Marjolin no período da Comissão Europeia. |
Robert Ernest Marjolin, economista francês, foi o
primeiro secretário-geral da Organização Europeia para a Cooperação Económica
(OECE), antecessora da OCDE, e o primeiro comissário europeu para os assuntos
económicos e financeiros (entre 1958 e 1967). Nascido em Paris a 27 de julho de
1911, faleceu na mesma cidade em 15 de abril de 1986.
De origens humildes,
começou a trabalhar aos 14 anos depois de o pai adoecer, primeiro como aprendiz
metalúrgico, depois (entre 1926 e 1931) como funcionário de uma casa de
corretagem junto da Bolsa de Paris. Em 1929 tornou-se militante da SFIO (Secção
Francesa da Internacional Operária), o partido socialista da época, após uma
breve passagem por uma célula comunista, cujo ambiente lhe desagradou. Esta
militância, iniciada por ser “o destino natural” de um rapaz com as suas
origens sociais (MARJOLIN, Le Travail,
p. 22), duraria oito anos e facilitou o seu regresso aos estudos, através de
Georges Bourgin (diretor adjunto dos Arquivos Nacionais), a quem foi
apresentado. Realizou então um trabalho de pesquisa sobre a carestia agrária
entre 1815 e 1818 com o objetivo de obter o diploma da École Pratique des
Hautes Études, da Sorbonne, que lhe daria equivalência aos estudos secundários.
No curso de Filosofia, e num período de estudo intenso, impressionou
professores como Célestin Bouglé e fez algumas das suas amizades mais
duradouras, nomeadamente com Raymond Aron.
Em 1932-1933, por convite de Bouglé,
integrou o curso internacional The Impact
of Culture on Personality, na Universidade de Yale, financiado pela
Fundação Rockefeller. Além do efeito marcante que esta experiência teve na sua
formação, descentrando-o da realidade francesa, Marjolin realizou uma pesquisa
pioneira sobre o sindicalismo norte-americano, que seria a sua tese de
licenciatura (depois publicada como L’Évolution
du syndicalisme aux États-Unis, PUF, 1934). Neste período, foi apresentado
ao economista liberal Charles Rist, que o convidou para investigador no
Institut de Recherches Économiques et Sociales por si dirigido. Marjolin
ultrapassou assim as suas dificuldades materiais e preparou um doutoramento em
economia política, obtido em junho de 1939, com a tese Prix, Monnaie et Production: Essai sur les mouvements économiques de
longue durée (PUF, 1941), dedicando-se logo a seguir à sua agregação (só
efetivada em 1945 por causa da guerra). Neste livro, embora influenciado pela
obra de François Simiand e utilizando os contributos de Wicksell, Hayek, Myrdal
ou Hicks, Marjolin aplicou em termos de longa duração a ideia de Keynes do
ciclo económico como uma dinâmica de desequilíbrio endógena causada por mudanças
na eficiência marginal do capital, por sua vez motivada pela volatilidade
psicológica dos empresários (ARENA, «Robert Marjolin’s»).
Provavelmente por
meio de Bourgin, e antes da sua primeira viagem aos Estados Unidos, Marjolin
ligou-se ao movimento cooperativista e ao grupo “Révolution Constructive”,
influenciados por um socialismo mais proudhoniano que marxista. Mas, após 1933,
perdeu interesse nestas sociabilidades. A partir de 1934, passou a deslocar-se
com frequência a Londres para contactos com economistas da London School of
Economics, nomeadamente Lionel Robbins, com quem Rist e o seu instituto
cooperavam, frequentando igualmente a sociabilidade liberal do Reform Club, em
cujas discussões de assuntos correntes participava. O próprio Marjolin revela (Le Travail, p. 54) que o filósofo e
historiador Élie Halévy, que conheceu pessoalmente, com o seu estudo crítico do
radicalismo filosófico e do socialismo marxista, foi a mais importante
influência intelectual da sua vida. Deste modo, e embora ainda mantivesse
ligações afetivas e pessoais com o socialismo moderado, Marjolin evoluiu
paulatinamente para um liberalismo pragmático, de feição keynesiana.
Foi
durante este processo que desenvolveu a sua colaboração com o líder socialista
Léon Blum, que em 1935 o convidou para dirigir a secção económica do jornal Le Populaire e, em maio de 1936 (altura
em que cumpria o serviço militar), para ser assessor económico do governo da
Frente Popular. No entanto, Marjolin revelou divergências acentuadas,
nomeadamente sobre a redução do horário de trabalho (sobre o que publicou um
artigo na revista Economica, em maio
de 1938), que considerava incompatível com a necessidade de reverter o declínio
industrial francês. Marjolin denunciou os acordos de Munique e desesperou com a
inação de Daladier, mas veio a apoiar a ação governativa de Paul Reynaud,
apesar do rearmamento tardio; é desta época a sua colaboração no semanário
antifascista L’Europe nouvelle.
