quinta-feira, junho 22, 2006

Blogues, Causa Liberal, etc. e tal (uma segunda despedida)


Parece-me evidente que os blogues não têm condições para serem veículos de debate intelectual sério. O tipo de escrita e de leitura que neles se faz tem um ritmo incompatível com o tempo da reflexão sobre o que se lê e sobre o que se escreve. Quando aí se fala sobre questões sérias, há uma tendência muito grande para se escrever num tom contundente, exibir-se conhecimentos que se não tem e querer a morte súbita do adversário que cria ruído no meio à passagem do nosso monólogo.

Vem isto a propósito da minha recente saída da Causa Liberal (CL), associação que nos últimos anos se foi esvaziando por obra e graça da atracção pelos blogues. O pouco tempo disponível, depois dos compromissos profissionais ou académicos, que no início havia para conversas ao jantar, discussões na lista interna e redacção de "papers", foi sendo absorvido pelo imediatismo da escrita constante, rápida e pública dos blogues. Isso já era fatal para a CL por duas razões: primeiro, porque o ritmo da blogosfera politicamente comprometida e organizada em blogues colectivos não precisa de associações como a CL; depois, porque o tempo requerido pelo blogue é um concorrente na utilização do tempo escasso que sobra das obrigações profissionais (ou académicas). Neste caso, o facto do próprio blogue da associação não ter sido o veículo daquela atracção, eventualmente tornando públicas as discussões da lista interna, não deu hipóteses à CL. Era difícil que assim acontecesse. O único propósito que o blogue da CL poderia ter era esse de publicar o debate interno. Mas, ao mudar-se o meio desse debate, da lista interna (que se manteve) para o blogue, os próprios focos de interesse mudaram, juntamente com o ritmo e a postura dos intervenientes. Ninguém fala (ou escreve) da mesma maneira com ou sem audiência. Nem o debate se podia manter no rumo de discussão interna do liberalismo quando o blogue começa a interagir com críticos de fora e se começa a ver como prioritário responder-lhes e polemizar. A tendência passa a ser a da concordância geral interna ao blogue, que responde em bloco para fora. Isso não era possível com os membros iniciais da CL, que discordavam em coisas suficientes para inviabilizar tal comportamento. Logo, o blogue da CL não funcionou e cresceram, com membros da CL, realidades como o Blasfémias e, depois, o Insurgente. O da CL foi-se tornando no blogue pessoal do "resistente" Carlos Novais, com colaboração esporádica de outros membros. Entretanto, o sítio da CL deixou de ter artigos frescos (excepto alguns postes tornados artigos à força ou um ou outro texto antigo para o efeito reciclado) e a lista interna deu sinais idênticos de fraca actividade. Para os economistas, nada que a teoria económica não explicasse (ou permitisse prever).

Como perguntava o bandido Lenine, "que fazer?" Quanto à CL, tomei a decisão que me parece mais lógica, até de um ponto de vista estritamente económico: a oferta não responde à minha procura de conversa entre liberais e, nessa ponderação, as quotas resultam demasiado altas. Quanto à blogosfera, continuando em linguagem económica, eu já diversificara os meus investimentos: no seguimento das minhas próprias dúvidas existenciais enquanto membro da CL, o L&LP foi uma brincadeira e uma experiência (pessoal com aparência de colectivo) para dirimir as minhas dúvidas em relação a este meio – fui céptico desde o início, quando, numa reunião em Coimbra, pela primeira vez se falou em dotar a CL de um blogue.

Pois bem, esta brincadeira foi engraçada, mas acabou – ou acaba aqui. Teria alguma viabilidade como coisa mais pessoal, para ser lida pelos amigos – mas é, para isso, demasiado pública. Já para expor os meus tipos muito particulares de cristianismo e de liberalismo terá alguma utilidade (aí fica, consultável), mas, como concorrente do meu escasso tempo livre pessoal, seria insuportável. É que a regularidade já várias vezes se ressentiu e, como alguém comentava após a primeira suspensão, o blogue é como os bebés – requer constante atenção e alimento...

O outro investimento, que responde por um nome arrepiantemente jacobino, mantém a viabilidade: permite a colaboração muito esporádica e não tem de responder às minhas expectativas de liberal (que regressam à sua intimidade original). E assim espero reencontrar mais um pouco de tempo para investir – se bem que mais introspectivamente – no processo demorado da reflexão, a que me referi no início.

(Nota: desta vez, Lewis Walker também vota a favor.)

terça-feira, junho 06, 2006

Subscrevo

"Jogo pelos professores", por Vítor Serpa ("A Bola", Sábado 3 de Junho)

OS professores andam em pé de guerra. Como os professores são normalmente distantes uns dos outros, os seus pés de guerra andam por aí semeados como pés de salsa, espalhados pelo País. De norte a sul. Os professores estão descontentes. Com a vida que lhes corre mal, porque ninguém os valoriza; com os colegas, que só se interessam por resolver a sua vidinha; com os alunos, que os desconsideram e maltratam; e, acima de tudo, com o Governo da nação, que os desvaloriza, os desautoriza e os desmoraliza. Nunca fui um estudante fácil e sabia que um professor desautorizado era um homem (ou uma mulher) morto na escola. Não quero dizer fisicamente mas profissionalmente. Como sempre fui bom observador, conhecia de ginjeira os professores fortes e os professores fracos. Os fortes resolviam, por si próprios, a questão. Alguns pela autoridade natural do seu saber e da sua atitude, outros de forma menos académica. Os fracos eram defendidos pelos reitores. Ir à sala de um reitor era, já por si, um terrível castigo. Mas bem me lembro que professores fracos e fortes, bons e nem por isso, se protegiam, se defendiam e se reforçavam na sua autoridade comum. Já nesse tempo se percebia que tinha de ser assim, porque, se não fosse, os pais comiam-nos vivos e davam-nos, já mastigados, aos filhos relapsos. E isso a escola não consentia. Os pais, dito assim de forma perigosamente genérica, sempre foram entidades pouco fiáveis em matéria de juízo sobre os seus filhos e, por isso, sobre quem deles cuida, ensina e faz crescer. Os pais sempre foram o pavor dos professores de natação, dos técnicos do futebol jovem, dos animadores das corridas de rua. Os pais, em casa, acham os filhos umas pestes; mas na escola, no campo desportivo, no patamar da casa do vizinho, acham os filhos virtuosos e sábios. Os pais são, individualmente, insuportáveis e, colectivamente, uma maldição. Claro que há pais... e pais. E vocês sabem que não me refiro aos pais a sério, que são capazes de manter a distância e o bom senso. Falo dos outros, dos pais e das mães que acham sempre que os seus filhos deviam ser os capitães da equipa e deviam jogar sempre no lugar dos outros filhos. O trágico disto tudo é que são precisamente esses pais os que, na escola, se acham verdadeiramente capazes de fazer a avaliação, o julgamento sumário dos professores dos seus filhos, achando que eles só servem para fazer atrasar os seus E insteinzinhos. Por isso eu aqui me declaro a favor dos professores. Quero jogar na equipa deles contra a equipa dos pais e ganhar o desafio da vida real e do futuro deste país contra o desafio virtual dos pedagogos de alcatifa.