so·fis·ma substantivo masculino
1. Argumento capcioso com que se pretende
enganar ou fazer calar o adversário.
2. [Popular] [Popular] Engano; logro.
(Dicionário Priberam da Língua Portuguesa)
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Um dos graves problemas deste texto é a forma como trata a política monetária. Aparentemente, os efeitos das opções de política monetária até não são esquecidos. No retrato da situação económica global, no qual se destaca o crescimento anémico um pouco por todo o lado, atribui-se os problemas dos Estados Unidos da América (EUA) e da União Europeia (UE), respetivamente, ao “dólar forte” e à “timidez” da política do Banco Central Europeu (BCE); num contexto em que, nos EUA, se praticou desde 2008 uma política agressiva de quantitative easing (QE), tal como no Reino Unido, e em que na UE a autoridade monetária usa mecanismos não ortodoxos de monetarização das dívidas públicas e dos passivos bancários – com juros historicamente baixos dos dois lados do Atlântico, tal como no Japão –, não se vê que maior arrojo se propõe nesta área. Mas estas considerações são também contraditórias com a responsabilidade que o relatório corretamente imputa às políticas de juros baixos e de QE dos últimos anos no crescimento da dívida tanto pública como corporativa nos países desenvolvidos. Se estas políticas têm tido essas consequências, como é que maior arrojo pode ser uma solução? Claramente, quis-se incorporar no relatório esta menção crítica às políticas monetárias, mas sem se atentar na contradição que isso implica com a sugestão de (ainda) menos timidez e restrição nas opções dos bancos centrais. Aliás, as propostas da UNCTAD, que referiremos, só poderão ser operacionalizadas com políticas monetárias expansionistas que estão também em contradição com a menção referida às consequências da política monetária dos últimos anos nos países desenvolvidos. O prisma monetário não é, pois, o forte do diagnóstico deste relatório. O efeito da política monetária é decorativo neste texto, cuja abordagem tem semelhanças metodológicas com a dos proponentes (e praticantes) do modelo do real business cycle (RBC), que desconsideram a relevância da política monetária e se apegam aos conjuntos de dados “empíricos” que tratam com métodos econométricos de validade duvidosa (quanto a este assunto, ver Paul Romer, «The Trouble With Macroeconomics», Set. 2016).
O verdadeiro problema económico, segundo os autores da UNCTAD, é a “fraca procura” global que se deve à estagnação dos salários reais, o que impede um maior crescimento económico (veja-se logo na p. III, 5.º parágrafo). A “procura” é vista como um agregado quantitativo independente da qualidade da “oferta” ou da sua adequação às necessidades ou preferências dos consumidores. Deste modo, o facto de os preços não subirem na proporção que alegadamente viabilizaria um “surto industrial” nos países onde os autores do relatório gostariam de o ver acontecer pode ser imputado, quantitativamente, a uma “procura” (de quê?) que estes economistas sabem que deveria ser mais alta. O problema dos salários reais – que o relatório não consegue mostrar de modo convincente que não tenham subido (sobretudo nos países em desenvolvimento) – é entendido com o mesmo sofisma da “fraca procura”. Estes salários-que-deveriam-ser-mais-altos não o são porque, no seu entender, a circulação global de capitais, por um lado, se orientou para remunerar os acionistas e não os trabalhadores dos países onde fez chover investimento e, por outro lado, escolheu apostar em atividades de fraco valor acrescentado, não favorecendo a panaceia dos surtos industrializadores nesses países nem a afluência salarial que a nutrisse localmente.
[Continua]