Mobilizado em setembro de 1939, Marjolin pôde constatar a incapacidade militar
francesa. Já nas vésperas do colapso francês, em maio de 1940, Jean Monnet (que
só então conheceu) solicitou-lhe colaboração em Londres, no Comité de
coordenação franco-inglês, incumbindo-o de uma missão em Dunquerque ainda
naquele mês e depois em Bordéus. De seguida, Marjolin decidiu acompanhar
Emmanuel Mönick a Vichy e, entre setembro de 1940 e março de 1941, a partir de
Marrocos, colaborar com aquele numa estratégia arriscada de preparar um futuro
desembarque aliado no Norte de África, fomentando aí a ligação consular e
comercial aos Estados Unidos, cuja entrada na guerra achavam inevitável; tal
objetivo foi alcançado com o acordo Murphy-Weygand (fevereiro de 1941), que se
revelaria fulcral para a ofensiva aliada no Mediterrâneo em 1942-1943. De regresso
a Londres (onde voltou ao Reform Club), Marjolin integrou-se na equipa
económica do Comité francês de libertação nacional, sendo cooptado, no outono
de 1943, para trabalhar com Monnet em Washington D. C. na preparação da
política económica francesa do pós-guerra e da ajuda norte-americana. Foi
naquela cidade que conheceu Dorothy Thayer Smith (f. 1971), com quem casou em 2
de setembro de 1944; teriam uma filha (Élise) e um filho (Robert Jacques).
No
outono de 1945, já em Paris e por convite de Monnet, Marjolin tornou-se
comissário-geral adjunto do Plano de modernização e equipamento do Governo
francês, passando a coordenar a ajuda norte-americana, primeiro sob o acordo
Monnet-Blum (1946-1947), depois sob o Plano Marshall (a partir de 1948).
Marjolin tornou-se um dos rostos da planificação francesa do pós-guerra, embora
entendesse o Plano como uma estratégia racionalizadora e mais transparente de
operacionalizar a tradicional intervenção do Estado francês na economia,
sobretudo depois das nacionalizações de 1945, que apoiara (Le Travail, pp. 162-172); no entanto, viria, posteriormente e com
base na sua própria experiência, a exprimir desconfiança na “coordenação”,
“harmonização” ou planificação do investimento e das políticas económicas a
nível nacional e europeu (Le travail,
p. 211).
No verão de 1947, dirigiu a articulação do Plano francês de 1946-1947
com o Plano de Recuperação Europeia (1948-1952) no quadro do Plano Marshall,
presidindo, de facto, ao esforço de coordenação das necessidades e medidas a tomar
pelos diferentes países recetores; por essa razão, Marjolin foi escolhido, em
abril de 1948, como secretário-geral da OECE, o organismo europeu que iria
administrar a implementação do Plano Marshall até 1952 (HEINIGER, «Marjolin»).
O estabelecimento da União Europeia de Pagamentos, que, em 1950, substituiu o
regime de pagamentos bilaterais entre países da OECE, incrementando o comércio
intraeuropeu, foi considerado por Marjolin o verdadeiro início da integração
económica da Europa do pós-guerra (Le travail,
p. 220) e deveu muito à sua capacidade concertadora. Esta foi testada em
1951-1952, quando, na sequência do início da Guerra da Coreia (1950-1953) e do
ímpeto que ganhou o esforço de defesa do bloco ocidental – que Marjolin, no
entanto, apoiava incondicionalmente –, se manifestou grande pressão (sobretudo
do Reino Unido) para que a OTAN absorvesse a OECE. Marjolin resistiu (com
sucesso) a esta estratégia por entender que a cooperação económica europeia era
um esforço autónomo e requeria uma organização intergovernamental própria.
Apesar disto, Marjolin entendia esgotada a função da OECE, considerando
necessária a evolução para uma união aduaneira (Le travail, p. 245ss.). No entanto, a oposição britânica e
escandinava a esta transformação levou-o a considerar terminada a sua missão na
OECE (de que saiu em abril de 1955).
Passando a lecionar economia política na
Universidade de Nancy (de setembro de 1955 a início de 1957), Marjolin
desenvolveu na imprensa uma campanha favorável a uma união aduaneira europeia e
integrou um grupo de reflexão constituído por Christian Pineau (da SFIO). Este,
ao tornar-se ministro dos negócios estrangeiros do governo Mollet (início de
1956), convidou Marjolin para o secretariar nos assuntos europeus e, assim,
integrar a delegação francesa às negociações que se seguiram ao relatório do
Comité Spaak (23 de abril de 1956). Em França, Marjolin travou uma guerra
difícil, no seio da administração e da classe política, a favor da união
aduaneira e foi o mentor do protocolo de disposições relativas a França, anexo
ao Tratado de Roma, que mantinha temporariamente o sistema francês de
limitações ao comércio exterior, fundamental para ultrapassar parte da oposição
interna, mas tornado obsoleto com a reforma financeira e monetária de De Gaulle
em 1958 (que apoiou). Com a mesma linha pragmática, na negociação da política
agrícola, Marjolin foi o criador do princípio da não-discriminação nos apoios à
produção, tendo os Estados membros, não de abolir, mas de estender, aos
produtos de qualquer dos Seis no seu mercado, os apoios concedidos aos
nacionais (Le travail, p. 299). Para ele, a
Comunidade Económica Europeia (CEE) nascia para ser, com os EUA, um pilar do
fortalecimento das relações comerciais de todo o mundo não comunista,
compreendendo uma zona de comércio livre anexa, que deveria incluir os
restantes países da OECE e os territórios ultramarinos dos Estados membros
(MARJOLIN, «Prospects»).
