sexta-feira, dezembro 02, 2005

Recordar uma desgraça de há duzentos anos


LAS de novo no blogue da Causa Liberal:

Passam hoje duzentos anos sobre a vitória de Napoleão na batalha de Austerlitz. Com a derrota dos exércitos austríaco e russo, o tirano francês construía um perigoso domínio continental. Perigoso para pequenos países como Portugal, que dependiam de um equilíbrio de forças entre as grandes potências do continente para preservarem algum grau de autonomia. Perigoso para o Reino Unido, que sempre viu, e justamente, numa potência continental hegemónica a maior ameaça à sua própria liberdade. Depois destes trágicos acontecimentos de há dois séculos, a difícil posição portuguesa foi-se tornando insustentável e a invasão do nosso país uma questão de tempo, como provou a insuficiência das garantias que o príncipe regente português deu a Napoleão mais tarde para satisfazer as ambições de domínio do biltre corso.

As semelhanças da Europa nestes dias negros que se seguiram a Austerlitz com a Europa dos dias em que Hitler, já senhor de quase todo o continente, se tornou uma ameaça semelhante para o Reino Unido (e para países como Portugal) são evidentes. Das duas vezes, duas tiranias sanguinárias quiseram criar na Europa uma "ordem nova" que não era compatível com as independências e autonomias históricas. Das duas vezes Portugal teve a sorte de ser governado por estadistas que percebiam claramente que a sobrevivência da nossa autonomia era ameaçada pela hegemonia continental que se impunha na ponta das baionetas ou nas lagartas dos tanques e que, pesasse embora a necessária procura de não nos envolvermos directamente nas hostilidades, os nossos interesses estavam com os do Reino Unido (e, depois, da potência marítima que o substituiu, os Estados Unidos).

Nas duas épocas houve entre nós simpatizantes dessas tiranias, candidatos a uma colaboração com o adversário em nome da excelência da "ordem nova" e que tiveram de ser apaziguados por um governo bem mais frágil do que se julga hoje.

Mesmo assim, na época da tirania napoleónica, não foi possível evitar que a guerra cá chegasse. Morreriam 250 mil portugueses na sequência das invasões francesas (numa população de três milhões de pessoas). Mulheres sem conta foram violentadas. E o país foi literalmente saqueado. Os candidatos a colaboradores tiveram a oportunidade de servir o tirano e aprenderem, à custa do sofrimento alheio, que se haviam enganado. O poder legítimo foi depois magnânimo no perdão que lhes estendeu e que no início os próprios estariam muito longe de querer usar em sentido contrário.

Em 1805, os portugueses tinham razão para estarem apreensivos com o que se passou em Austerlitz.

LEWIS WALKER

quarta-feira, novembro 30, 2005

Sim, estou de volta, não exactamente como um filho pródigo. Espero.


A tartaruga e o hipopótamo. A nova versão do leão e do cordeiro, de Isaías. Porque é nas pequenas coisas que se saboreia, por antecipação, o Reino de Deus.

O CRISTÃO INDIVIDUALISTA

terça-feira, novembro 29, 2005

A propósito da laicidade nascida em 1910...


LAS, no blogue da Causa Liberal (que, by the way, continua com problemas):

A propósito da laicidade que agora se discute na blogosfera, convém não dar como adquiridas algumas falsas "verdades históricas". De facto, antes de 1910, em Portugal, não se toleravam outras religiões apenas aos estrangeiros. Também os portugueses tinham liberdade de culto e, graças às outras liberdades civis existentes (de associação nomeadamente), podiam organizar-se em grupos religiosos diferenciados. Existiam igrejas protestantes de portas abertas, com escolas e jornais. Portugal não precisava na altura da laicidade que a República trouxe, bastaria ter consolidado juridicamente a tolerância já praticada em relação às minorias religiosas (que, por exemplo, já tinham direito ao registo civil integral desde 1878), como se fez no Reino Unido, onde a ampla tolerância convive com um estado confessional bem melhor do que em França com um estado laico (aliás, por cá, em 1910, a laicidade foi um retrocesso que levou, por exemplo, ao encerramento das escolas protestantes).

Algumas reflexões adicionais sobre a laicidade nascida em 1910. Uma ilusão de óptica muito comum na memória histórica portuguesa é pensar-se que a República trouxe a "modernidade" em termos de relação entre o Estado e a religião. Nada mais errado. Apesar de em Portugal, até 1910, o Estado ser confessional e minorias como a protestante serem toleradas, mas não poderem constituir-se como pessoas jurídicas, o essencial da separação (a liberdade de consciência, de culto público e de associação) já estava garantido desde pelo menos o reinado de D. Luís I. Não se fez uma lei explícita de liberdade religiosa porque essas minorias identificadas como "religiosas" eram ínfimas, pequeníssimas, microscópicas, e foram vítimas mais de esquecimento que de intolerância. As verdadeiras minorias religiosas no Portugal anterior a 1910 eram as das religiões seculares (as "religiões políticas" no dizer de Voegelin): o positivismo académico e os associativismos republicano e socialista, que eram constelações de clubes, jornais, tipografias, associações cívicas e até de centros escolares. Para esses, ninguém falava da necessidade de liberdade porque já era o que tinham desde a segunda metade do século XIX, ao ponto de terem consigo uma parte muito considerável da opinião pública. Ora, longe de ser a vitória de um Estado neutro em matéria religiosa e de uma igualdade de situação entre as confissões, a famosa "laicidade" triunfante em 1911 (na sequência da mudança de regime em 1910) foi a imposição da "religião cívica" do partido republicano ao conjunto da sociedade, com um controlo político e administrativo sobre as restantes realidades (sobretudo a numericamente mais relevante, a Igreja Católica) muito mais pesado e intenso do que durante a monarquia constitucional foi alguma vez imposto a qualquer confissão, tanto a "oficial" (por sinal, bastante vigiada pelo poder civil a coberto da tradição regalista) quanto as "outras". Sobre isto, é aconselhável uma tese recentemente saída em Coimbra (orientada pelo grande especialista na matéria, Prof. Fernando Catroga), de Maria Lúcia Brito Moura ("A Guerra Religiosa da República", Editorial Notícias).

