[Grão de Trigo, Dez. 2011]
A palavra «Natal» refere-se à festa da natividade (isto é, nascimento) de Cristo.
O dia 25 de Dezembro era, no século IV da nossa era, assinalado como o dia do solstício de inverno, celebrado na antiguidade como data do nascimento dos deuses Mitras e Sol Invictus. No calendário juliano, o solstício calhava a 6 de Janeiro, quando era celebrado o aniversário do deus egípcio Osíris em Alexandria. Por volta do ano 300 da nossa era, o 6 de Janeiro tornara-se também no Oriente a data de celebração da Epifania, uma festa sempre intimamente relacionada com o Natal.
A mais antiga menção ao 25 de Dezembro como dia de Natal (nascimento de Cristo) é no calendário Filocaliano de 354, parte do qual reflecte o que era a prática da Igreja em Roma em 336. A celebração do aniversário de Cristo não era generalizada antes de século IV; de facto, ainda em pleno século V, o antigo leccionário arménio de Jerusalém comemorava Tiago e David a 25 de Dezembro, fazendo notar que «noutras cidades é celebrado nesta data o nascimento de Cristo». Quando celebrado o Natal, o tema da festividade era a Encarnação e as partes das Escrituras então lidas não se confinavam às narrativas sobre o nascimento ou a infância de Jesus. A Lucas 2:1-14 e Mateus 1:18-25 eram acrescentados não só João 1:1-8, mas também, por exemplo, Tito 2:11-14.
O ano do nascimento de Jesus Cristo é difícil de determinar. O recenseamento de Quirino, governador romano da Síria, referido em Lucas 2:1-5, é datado por Josefo como ocorrido entre os anos 6 e 7 da nossa era, além de que não terá abrangido toda a população do Império Romano (como diz Lucas 2:1), também não terá sido contemporâneo do governo de Herodes (pois não foi durante o seu reinado que Quirino foi governador) e não teria requerido a presença de José (e muito menos de Maria) em Belém da Judeia por ser a sua terra natal. Apesar de Lucas 3:1-2 não sugerir nenhum ano exacto, a passagem parece apontar para uma data entre 27 e 29 da nossa era como a do baptismo de Jesus (com cerca de 30 anos) por João Baptista (Lucas 3:23). De acordo com esta datação, Jesus teria nascido entre 4 e 1 antes da nossa era. A altura do ano não é indicada em parte alguma da Escritura.
O local de nascimento de Jesus também tem sido problemática. Se só tivéssemos os evangelhos segundo Marcos e João, poderíamos assumir que havia sido em Nazaré (Marcos 1:9; João 1:45-46; Lucas 2:4, 39). Em Lucas 2:1-20 é contada a história do nascimento em Belém e Mateus 2:1 segue uma tradição similar, embora introduza não uma narrativa do nascimento, mas uma narrativa da infância, pois a história dos Magos implica que Jesus já teria cerca de dois anos de idade quando eles chegaram (Mateus 2:16).
O local exacto do nascimento em Belém também é duvidoso. A manjedoura de Lucas 2:7 podia situar-se numa tenda quase sem cobertura ou num local de alimentação de animais ao ar livre, podendo, por seu lado, a «hospedaria» referida ser um quintal com cercas à sua volta. Curiosamente, a presença no local de um burro e de um boi ou vaca não nos chega pelo Novo Testamento, mas sim através da imagem de Isaías 1:3, que foi posteriormente aproveitada. Outra tradição dos primeiros séculos do cristianismo, registada no apócrifo do proto-evangelho de Tiago do século II (18-21) e por Justino, fala de uma gruta como o local de nascimento de Jesus. Essa gruta teria sido alegadamente mostrada a Orígenes por volta do ano 246 e sobre esse local, cerca do ano 333, o imperador Constantino teria mandado construir uma basílica, que foi substituída pelo imperador Justiniano por volta de 531. Ainda existente, a gruta tem no seu interior uma pedra que a lenda conta ter servido de manjedoura. De facto, nas primeiras liturgias do Natal tanto a manjedoura como os campos dos pastores das imediações são referidos – mas mais nos festejos da Epifania do que na celebração propriamente dita do nascimento de Jesus Cristo.
Traduzido e adaptado de A. R. C. Leany, s.v. «Christmas», in The Oxford Companion to the Bible (ed. Bruce M. Metzger e Michael D. Coogan), Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press, 1993, pp. 112-113.
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