Jesus se considerou o «jugo suave» e o «fardo leve» dos seus fiéis (Mateus 11:30), pois estes (nós) temos a liberdade como condição de pertença ao Evangelho (Gálatas 5:1).
DESAFIO… À Igreja de Cristo (tanto universal como local) também se coloca o dilema em que Israel se viu à morte de Salomão. Saberá a Igreja avaliar o peso dos «fardos» que criou ou aceitou? E saberá avaliá-los com a bitola da Liberdade Cristã? Este é um exame que todos devemos estar prontos a fazer, para não cairmos no jugo da servidão – que leva à perdição.
Quando o grande rei Salomão morreu, após quarenta anos de reinado, o povo de Israel teve uma atitude surpreendente. Entenda-se aqui por «povo» os varões de Israel, os homens adultos do reino. Como o Segundo Livro de Crónicas relata, o povo caracterizou surpreendentemente o reinado de Salomão como um «jugo pesado» e uma «dura servidão». E foi a Roboão, filho e sucessor de Salomão, que o povo o disse, acrescentando, temerariamente, que a sua lealdade dependeria de uma mudança de governação do novo rei (2 Crónicas 10:1-4).
Salomão dera grandeza à monarquia, expandira o reino e deixou o seu nome para sempre marcando a história de Israel e os livros sagrados. No entanto, tudo isso acontecera tornando-se pesado ao povo. Perante isto, Roboão, mal aconselhado por cortesãos imprudentes, escolheu manter o estilo de seu pai, afirmando que, se Salomão fora pesado, ele seria pesadíssimo. O povo também não vacilou, mantendo a sua impressionante atitude. Então, a palavra de ordem tornou-se «cada homem à sua tenda, ó Israel!» (2 Cron 10:16).
Todos viraram costas à Casa de David, que ficou reinando sobre Judá enquanto Israel se manteve rebelde e virado para si mesmo. Cada um voltou à sua vida privada, à sua «tenda», enquanto Roboão se preparava para a guerra. Mas Deus, por meio de Semaías, dissuadiu Judá e Israel de se confrontarem (2 Cron 11:1-4).
Em todo este episódio bíblico há duas coisas a destacar. Primeiro, a forma altiva e decidida como Israel defendeu a sua liberdade, sem se deixar impressionar pelo poder e pelo status que ele dá – mesmo quando não se trata de um poder estranho, estrangeiro. Segundo, a condição da unidade é a leveza do «fardo» que são aqueles que foram investidos de responsabilidades de liderança; e é assim porque, se o fardo não for leve, quem o carrega perde a liberdade. Não foi, pois, por acaso que Jesus se considerou o «jugo suave» e o «fardo leve» dos seus fiéis (Mateus 11:30), pois estes (nós) temos a liberdade como condição de pertença ao Evangelho (Gálatas 5:1).
DESAFIO… À Igreja de Cristo (tanto universal como local) também se coloca o dilema em que Israel se viu à morte de Salomão. Saberá a Igreja avaliar o peso dos «fardos» que criou ou aceitou? E saberá avaliá-los com a bitola da Liberdade Cristã? Este é um exame que todos devemos estar prontos a fazer, para não cairmos no jugo da servidão – que leva à perdição.
O porquê do nascimento divino de Jesus
[Grão
de Trigo, Dez. 2011, p. 6]
Tanto Mateus (1:18-25) como Lucas (1:26-56, 2:4-7) relatam o nascimento de Jesus como algo de natureza miraculosa. Apesar de humano, Jesus não partilha inteiramente a nossa natureza no seu nascimento, pois nasce de uma virgem que o concebeu apenas por acção do Espírito Santo. Para serem inequívocos de que não se trata de uma interpretação meramente simbólica, os evangelistas claramente afastam de José, único homem que Maria podia «conhecer», a possibilidade de uma paternidade humana de Jesus. Escreveram, por isso, que José não só não chegou a «conhecer» Maria antes de ela gerar Jesus, como só a «conheceu» depois do seu nascimento.
O nascimento de Jesus, nestas circunstâncias, não tem sentido apenas porque acreditamos que ele tem uma natureza divina. O importante não é que ele, para ser Deus, tivesse de nascer de Deus de um modo que não fosse aparentemente apenas humano. Não se trata simplesmente de proclamar uma filiação e um poder divinos para ser respeitado, temido e obedecido. A forma do seu nascimento tem a ver com aqueles que ele vem salvar, resgatar de uma condição que ele próprio em parte teve de assumir.
