A
principal função de um docente de História na escola como hoje a conhecemos é
dar ao aluno aquilo que ele (salvo raríssimas exceções) não tem nem pode ter:
uma interpretação do passado. Há uma suspeita razoavelmente fundada de que os
próprios docentes revelam não estar munidos dessa interpretação. Isto torna
ainda mais fulcral o papel do manual escolar.
Há um
aspeto a vários títulos relevante na forma como a História é hoje lecionada no
chamado Ensino Básico. Uma grande parte dos docentes parece centrar (e mesmo
iniciar) o estudo de qualquer matéria na leitura
ou observação pelos alunos de fontes históricas (textos da época ou
historiográficos, figuras ou mapas). Isto, em si mesmo, não é um problema –
pelo contrário, parece evidente que é uma das coisas que um professor de
História deve promover em sala de aula. O problema é que essa estratégia parece
ser usada como atividade central, relegando para segundo lugar – e para o
estudo do aluno em casa – o texto
informativo do manual.
Veremos
as implicações desta prática no uso dos documentos (escritos e iconográficos) e
das atividades também apresentados
no manual.
O texto
informativo corresponde à interpretação
do passado que é transmitida ao aluno pelo manual – e que deveria também
ser transmitida pelo docente. A qualidade científica e pedagógico-didática
deste texto deveria ser um dos critérios fundamentais (senão o critério fundamental) na adoção do
manual da disciplina (teoricamente é, mas, na prática, percebe-se que não é).
Ora, é
evidente que o contacto primário com
fontes históricas (escritas ou iconográficas) não é pedagogicamente eficaz
para uma criança ou um jovem que não conhece a época em estudo. Aquelas fontes
são importantes como auxiliares ou ilustrações da tal interpretação do passado
que compete ao docente e ao manual transmitir – mas não transmitem
conhecimento. As fontes assim apresentadas são fragmentos desconexos de uma realidade desconhecida para o aluno.
Podemos
especular sobre as causas desta prática letiva – um “positivismo” funcional adquirido nas faculdades e que vive da
superstição numa quimérica “verdade histórica” que se exprime nos “documentos”,
a adesão consciente ou inconsciente a pedagogias
construtivistas, etc. Mais à frente, veremos que esta prática radica
certamente numa falsa crença sobre uma alegada impreparação das crianças para
lidarem com a abstração, que leva os docentes a acreditar que só a relação com
um “concreto” quimérico lhes é acessível. Esta falsa crença tem efeitos
devastadores no tipo de atividades (de avaliação) praticado por estes docentes
e, por consequência, na descredibilização da História junto dos alunos
intelectualmente mais bem preparados.
A verdade
é que a generalidade dos docentes parece ter abandonado – ou nunca ter adotado
– uma interpretação do passado para transmitir aos seus alunos. Tal interpretação requer uma formação
científica sólida (intensa e extensa), cuja ausência ou fragilidade poderia
ser contornada por um manual que a fornecesse. Mas o recurso a um manual com
essa qualidade requereria, obviamente, uma autoconsciência daquela ausência ou
fragilidade. E essa autoconsciência só é possível com uma humildade intelectual
e profissional que não abunda.
No texto
que publicarei a seguir, ilustrarei como
um manual escolar pode ou deve orientar o estudo de um aluno com o objetivo
de lhe transmitir eficazmente uma interpretação do passado. Os exemplos estarão
obviamente condicionados pelos currículos em vigor e que têm de ser seguidos.