LEWIS WALKER

sexta-feira, novembro 25, 2005

Meio viva ao 25 de Novembro


Passam hoje trinta anos sobre o 25 de Novembro de 1975. A correcção do "processo revolucionário em curso" num sentido ordeiro e constitucionalizado triunfava enfim. Mas nada de entusiasmos. Basta ler o discurso de Pinheiro de Azevedo na manifestação de apoio ao VI Governo Provisório, no Terreiro do Paço, a 11 de Novembro daquele ano, para se perceber que "moderados" eram aqueles que triunfariam a 25. Socialistas até à medula. Foi bom que triunfassem porque eram o mal menor naquela circunstância. Mas eram (e foram) um grande mal menor para o País. Quando se compara o estado do debate (ou da luta) de ideias políticas em Portugal naquele ano com, por exemplo, a política portuguesa cem anos antes, podemos convencer-nos de uma coisa: a regressão civilizacional é possível.

sexta-feira, novembro 04, 2005

DECLARAÇÃO

O L&LP fica suspenso a partir de hoje, dada a falta de disponibilidade, assunto e acolhimento público já verificados. LAS poderá ser encontrado ocasionalmente aqui e Lewis Walker, que votou contra a decisão principal desta declaração, poderá quebrar a suspensão de L&LP sempre que o entender (porque a democracia por aqui conhece limites). Na despedida, como no início, deixamos o versículo 1.º do capítulo 5.º da epístola de São Paulo aos Gálatas. Porque isto permanece.

LAS
Edmundo Buarque
O Cristão Individualista
Lewis Walker (vencido)

quarta-feira, outubro 26, 2005

A oportunidade e a missão do CDS ante a crise nacional que se avizinha

O diagnóstico feito pelo Prof. Medina Carreira sobre o estado do País não tem sido nem pode ser contestado. E, desse diagnóstico, parece evidente que caminhamos a passos largos para uma grave crise nacional, de cujo advento não está ainda consciente a grande maioria dos Portugueses (Público, 25 de Outubro - ver aqui). Há quem espere que o meio político, no seu conjunto, desperte para este estado de coisas e passe a explicar ao País as causas da crise e as necessárias medidas para lhe fazer face; há ainda quem espere um homem providencial, por exemplo no palácio de Belém, para desempenhar o mesmo papel. É pouco provável que qualquer destas coisas venha a acontecer.

No primeiro caso, o cenário mais provável seria a formação de um novo "bloco central", unindo os dois maiores partidos (PS e PSD), já depois de convencidos das causas da crise e das necessárias reformas para a debelar; que esta possibilidade terá concretização muito difícil, explicar-se-á a seguir. No segundo caso, um presidente desperto para a necessária reforma do Estado teria sempre de contar com a boa vontade do parlamento, dos partidos maiores e do governo para poder agir com eficácia – o que parece tornar claro que esta via não tem autonomia para garantir ao País aquilo de que ele precisa.

Ora, um ponto central da exposição do Prof. Medina Carreira é que existe hoje em Portugal aquilo que ele denomina um "Partido do Estado" – os 55% da população que vive do Orçamento Geral do Estado (OGE): funcionários públicos, pensionistas, subsidiados e familiares destes três. Esta gigantesca rede clientelar opor-se-á compreensivelmente às reformas necessárias ao saneamento financeiro do Estado ou fará tudo para as travar – mesmo eleitoralmente, claro. Por esta razão, os dois partidos de vocação maioritária (PS e PSD) estarão praticamente impossibilitados de defender a radicalidade da necessária reforma do Estado ante a inevitável crise financeira. Defender essa reforma, implicando alienar uma parte enorme do denominado "Partido do Estado", é um preço demasiado alto: ambos os partidos recearão entregar a representação do "Partido do Estado" ao adversário.

Parece também evidente que os restantes partidos ditos de "esquerda" (PCP e BE) não têm outra vocação (nem horizonte ideológico) que não seja representar o "Partido do Estado".

Podemos, pois, estar perante um perigoso bloqueio do sistema político ante a crise iminente. Pelo que parece ser prudente, para já, ter em consideração estes dois aspectos:

1. É fundamental que os actores políticos não fiquem todos à espera uns dos outros para a necessária reacção à crise que se avizinha.

2. É altamente aconselhável que se organize, desde já, uma forte corrente de opinião favorável à necessária reforma do Estado e, nomeadamente, à substancial redução da despesa pública.

Pelas razões expostas, depreende-se que o CDS é o único partido constitucional que poderia assumir a defesa da redução da despesa pública e a representação dos que não pertencem ao "Partido do Estado". O CDS, não tendo vocação maioritária nem um largo eleitorado sociologicamente consolidado, poderia arriscar a assunção de posições que não colhem o apoio desses 55% de portugueses dependentes do OGE. O CDS não teria ainda as dificuldades ideológicas que, para isso, impedem os partidos de orientação socialista de assumir essa dupla função política.

O CDS dever-se-ia assumir como o partido da sociedade civil (por oposição ao "partido do Estado"), da redução da despesa pública e da safety net (por oposição ao welfare state). O CDS dirigir-se-ia, assumidamente, aos 45% da sociedade portuguesa que não pertence ao "Partido do Estado" e que será a mais prejudicada pela crise nacional que se avizinha.

E o CDS encontraria assim a causa distintiva e identificadora capaz de o tornar indispensável à vida política do País e de fazer crescer substancialmente a sua base eleitoral de apoio.