Com a constituição da primeira equipa da Comissão Europeia (6 e 7 de janeiro de
1958), Marjolin recebeu a pasta da economia e das finanças, a que se juntava a
energia e a política comercial. Já num memorando de 1944 para Monnet, Marjolin
falava da necessidade de uma unidade da Europa Ocidental para potenciar um
crescimento económico sustentado e fazer “contrapeso” à influência soviética no
Leste (Le travail, p. 128ss.); porém,
apesar da proximidade com Monnet, nunca partilhou a ideia de uma dissolução dos
Estados nacionais numa “soberania europeia”, advogando soluções institucionais
possibilistas e ancoradas na história, sem fazer depender a integração
económica (baseada essencialmente nos princípios da livre circulação) de uma
ambiciosa agenda política (Le travail,
p. 264ss. e 352). Daí que Marjolin, embora crítico dos “excessos de linguagem”
(antieuropeístas, mas também antiamericanos) do gaullismo, tenha em geral
concordado com a política europeia da V República, que sempre se enquadrou no
Tratado de Roma – mesmo nas reservas quanto à adesão do Reino Unido (a partir
de 1961), que considerava, realisticamente, descompassado da lógica do Tratado,
das regras comerciais comuns com países terceiros e da política agrícola comum
em construção. Sobre esta última tinha uma opinião semelhante à da planificação
no pós-guerra: não era ideal, mas substituía práticas intervencionistas e
protecionistas dos Estados membros que não eram mais liberais – além de que,
sem ela, a França não teria entrado ou não teria cooperado no aprofundamento do
Mercado Comum.
A ação de Marjolin na Comissão enquadra-se claramente nesta lógica
possibilista: em 1965-1966, em posição minoritária, opôs-se à guinada
“federalista” do presidente Walter Hallstein de reforço dos recursos
financeiros próprios da Comunidade e das competências daquele órgão e da
Assembleia de Estrasburgo, antecipando a rejeição de tal iniciativa pelos
Estados membros; igualmente, foi o negociador de primeira linha do acordo
comercial de 1967 com os EUA e que, não sendo a materialização da área de
livre-câmbio atlântica proposta no Grand
Design de John Kennedy, permitiu, no entanto, uma redução de tarifas que
ajudou o Mercado Comum a moderar a sua própria tendência protecionista. Mesmo
depois de sair da Comissão em 1967, Marjolin subscreveu relatórios solicitados
pelos órgãos comunitários (união económica e monetária, 1975, e reforma
institucional, 1980) bastante prudentes e limitados ao aperfeiçoamento de
práticas usadas e funções já previstas no Tratado.
O episódio da sua
candidatura (mal-sucedida) a deputado em 1962, pela SFIO (e pela mão de Mollet,
apesar de desligado do partido desde 1937), para vincar a sua oposição à
eleição presidencial direta decidida em referendo naquele ano, mostra bem a sua
independência política perante o Governo francês e o gaullismo em particular.
Entre 1967 e 1969, Marjolin voltou à docência universitária, desta vez em
Paris, mas a reforma da instituição subsequente ao Maio de 68 (de que foi
crítico contundente) desinteressou-o daquela atividade. No outono de 1969
aceitou integrar o conselho de administração do grupo petrolífero Royal Dutch Schell,
onde esteve doze anos, iniciando um período de experiência internacional
relevante na iniciativa privada (até 1984 foi simultaneamente administrador ou
assessor de outras empresas privadas, como a I.B.M. ou o Chase Manhattan Bank).
Fez igualmente assessoria para o Banco de França e para o Governo francês,
nomeadamente, em 1975-1976, nos trabalhos do VII Plano (1976-1980). A 10 de
junho de 1985, foi admitido na Academia Francesa.
BIBLIOGRAFIA:
ARENA, Richard – «Robert Marjolin’s Theory of Business Cycles:
Between Simiand and Keynes», History of
Economic Ideas, vol. XI (2003), n.º 1, pp. 95-111. HEINIGER, Alix –
«Marjolin, Robert Ernest», IO BIO:
Biographical Dictionary of Secretaries General of International Organizations,
ed. Bob Reinalda, Kent J. Kille e Jaci Eisenberg, www.ru.nl/fm/iobio, acedido
03/09/2018. MARJOLIN, Robert – Le travail d’une vie: Mémoires 1911-1986,
Paris, Éditions Robert Laffont, 1986. MARJOLIN, Robert – «Prospects for the European
Common Market», Foreign Affairs, vol.
36, n.º 1, Outubro 1957.
[In
Isabel Baltazar e Alice Cunha (coord.), Dicionário
das Grandes Figuras Europeias, Lisboa: Assembleia da República, 2019, pp. 245-249.] Versão publicada, aqui.