“Imprensa livre” distingue-se de
órgãos audiovisuais, por veicular informação escrita (e a escrita, sem
desprimor para o lugar das imagens em movimento e do som, é tão importante na
informação e na opinião como o é na transmissão de conhecimento e reflexão), e
significa um periódico que não pertença ao Estado, não dependa de dinheiros
públicos e venha mostrando pautar a sua linha editorial pela fidelidade a
critérios jornalísticos de investigação e explanação de factos relevantes.
Seguindo esta bitola, há uma
economia do tempo de leitura que dita algumas condições. Para quem quer ter
parte do tempo para ler livros, a imprensa não pode absorver totalmente o que
fica disponível entre o trabalho, a família e outros afazeres. Um jornal diário
teria esse efeito se diariamente fosse adquirido. E adquiri-lo só nalguns dias
da semana é como ver só excertos de um filme, a que no fim da semana faltariam
partes do todo. Um semanário que possa ser lido em vários dias, sem nele despender
toda a semana, torna-se o mais indicado. O semanário traz o todo informativo
numa única edição semanal. Em princípio, está lá tudo – ou uma seleção
aceitável e representativa do todo. Entre estes periódicos, os jornais
tradicionais, como o Expresso, têm as
desvantagens da enorme massa de papel e da profusão de cadernos que se tornam
ingeríveis e que são pouco manuseáveis em cenário de rua e transportes
públicos, que são os meus. Há também o problema da suja tinta de jornal.
As minhas leituras regulares de
semanários tradicionais – mas em anos em que tinha largo tempo para a leitura,
sem solicitações conjugais ou de paternidade – foram com o Expresso e o Semanário,
que partilhava com o meu pai ainda quando aluno do liceu, e, depois, do Independente no início da minha passagem
pela universidade (de 1987 até inícios de 90). Ora, as newsmagazines semanais são escolhas ótimas como resposta aos
problemas já identificados com os semanários tradicionais.
Durante vários anos – desde cerca
de 1992 até quase ao fim dessa década –, fui assinante do Economist, que é seguramente um dos melhores periódicos deste
género a nível mundial. Mas houve coisas disfuncionais, que ainda hoje o
seriam: o volume de informação é enorme (não ponho em causa a relação
qualidade/preço) e tão global que todas as semanas, depois de um grande esforço
de leitura, parecia ficar com boas pistas para questões importantes em várias
partes do Mundo, mas sem ligação à minha realidade mais imediata – a
portuguesa. A justificação que encontrava (o que é realmente relevante sobre Portugal,
para lá da “espuma dos dias ou das semanas”, virá no Economist) era postiça, pois estar informado é também saber algo
sobre coisas para nós muito conjunturais, triviais e/ou fúteis mas que influem
no andamento do que nos condiciona.
Este aspeto é muito importante:
se quisermos ter uma postura quase supramundana, a imprensa e as suas petites histoires são coisitas
insignificantes; se quisermos ter uma atitude correta, de horizontes mentais
largos, mas com os pés bem assentes na terra e com a predisposição que devemos
ter para conhecer todos os nossos semelhantes e a forma como moldam o ambiente
humano em que vivemos e a que temos de estar atentos, então “perder tempo” com
trivialidades pode ser quase uma obrigação moral. É deste modo que entendo o célebre
conselho de Karl Barth aos cristãos: andarem sempre com a Bíblia numa mão e o
jornal na outra. Numa das mãos cabe, pois, um periódico “popular”, sem
pretensões a grande estatuto de “imprensa de referência”, mas minimamente
cuidado e bem alicerçado na realidade local.
Daquela experiência de leitura
regular do Economist ficou-me, no
entanto, o hábito de comprar e ler em cada mês de dezembro, mesmo que de forma
salteada, o anuário The World In…,
que é um género de resumo do que o Economist
tem para dizer em cada ano (e que pode ser reforçado com o número duplo de fim
de ano, que traz habitualmente artigos interessantes sobre temas para lá da
simples atualidade). Entre 1984 e 1986 li regularmente newsmagazines como o Le Point
e a Newsweek, mas com estas havia já
a falta da minha realidade imediata. Por outro lado, em livros e artigos
“técnicos” aprendi a procurar informação ainda mais consolidada sobre
determinadas questões relevantes e globais que mesmo num periódico como o velho
Economist só podem vir demasiado
“mastigadas” e fragmentadas.