O CDS depois das autárquicas

"Esquecemo-nos" no L&LP de fazer alguma reflexão sobre o resultado das eleições autárquicas. Começou por ser falta de tempo para isso... Em Lisboa, Maria José Nogueira Pinto teve um resultado pior do que esperávamos, mas conseguiu ser eleita vereadora e, provavelmente, integrará o executivo de Carmona Rodrigues (PSD), a quem dará assim a maioria absoluta na Câmara. É positivo. Quanto à freguesia de Santa Isabel, os resultados foram mais do que suficientes para levar a Dra. Margarida Pardal à assembleia de freguesia. Parabéns. Os resultados nacionais do CDS foram maus. O problema tem claramente a ver com a fraca liderança actual. O CDS precisa de rumo, de duas ou três ideias fortes (que tal querer representar os 45% de portugueses que, nas palavras de Medina Carreira, não fazem parte do "Partido do Estado", sem ter como objectivo conquistar os outros 55% - é que é o único partido que se pode colocar esse objectivo); para fazê-lo, tem de reassumir, claramente, como a casa comum de liberais, conservadores e democratas-cristãos.

Tolkien e presidenciais


Porque será que quando me falam de candidatos presidenciais me ocorre logo este livro de Tolkien?

O Fed igual a si mesmo...


O novo homem forte do Fed, Ben S. Bernanke, já discursou e já mostrou, como seria de esperar, que vê como sua missão suprema o combate pela estabilidade dos preços (não, repare-se, a estabilidade da moeda). E já disse que, na perspectiva de uma deflação se avizinhar, entende como sua função... inflacionar! No tempo curto, acelerar e travar a fundo, não é a função mais permanente de um banqueiro central? E no tempo longo? Bom, para quem acredita (e não é só uma questão de crença) que o movimento da civilização se nota numa baixa progressiva dos custos de produção e dos preços reais, as pessoas com a profissão do senhor Bernanke aparecem-lhe como poderosíssimos travões a esse movimento civilizador...

Enorme, triste, nojenta demagogia...


Porque a demagogia não dorme... nem é já muito criativa!

Para o caso de ainda não terem percebido a gravidade da situação nacional...

Prof. Henrique Medina Carreira ("Público")

NO FIO DA NAVALHA

Terça-feira, Outubro 25, 2005

"Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável." (Séneca)

1. A nossa crise aí está, cada vez mais complexa, mais demorada e mais perigosa. Tenderá a agravar-se enquanto os “optimistas profissionais” não entenderem que o mal não é o pessimismo, mas o atraso; não é a desconfiança, mas os embustes; não é a descrença, mas a incompetência; não são os défices, mas a inviabilidade de viver à custa alheia; não é a falta de desenvolvimento, mas o conservadorismo que o bloqueia; não são as ideias, mas as palavras; não são os males do mundo, mas a nossa incapacidade para vencer os próprios.
As crises do Estado e da economia, entre todas, têm especial relevância e arriscada repercussão. Daremos um decisivo passo em frente quando os portugueses tomarem “[...] consciência deste estado, porque as políticas só serão possíveis com consenso social [...]”. E que “é preciso dizer a verdade, não histórias”, como sensatamente sublinha Andrea Canino (1).

2. A crise do nosso Estado é, antes de mais, política. Um regime quase parlamentar vale o que valerem os princípios e a prática dos principais partidos. Em Portugal, eles estão agora dominados por um clientelismo devorador que a tudo antepõe o objectivo da “ocupação” do Estado porque, só neste, se dispõe de tantos empregos, de tantas oportunidades e de tantas influências. Os demais partidos, sem horizontes próximos de assunção de responsabilidades, garantem ou insinuam, em geral, a existência de uma capacidade do Estado, para dar ou para fazer, que oscila entre uma confrangedora ingenuidade e um descarado embuste. Portanto, fora do arrivismo, do negocismo, da fantasia ou do sofisma, vai-se reduzindo perigosamente o espaço para a verdade e para a acção política séria.
A democracia, assim, é um engano e em breve será uma terrível desilusão.

3. O clientelismo partidário encontra um aliado decisivo no “Partido do Estado”. Sem este não há votos suficientes, sem votos não há “ocupação” do Estado e sem esta “ocupação” não há distribuição de benefícios. Isto é: sem os favores de grande parte dessa multidão de mais de cinco milhões de portugueses - políticos, funcionários, pensionistas, subsidiados e familiares -, detentores de mais de 55% dos votos do eleitorado, nenhum partido pode hoje governar em Portugal. Por isso, nas campanhas eleitorais silencia-se, distorce-se ou dissimula-se a verdade da nossa situação para tranquilizar os membros do “Partido do Estado”. Atingido o Governo, logo se procura o pretexto da “alteração das circunstâncias” em vista da imposição de medidas impopulares que, embora insuficientes, teriam alterado o sentido da votação se fossem ditas na campanha eleitoral.
Os resultados desta traficância são fatais: o descrédito dos políticos e a ausência de reformas essenciais. Legislatura após legislatura, vamos caindo para níveis que não eram sequer pensáveis.

4. O produto interno bruto português cresceu 80% (1960-70), 57% (1970-80), 43% (1980-90) e 30% (1990-2000); 4% entre 2000 e 2005 (2). E hoje a sua evolução está muito condicionada pelo volume do crédito externo que formos obtendo: como adverte Silva Lopes (3), se este atingir limites muito mais apertados que os actuais “negras nuvens pairarão sobre o crescimento da economia nacional”. No curto e no médio prazo teremos uma economia rastejante e, em boa medida, nas mãos dos financiadores internacionais.

5. É também muito grave a crise financeira do Estado. A queda prolongada da economia, a expansão descontrolada das despesas, o envelhecimento demográfico e a insuficiência relativa da arrecadação fiscal colocaram-nos na situação financeira pública mais desesperada de toda a UE/15.
Efectivamente, foram estes os crescimentos reais (1960-2005): do Pib, 5,5 vezes; dos impostos, 13,8 vezes; da despesa pública primária, 15,5 vezes. Por isso, o défice fiscal em relação a esta despesa apresenta uma forte tendência para o agravamento: -1,2 pp. do Pib (1960); -2,5 pp. (1990); e –8 pp. (2005), embora a carga fiscal, equivalente a cerca de 55% da média europeia, nos anos sessenta, tenha subido para quase 95% em 2005. Um Estado constitucionalizado na dependência implícita de uma economia que crescia quase 80% numa década (1960-70), não tem suporte económico e financeiro quando ela se queda nos 4% num lustro (2000-2005) e enfrenta ainda um acelerado envelhecimento demográfico. É isto, nomeadamente, que não permite falar com seriedade de “alteração das circunstâncias”, perante uma tendência continuada e sempre agravada que atravessa mais de três décadas.