É para redimir que Jesus tem de vir ao mundo com a sua condição eterna, preexistente, intacta. Não para exercer poderes sobrenaturais que vergassem todos à sua vontade – o que não fez nem quis o Pai que fizesse –, mas para poder mediar eficazmente, apontando com autoridade plena para o Alto e para poder vencer a morte e sentar-se à direita do Pai como nosso intermediário. Para tal, não podia ser, como os profetas, um anunciador de coisas esperadas, sentidas, desejadas ou vislumbradas; tinha já de ser um portador de coisas vividas, reais, possuídas e em si mesmo demonstradas (como o Evangelho nos dá a ver). Jesus não poderia ser, na linguagem paulina, o Novo Adão se nascesse inteiramente do Velho Adão – embora, por outro lado e por intermédio de Maria, fosse co-herdeiro de Adão para poder partilhar a nossa natureza humana.
Pelas suas qualidades preexistentes, Jesus foi também o salvador da sua mãe humana, Maria, que era, como nós, herdeira do Velho Adão e da sua natureza decaída. Na sua qualidade de pecadora necessitada da salvação, Maria não era diferente de José ou de cada um de nós. Nisso também Jesus, o Deus connosco, foi profundamente humano, ao experimentar um amor filial sem limites, amando a sua mãe como nos amou a todos e trazendo-lhe a salvação de que estava tão necessitada como toda a descendência de Abraão. No seu cântico de graças, chamado Magnificat pela tradição, Maria soube ver o alcance da Encarnação, como remissão para todos, que estavam (e estão) caídos; ela própria, mãe humana de Jesus pela graça divina, estava incluída nos que esperavam o Filho como único remédio para esse estado de necessidade. A ela, como a nós, Jesus não lhe pertence nem veio ao mundo limitado pelos constrangimentos humanos; com algo em si de completamente distinto do nosso estado servil ao pecado, veio livre para nos fazer livres.
Glória a Deus!
Tanto Mateus (1:18-25) como Lucas (1:26-56, 2:4-7) relatam o nascimento de Jesus como algo de natureza miraculosa. Apesar de humano, Jesus não partilha inteiramente a nossa natureza no seu nascimento, pois nasce de uma virgem que o concebeu apenas por acção do Espírito Santo. Para serem inequívocos de que não se trata de uma interpretação meramente simbólica, os evangelistas claramente afastam de José, único homem que Maria podia «conhecer», a possibilidade de uma paternidade humana de Jesus. Escreveram, por isso, que José não só não chegou a «conhecer» Maria antes de ela gerar Jesus, como só a «conheceu» depois do seu nascimento.
O nascimento de Jesus, nestas circunstâncias, não tem sentido apenas porque acreditamos que ele tem uma natureza divina. O importante não é que ele, para ser Deus, tivesse de nascer de Deus de um modo que não fosse aparentemente apenas humano. Não se trata simplesmente de proclamar uma filiação e um poder divinos para ser respeitado, temido e obedecido. A forma do seu nascimento tem a ver com aqueles que ele vem salvar, resgatar de uma condição que ele próprio em parte teve de assumir.
É para redimir que Jesus tem de vir ao mundo com a sua condição eterna, preexistente, intacta. Não para exercer poderes sobrenaturais que vergassem todos à sua vontade – o que não fez nem quis o Pai que fizesse –, mas para poder mediar eficazmente, apontando com autoridade plena para o Alto e para poder vencer a morte e sentar-se à direita do Pai como nosso intermediário. Para tal, não podia ser, como os profetas, um anunciador de coisas esperadas, sentidas, desejadas ou vislumbradas; tinha já de ser um portador de coisas vividas, reais, possuídas e em si mesmo demonstradas (como o Evangelho nos dá a ver). Jesus não poderia ser, na linguagem paulina, o Novo Adão se nascesse inteiramente do Velho Adão – embora, por outro lado e por intermédio de Maria, fosse co-herdeiro de Adão para poder partilhar a nossa natureza humana.
Pelas suas qualidades preexistentes, Jesus foi também o salvador da sua mãe humana, Maria, que era, como nós, herdeira do Velho Adão e da sua natureza decaída. Na sua qualidade de pecadora necessitada da salvação, Maria não era diferente de José ou de cada um de nós. Nisso também Jesus, o Deus connosco, foi profundamente humano, ao experimentar um amor filial sem limites, amando a sua mãe como nos amou a todos e trazendo-lhe a salvação de que estava tão necessitada como toda a descendência de Abraão. No seu cântico de graças, chamado Magnificat pela tradição, Maria soube ver o alcance da Encarnação, como remissão para todos, que estavam (e estão) caídos; ela própria, mãe humana de Jesus pela graça divina, estava incluída nos que esperavam o Filho como único remédio para esse estado de necessidade. A ela, como a nós, Jesus não lhe pertence nem veio ao mundo limitado pelos constrangimentos humanos; com algo em si de completamente distinto do nosso estado servil ao pecado, veio livre para nos fazer livres.
Glória a Deus!
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