A Sábado apareceu-me em 2004 como uma forma improvisada e provisória
(“à experiência”) de cobrir a minha necessidade informativa regular e com o tal
“todo” representativo da semana. Já tivera, em anos muito anteriores, uma
experiência de leitura regular da defunta Grande
Reportagem quando foi newsmagazine
deste género (à volta de 1985) e, ocasionalmente, da Sábado da 1.ª série (à volta de 1987). A Visão poderia ter sido “a” escolha, mas a sua linha editorial e os
colunistas por ela privilegiados não eram (nem são) do meu agrado.
As características algo
“híbridas” da Sábado, que junta à
informação “política”, “geral” ou “superestrutural” um substrato de interesses
sobre faits-divers, personalidades e
temas “populares” ou da vida quotidiana (eu diria também “privada”) pareceu-me
nos primeiros anos um aspeto negativo e que contribuiu para a suspensão da
leitura regular durante uma quase meia dúzia de anos. Mas foi nesse tempo que
estas reflexões se fizeram, em torno da questão: “Mas qual é, afinal, o meu
ideal de periódico?” Claro que não há ideal no mundo real dos periódicos e o
ideal abstrato não serve grande coisa para escolher entre o que há na realidade.
Nesse tempo, a ideia de que a informação não é só, nem sobretudo, o que é
“político” foi-se tornando cada vez mais clara.
A informação deve trazer-nos, na
sua inteireza, o que é humano – abrangentemente.
Dessa forma, a “hibridez” da Sábado foi-se-me impondo como uma
virtude: lá estava o local, o fait-divers,
o “privado” (por exemplo, artigos sobre aspetos do quotidiano ou da vida
familiar, por vezes bem interessantes, informados e bem escritos), a opinião
plural de um punhado de colunistas (em geral sem agendas de lobbies estruturados) e, integrados
nesta estrutura, os conteúdos gerais, “políticos”, do País e do estrangeiro.
Este não está representado numa secção forte, mas não é fácil ter critério de
relevância numa cobertura mundial de um semanário e a pertinência de juntar
muitos pequenos-nadas semana a semana também é discutível. Mesmo assim, o que
lá vem do Mundo é geralmente pertinente na conjuntura e conjuga-se bem com os
pequenos apports diários de
informação “picados” na Internet uma ou duas vezes por dia.
Grandes dossiers sobre assuntos estruturais do País ou do Mundo não têm, de
qualquer modo, lugar real na imprensa, “de referência” ou mais “ligeira” –
ficam para artigos e livros selecionados com critério próximo do académico. Dossiers extensos já a Sábado soube apresentar, tão bem ou
melhor que certos títulos ditos “de referência” (como o Expresso ou o Público),
sobre assuntos que são de facto da alçada da imprensa e a tornam potencialmente
uma parceira instrumental da cidadania: casos de fraudes, corrupção ou abuso de
poder como os que se passaram em torno de José Sócrates ou do Banco Espírito
Santo – e aí, à extensão das matérias, esteve associada várias vezes a
iniciativa e originalidade da investigação. Outros casos de menor dimensão ocupam-na
quase todas as semanas.
A “diversidade compacta” da Sábado é reforçada pelo caderno agora
reintegrado no corpo da revista e chamado GPS
– é um conjunto de informação prática para tempos livres que qualquer periódico
útil tem hoje de trazer e que, no seu caso, não fica atrás do de nenhum
semanário em qualidade e quantidade.
A Sábado, como qualquer periódico, tem os seus defeitos. A seleção
que faz em cada semana da informação relevante estará sempre exposta a
críticas. Mas, mesmo tendo quase todas as semanas a muito humana experiência de
me incomodar ou até irritar com pontos de vista que leio – por os achar
limitados ou agressores em excesso dos meus preconceitos e posicionamentos –,
até aí consigo ver um exercício de salutar confronto com o que é humano e que
não se limita ao que sou, ao que me é confortável ou ao que me apetece
(preguiçosamente) conhecer.
Encontrar tempo para ler a Sábado é importante.