6. Crise económica e crise financeira do Estado, em especial, determinam a pouco referida crise da social-democracia / socialismo democrático. De facto, sem perspectivas favoráveis, no curto e no médio prazo, a economia portuguesa já não suporta, e não suportará, uma política redistributiva do rendimento e da riqueza (4); nem aproximará a taxa de ocupação da mão-de-obra do pleno emprego; nem assegurará, responsavelmente, o futuro de um Estado Social que pretenda garantir tudo a todos; nem um sindicalismo actuante porque, “contra” os privados, teme as falências e as “deslocalizações”, e “contra” o Estado ataca verdadeiramente os contribuintes, que são as únicas vítimas do “Partido do Estado”. Além da medíocre economia que temos, o Estado português, na Zona Euro, não pode ser intervencionista: sem moeda já não tem política monetária, nem cambial próprias; não tem fronteiras nem alfândegas; não tem autonomia orçamental; e não pode controlar a circulação dos capitais. Neste contexto, as políticas e os objectivos da social-democracia/socialismo democrático, que a grande maioria dos portugueses prefere, caminham para o esgotamento.

7. De resto, ainda não se entendeu bem, entre nós, que “[…] as principais baixas políticas das crises do capitalismo na Europa Ocidental haviam de ser os partidos da esquerda […], ao passo que os seus maiores êxitos se verificaram durante os trinta gloriosos anos de crescimento capitalista (1945-75) – a Era Dourada do Capitalismo” (5). Na verdade, sem uma economia próspera é uma pura estultícia prometer a redistribuição, o pleno emprego, a solidez do Estado Social que dá tudo a todos e a intervenção consistente do sindicalismo. Ao menos como modelo nacional e no mundo actual, a social-democracia está a caminho da irrelevância completa. É isto, muito claramente, que coloca o problema económico no cerne de todas as preocupações em alguns países da UE.

8. A abertura das economias através da UE/15, do “alargamento” e da liberalização do comércio mundial é a novidade e o embaraço. Neste novo e enorme mercado, e sem capacidade competitiva, nem vendemos em Portugal o que aqui poderíamos produzir, nem exportamos porque outros são os preferidos: as nossas produções acabam por desaparecer se não conseguirmos competir melhor ou se o mundo não voltar para trás.
Em face disto, há quem pense, como Mário Soares (6), que “os socialistas têm que estar conscientes de que hoje é indispensável mudar a ordem das coisas no mundo, sem o que os seus ideais deixam de ter sentido”. É correcta esta percepção quanto ao futuro da social-democracia, como a conhecemos, num espaço comercialmente aberto e com livre circulação dos capitais. Mas é muito arriscado esperar que mude a “ordem das coisas no mundo”, para viabilizar a social-democracia, porque poderá não acontecer. É por isso que, se não formos capazes de promover a nossa própria mudança, nos restará o estatuto de modestos serviçais dos europeus. Resumindo: mudar é a condição da sobrevivência, conservar será o nosso suicídio. Esta é a escolha que se coloca aos portugueses.

9. A modificação mais urgente e mais difícil, mas ao nosso alcance, é a do Estado, porque não haverá meios, na próxima década, para alimentar o desvario despesista dos últimos anos. Pese embora a circunstância de sermos um dos países mais pobres da UE/15 (Quadro anexo–col.1), excedemos todos os outros na evolução de índices fundamentais relativos às finanças públicas (Quadro anexo): na carga fiscal (+ 8,4 pp. do Pib – col.2); na despesa corrente (+ 4,7 pp. – col.3); na despesa corrente primária (+ 10 pp. – col.4); nas despesas de protecção social (+ 8,2 pp. – col.5); nas pensões (+ 3,7 pp. – col.6); e na fracção dos impostos aplicados na protecção social (+ 18 pp. do NF - col.7) (7). Uma tão desatinada evolução financeira – verdadeiramente ruinosa e sem paralelo europeu - constitui em muito o resultado do “optimismo profissional” e inconsistente dos responsáveis, e da maldição que sempre nos persegue, e que é o “ódio nacional” aos números, às contas, ao rigor e à responsabilidade, quando está em causa a gestão dos dinheiros públicos.

10. O Quadro anexo evidencia assim o insuportável ritmo da evolução das despesas correntes primárias e, nelas, das da protecção social, onde as pensões assumem grande importância. Os países que aí nos seguem imediatamente, a Alemanha e a Grécia, situam-se a uma distância enorme: -6,1 pp. (despesa corrente primária - col.4), -3,1 pp.(despesa de protecção social - col.5), e -1.8 pp.(pensões - col.6). Porque não vislumbramos condições para uma próxima e suficiente prosperidade económica, resta apenas o caminho das reformas urgentes, drásticas e com efeitos num prazo útil, isto é, da ordem dos cinco anos: são uma condição necessária, embora insuficiente, para evitar o colapso financeiro do Estado.

11. Fixemos o quadro fundamental e factual seguinte:
1.º - Que a nossa economia, no longo prazo, apresenta um inexorável declínio;
2.º - Que, no médio prazo, tenderá a manter-se esta mediocridade, nomeadamente, devido: ao nosso endividamento e à dependência financeira externa; à falta de competitividade; aos custos elevados do petróleo; ao “alargamento” e às suas consequências; à penetração dos produtos chineses; à estagnação das principais economias europeias; e à ausência de investimentos estrangeiros;
3.º - Que a iniquidade do nosso sistema fiscal não tem impedido arrecadações que já excedem as expectativas, em comparação com a UE/15;
4.º - Que, sendo estes os muito prováveis limites económicos e financeiros, nos próximos anos, a consolidação orçamental dependerá das políticas de despesas, em que avultam as do pessoal e as prestações sociais (80% da despesa corrente primária, em 2004);
5.º - Que, consequentemente, terá de ir-se muito mais longe do que se foi, até agora, quanto àquelas políticas, o que só será possível modificando os regimes em vigor e os “direitos adquiridos”, face à verdadeira “alteração das circunstâncias”;
6.º - Que só uma nova e próxima prosperidade económica, inverosímil em prazo útil, poderia evitar ou atenuar a rudeza do que se impõe fazer;
7.º - Que a improbabilidade manifesta de êxito da política de espera pela “mudança do mundo” não consente, responsavelmente, mais tergiversações e delongas.

12. O que é imperativo que se faça, sob pena da nossa devastação pelo livre comércio mundial e pelo peso insuportável do Estado, exige a adesão e a unidade consciente da sociedade. E esta só será conquistada perante a verdade completa da nossa situação, enunciada pelos mais altos responsáveis políticos.

Notas:
(1). Jornal Público, 6.Out.2005.
(2). Nos últimos anos: 1998 - +4,7%; 1999 - +3,8%; 2000 - +3,7%; 2001 - +1,8%; 2002 - +0,4%;2003 - -1,1%; 2004 - +1,1%.
(3). A economia portuguesa no século xx, ICS/2004, p. 125.
(4). Dificuldade agravada pelos altos níveis fiscais já atingidos, pela competitividade fiscal internacional e pela livre circulação dos capitais.
(5). Donald Sassoon, Cem anos de socialismo, Vol. I, p. 21.
(6). Mário Soares e Sérgio Sousa Pinto, Diálogo de Gerações, Temas & Debates/2004, p. 59.
(7). Os resultados recentes das contas públicas só não são mais desastrados porque, nos anos 90, os impostos se comportaram positivamente, os fundos europeus atingiram os 45 000 milhões de euros, as privatizações renderam 17 000 milhões de euros (dos quais 10 000 milhões amortizaram a dívida pública) e o peso dos juros caiu o equivalente a quase a 6 pp. do Pib. Este conjunto de circunstâncias favoráveis são irrepetíveis nos próximos anos.

sexta-feira, outubro 21, 2005

Aqui não temos candidatos presidenciais


Parece que estão formalmente anunciadas todas as candidaturas à "presidência da república". Felicidades aos próprios e aos seus apoiantes, mas o assunto passa-nos ao lado. Aqui, senhores, temos um PRÍNCIPE REAL.

Leitura obrigatória


A Causa Liberal e a editora Espírito das Leis já puseram nas bancas a tradução portuguesa da introdução à Escola Austríaca pelo Prof. Jesús Huerta de Soto. É uma leitura fundamental para quem se interessa por economia porque permite descobrir o que por essa área do saber fizeram Carl Menger, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, entre outros. O livro permite igualmente entender a realidade económica de uma perspectiva conceptual e não econométrica, traço distintivo da Escola Austríaca e razão da sua solidez teórica e metodológica. A ler já. Compre ou encomende numa livraria perto de si. Ou contacte a Causa Liberal.

quinta-feira, setembro 29, 2005

Zezinha é a pior porque não é Ayn Rand...

O My Guide to your Galaxy comentou declarações de Maria José Nogueira Pinto sobre o realojamento de pessoas num "bairro social" na Musgueira (Lisboa), para concluir que a candidata do CDS à presidência da Câmara Municipal da capital se "contradiz". É que, apesar de Maria José Nogueira Pinto ter corajosamente criticado a auto-vitimização e a cultura da dependência de alguns realojados (seus potenciais eleitores, veja-se), a candidata alegadamente contradiz-se porque continua a advogar políticas municipais favoráveis à "habitação social". É verdade que todos os candidatos apoiam essas políticas, mas apenas ela criticou agora a mentalidade do dependentismo doentio da população, que é a verdadeira base "democrática" dessas políticas. Mas como Zezinha não foi Ayn Rand, defendendo pura e simplesmente (como aqui se defende) o fim daquelas políticas, é ela a escolhida para ser apontada e criticada. É o típico parti pris contra os candidatos do CDS. São os menos socialistas de todos e são aqueles que alguns liberais têm especial predilecção de eleger para "bater"... Incrível!

terça-feira, setembro 27, 2005

A melhor para Lisboa


Começou a campanha para as eleições autárquicas. Em Lisboa, há uma excelente candidata à presidência da Câmara Municipal. Mesmo que não ganhe, como merecia, dará uma excelente vereadora à cidade. L&LP relembra o seu apoio à lista apresentada pelo CDS e encabeçada por Maria José Nogueira Pinto. NÃO HÁ MOTIVOS PARA VOTOS OU ABSTENÇÕES DE PROTESTO QUANDO TEMOS ESTA CANDIDATA E ESTA LISTA.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Reflexão sobre as "Noites à Direita"

Assisti ontem ao "Noites à Direita" no Teatro São Luiz, com António Mega Ferreira, Pedro Mexia e Rui Ramos. O projecto, como está anunciado desde o início ("Noites à Direita – Projecto Liberal"), despertou-me alguma desconfiança, por achar que os liberais não devem perder tempo com as noções de esquerda e de direita, que me parecem incompatíveis – e justapostas – às de liberalismo e iliberalismo. Julgo poder dizer que a noite de ontem confirmou as minhas suspeitas.

Dividir a política em esquerda e direita tem as consequências ontem observadas de ter o fascismo e o comunismo arrumados em campos antagónicos, tal como os liberais, para o efeito separados em "liberais de esquerda" e "liberais de direita". O absurdo foi parcialmente reconhecido pelos oradores, quando disseram que se identificavam mais com os "liberais" do outro lado do que com os "totalitários" do "seu" lado… Ora, o que se pergunta é: então, para que servem as designações de "esquerda" e "direita"?

Acabado de ler um livro de Richard Overy sobre o nazismo e o comunismo estalinista, no qual são patentes as suas enormes semelhanças e a comum rejeição radical do liberalismo, pergunto também: como é possível, perante isso, separá-los por uma linha divisória que divide também o liberalismo? E que semelhanças existem entre "liberais" e "totalitários" de esquerda? Ou "liberais" e "totalitários" de direita?

Os liberais, se o são realmente, deveriam estar preocupados em debater o liberalismo, não a "esquerda" e a "direita". Deveriam, por exemplo, aprofundar a proposta hayekiana de contrapor as tradições do iluminismo anglo-saxónico e do iluminismo continental. Nessa contraposição, muito mais fecunda, descobririam um método muito mais eficaz para clarificar a auto-reflexão de que o liberalismo está precisado. O caminho das "Noites à Direita" só enredará o liberalismo em caminhos que não são os seus.

quarta-feira, setembro 21, 2005

MAPAS HISTÓRICOS



Israel sob David e Salomão (c. 1000-925 a. C.)

A Grécia em 431 a. C.

Atenas e Roma na Antiguidade

O Império Romano em 395 d. C.

Comércio asiático na Idade Média

A Europa em 1560

Portugal Continental em 1808 carta militar

O Rio de Janeiro em 1867

Caminhos de ferro em Portugal 1895

A Europa em 1911

O Império Austro-Húngaro em 1911

Jerusalém em 1912

MH

José do Carmo e L&LP sobre condição militar

COMENTÁRIO DE JOSÉ DO CARMO:

Os militares não têm a capacidade de reivindicação reconhecida a qualquer outro grupo profissional porque se parte do princípio que estão protegidos pelo sistema do “dever de tutela”.
Ora o “dever de tutela”, é uma variante de despotismo esclarecido, que se baseia no pressuposto iluminista de que os chefes, a todos os níveis, nortearão sempre a sua acção pela salvaguarda dos interesses dos seus subordinados.
Teóricamente é um sistema perfeito.
Só que, como todos os sistemas perfeitos, esbarra na complexidade da natureza humana. Necessita de chefes ideais e autênticos homens novos, do género daqueles que deveriam integrar as sociedades utópicas dos amanhãs que cantam.
Mas, na prática, cada chefe é também um indivíduo com os seus próprios problemas , desejos e ambições muitas vezes divergentes dos interesses dos seus tutelados.
E em concreto, na nossa organização militar, os chefes militares são nomeados por exclusivos critérios de confiança política.
Devem pois lealdade a quem os escolhe e nomeia. E ainda que surjam alguns dilemas éticos, a maioria, quando na charneira de um conflito entre aqueles a quem devem lealdade e aqueles cujos interesses devem tutelar , tenderá, humanamente a conciliar as coisas, colocando uns o amor a el-rei acima do bem dos homens, outros ficando de mal com el-rei por amor dos homens. Ora a natureza darwinista do processo de ascenção numa organização deste tipo, facilmente nos faz perceber o que vai paulatinamente acontecendo aos segundos, pelo que no topo surgirão apenas os que tendem a “estar de bem com El-Rei”.
Ora se os homens do topo não defendem “bem” os interesses profissionais dos seus subordinados, e estes também não o podem fazer, quem levará a cabo tal tarefa, num país onde as elites cultivam uma atitude dita “anti-militarista”, ostentando com orgulho currículos onde a fuga “à tropa” , é vista como uma atitude digna de mérito e reveladora de qualidades individuais?

Parece pois evidente que este sistema não serve. Na verdade, se fosse um bom sistema, em nenhum sector de actividade seriam necessárias associações, grupos, sindicatos.
Num mundo perfeito, todos zelariam pelos interesses dos seus empregados, subordinados, etc.
No mundo real, cada um faz isso até ao exacto ponto em que os seus próprios interesse não estão em causa. É assim que as coisas são, goste-se ou não.
Mas a reacção epidérmica de alguns políticos, de contestação à manifestação, funda-se, em minha opinião, em assombramentos que povoam o universo mental de muita gente que viveu o PREC e a turbulência político-militar desse período e busca raízes mais profundas na história da 1ª República.
E contudo os tempos mudaram, As novas gerações de militares já não vivem atemorizados por fantasmas que nunca conheceram e não confundem o princípio constitucional da subordinação do poder militar ao poder político, com a mera relação “empregador-empregado”.
Para eles, este tipo de tabus, são meros anacronismos, que a consolidação democrática remeteu para os baús da história.
Meditar e aprender com eles é algo de positivo. Ficar refém de assombrações é, em muitos casos, um pretexto para evitar encarar os problemas.

As próprias chefias militares teriam muito a ganhar se não obstruíssem o associativismo agitando profecias apocalípticas de caos, anarquia e manipulação e lançando-o objectivamente na órbita manipulatória da esquerda saltitante.
E se dúvidas houver, que se analisem com o espírito aberto os casos de países que, como a Alemanha, Dinamarca, Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, Irlanda etc. compartilham o nosso universo político e social.
E porque todos queremos acima de tudo o bem da Cidade, os seus guardiões não devem ser tratados como cidadãos de segunda a quem se deserda de alguns direitos fundamentais, procurando igualar o resto.
Os melhores cumprimentos
José do Carmo

RESPOSTA DO L&LP:

Admitindo que possa ter razão quanto ao associativismo como coadunável com o princípio da cadeia de comando, não posso, no entanto, concordar que existam entre os militares comportamentos contrários ao que a Lei lhes exige. Até a Lei ser modificada, não podem realizar manifestações ilegais. O mesmo em relação à Polícia. Era só isto que estava em causa. No entanto, julgo que a Lei deve realmente proibir a manifestação pública de militares, pelo que o quadro actual me parece razoavelmente equilibrado. Pelo tipo de missão e disciplina a que estão sujeitos, não me parece que a reunião pública de militares se deva fazer fora do quadro da cadeia de comando e da sua missão específica, pelo que fica excluído qualquer tipo de "manifestação".

Já as associações sócio-profissionais legais devem poder fazer sentir junto das chefias e do ministro da tutela aquilo que pensam sobre as condições em que exercem a sua missão – nada contra. Mas isto é o que já se passa. O problema, como começou por apontar, é que os militares têm estado numa posição desfavorável na competição com os funcionários civis do Estado na luta pelo quinhão próprio do orçamento; mas, aqui, o que se tem de mudar é a capacidade dos funcionários civis do Estado para pressionarem nesse sentido o próprio Estado, o que só será possível com uma radical diminuição do seu número, de modo a deixarem de ser uma clientela eleitoral tão obvia.

Outro problema, resolúvel pela mesma solução, é o Estado resumir as suas funções àquilo que verdadeiramente lhe compete: a Defesa e a Justiça. É que os militares são obvias vítimas do Estado Social em que vivemos: distraído com tantas coisas que competem à sociedade civil (Saúde, Educação), o Estado não garante dignidade nem funcionalidade às suas funções primordiais: o sistema de Justiça e o sistema de Defesa.

segunda-feira, setembro 19, 2005

Estagflação uber alles


As eleições de ontem na Alemanha tornaram evidente que a "locomotiva" da União Europeia está irremediavelmente a perder o vapor… Os Alemães rejeitaram encarar de frente os problemas do seu estado social, o que só seria possível com uma coligação CDU/CSU e FDP. O espectáculo terceiro mundista de todos a reclamarem vitória ficará como um género de ponto de não regresso do declínio da Alemanha que se ergueu das cinzas do III Reich. Ingovernável, com uma esquerda radical em ascensão e sem vontade de pôr em causa um modelo social a médio prazo arruinante, a Alemanha está a tornar-se uma forte candidata a breve defensora de políticas monetárias irresponsáveis na Zona Euro, como modo de iludir as crescentes dificuldades orçamentais e a fuga às soluções "ortodoxas".

Neste contexto, e uma vez que há bom senso aparente no SPD de evitar uma coligação marcadamente de esquerda SPD-Verdes-Linke, uma "grande coligação" CDU-SPD é desaconselhável porque deixaria quase tudo como está e alimentaria a esquerda radical na oposição. A "grande coligação" seria a transposição para a Alemanha do antigo modelo austríaco de partilha do poder em nome do situacionismo. A solução melhor, até para a CDU/CSU se poder vir a apresentar como alternativa, será o FDP integrar a actual coligação no poder (SPD-Verdes), forçando a correcção de algumas políticas internas no sentido do Mercado e, provavelmente, retirando aos Verdes a pasta dos negócios estrangeiros. Trata-se da "coligação do semáforo" (SPD vermelho+FDP amarelo+Verdes), como por lá se diz nos últimos tempos. Não é bom, mas é capaz de ser o menos mau nas actuais circunstâncias.

quarta-feira, setembro 14, 2005

"Tropa" ou instituição militar?


As forças armadas são uma necessidade constitucional de qualquer Estado, mas podem ser também, como sabemos da nossa história e da alheia, uma ameaça à ordem constitucional e à liberdade. Têm, por isso, de se pautar por regras muito rigorosas de disciplina interna e de obediência ao poder constitucionalmente legítimo.

Mas os militares portugueses têm um hábito muito antigo de se comportarem como simples funcionários públicos fardados, pouco habituados aos sacrifícios da vida militar e primacialmente preocupados com os aspectos pecuniários e burocráticos das suas "carreiras". Acontece que a condição militar não se compadece com uma atitude de fundo deste género e muito menos com acções públicas e organizadas de pressão sobre os órgãos de soberania, seja com que objectivo for.

A recente profissionalização das forças armadas e a valorização dos "corpos de elite" no seu seio é o caminho para afastar os vícios históricos criados na instituição militar pelo conceito pernicioso da "nação em armas", que transportou para o exército e para a armada a politiquice e o modo de estar do funcionário público.

Na verdade, os senhores militares entram para as forças armadas para servir e obedecer. Pode parecer seco e bruto dizer-se isto assim, mas não há outra forma de definir a condição militar dentro de um Estado constitucional: servir e obedecer. Quem não se acha moldado para essa vida, é bom que não queira nada com ela, para depois não se "queixar" de uma instituição cuja natureza é conhecida e que não sobrevive à cultura reivindicativa da lamúria e da pressão.

A liberdade constitucional dos "civis" fica ameaçada quando as pessoas que compõem os corpos armados do Estado se julgam com o direito de ignorar tudo isto e organizar manifestações que, além de contranatura, são pura e simplesmente ilegais. Só aqueles que estão apostados na partidarização dos militares podem menorizar este aspecto fundamental.

O que se espera agora é que o Governo puna exemplarmente os responsáveis por estes actos que violam a Lei e que as chefias militares saibam dar toda a sua colaboração nessa acção, sem complexos corporativos. Porque as chefias militares devem lealdade à ordem constitucional e aos órgãos de soberania que dentro dela exercem a autoridade política e não a uma corporação informal chamada "tropa". É que, se em vez de forças armadas, o que podemos ter é a "tropa", então mais vale dissolver-se esse corpo armado que se torna numa ameaça potencial à liberdade civil e corrermos o risco porventura menor de não termos condição militar.

sexta-feira, setembro 09, 2005

LWL actualizados


Foram actualizados os LOYAL WHIG LINKS (clicar aqui ao lado), com várias ligações sobre o lealismo histórico na América do Norte, entre outros conteúdos. Mas, nesta actualização, recomenda-se sobretudo o artigo de Leland B. Yeager, com uma defesa "libertária" da monarquia hereditária. Com muitos argumentos para os cépticos ponderarem (e próximos dos apresentados nos EDN - clicar aqui ao lado em NEOCARTISMO). Boas leituras.

Autárquicas 2005


Um caso de colisão entre os excelentes (e vagos) propósitos dos políticos e o sentido prático (e "pedestre") dos eleitores...

quinta-feira, setembro 08, 2005

Portugal em 34.º no "Economic Freedom of the World"

Já está disponível o relatório "Economic Freedom of the World" de 2005, editado pelo Fraser Institute (Canadá). Com um critério com alguma margem de falibilidade (obviamente), os vários países são posicionados numa escala de 0 (não livres) a 10 (completamente livres). O relatório pode ser consultado aqui. Não é obviamente recomendado a quem não advogue os pressupostos da liberdade económica, caros aos adeptos da iniciativa privada e do Estado mínimo (como o L&LP). Portugal está com cada vez mais países à frente, como é o caso da Hungria, cujo actual posicionamento mostra bem os anos que temos queimado a evitar liberalizar a sério a nossa economia. (Obrigado ao Miguel pela informação na lista interna da Causa Liberal.)

quarta-feira, setembro 07, 2005

Leitura optimista do "mensalão"


A excelente revista brasileira VEJA tem estado, nos seus últimos números, a investigar a corrupção no sistema político no Brasil. O "mensalão" tem sido o prato principal, mas, nas últimas semanas, apareceram as negociatas do ministro da Fazenda e as do presidente da Câmara dos Deputados (nesta capa, do último número). Com tanta coisa pouco edificante nos órgãos de soberania do seu país, os Brasileiros estão deprimidos, um pouco como os Portugueses (por outros motivos também pouco risonhos).

Mas, por estranho que possa parecer, o caso do "mensalão" também tem um lado positivo. Desde logo porque foi denunciado e os políticos envolvidos estão a ser expostos ao escrutínio dos seus pares e da opinião pública. Depois, porque ele demonstra que, no sistema brasileiro, existe um grau considerável de separação de poderes. Se o legislativo (ou a maioria parlamentar) fosse, como na generalidade dos regimes "parlamentaristas", uma simples correia de transmissão do executivo, este não teria de comprar votos no parlamento (porque já lhe pertenceriam, obedientemente, como por cá acontece).

E entre ter a completa fusão dos poderes legislativo e executivo típica do "parlamentarismo" que conhecemos (governo de cor x + maioria parlamentar de cor x = a poder incontestado do líder da cor x, que é primeiro-ministro) e um regime de maior separação em que, por vezes, se descobrem falcatruas como a do "mensalão" (uma prática que a Coroa britânica era acusada de tentar praticar no século XVIII), eu talvez prefira a segunda. É que, por cá, o executivo nem tem de se dar ao trabalho de tentar corromper deputados para conseguir levar a sua avante: os deputados, que ninguém real representam, já são criaturas suas! Ou seja, o facto de um caso de corrupção como este não existir num sistema político pode, paradoxalmente, ser indício de problemas constitucionais maiores do que os existentes num sistema onde ele existe.

terça-feira, setembro 06, 2005

Depois do "blame game"...


Diz o "Economist":
"Almost everyone in need of food and other supplies in the wake of Hurricane Katrina now has access to them, and the evacuation of New Orleans is largely complete. Who is to blame for the botched relief effort: George Bush, local officials, or no one in particular?"
Depois do "blame game", o facto é que foram evacuadas quase um milhão e meio de pessoas e que uma catástrofe destas, a ocorrer em qualquer outro país do mundo, teria tido consequências bem piores. O balanço do "Economist" pode ser lido aqui.

segunda-feira, setembro 05, 2005

O Katrina e as costas largas dos liberais

A propósito da actual tragédia americana, Miguel Noronha, no "Insurgente", esclarece que quem está a "falhar" nos Estados Unidos é o Estado Social (o existente, que Vital Moreira defende) e não o "estado mínimo" dos liberais (que ainda é uma utopia). aqui

sexta-feira, setembro 02, 2005

Os gatos adormecem com Kierkegaard...


Graças a este documento fotográfico, comprovo uma velha suspeita minha! Foto via Voz do Deserto.

O "11 de Setembro" dos elementos?


Sobre a devastação que atingiu Nova Orleães (Luisiana) com o furacão Katrina, ver informação regularmente actualizada aqui. A dimensão da catástrofe é impressionante, tal como as leituras absurdas desta tragédia que por aí se fazem (ver comentários certeiros sobre isso aqui).

quinta-feira, setembro 01, 2005

Da "silly season" à "rentrée"...


Depois de suficientes passeios e banhos, L&LP está de regresso (como sempre, em transportes públicos). Só não sabe é com que disponibilidade para postar...

quarta-feira, agosto 03, 2005

THE LOYAL WHIG LINKS


This is the links section of L&LP (the Free & Loyal Portuguese blog) in English. Edited by EDMUNDO BUARQUE and LEWIS WALKER, it presents a series of websites, blogs and documents with relevant texts on Whig or classical liberalism and the loyalist defense of traditional hereditary monarchy. Its aim is to defend the tradition of those classical liberal constitutionalists (Locke, Hume, Burke or Blackstone) to whom hereditary monarchy was a natural and fundamental part of a truly free and polyarchic order. This section is regularly updated.


INSTITUTIONS

Australians for Constitutional Monarchy

Canadian Loyalists (links)

Monarchy Today (official, UK)

The Constitutional Monarchy Association (UK)

The International Commission on Nobility and Royalty

The Iraqi Constitutional Monarchy Movement

The Monarchist League of Canada


STUDIES & DOCUMENTS

Monarchy: Friend of Liberty. A Libertarian Case for Monarchy
By Leland B. Yeager

David Hume and hereditary monarchy
Hume explains why, in a perfect mixed form of government, the monarchy must be an hereditary institution.

The Liberty of Ancients Compared with that of Moderns
The 1816 essay by Benjamin Constant in which he compares the Ancient republican concept of Liberty with the modern, individualist, concept which grew up in European monarchies.


EXTRA

God save the Queen

sexta-feira, julho 29, 2005

L&LP a passeios e banhos...


Após a conclusão da série sobre a primeira metade do século XX português, o L&LP é bem capaz de "hibernar" todo o mês de Agosto, para ir a passeios e banhos. É provável que a única interrupção nessa hibernação se faça para estrear uma nova secção de ligações, o LOYAL WHIG LINKS. Boas férias.

Século XX (n.º 49): O ano de 1948

ESTE ANO: É a apresentação da candidatura do general Norton de Matos à presidência da República, em Julho, um verdadeiro desafio para Salazar? A oposição tenta novamente, é certo, a estratégia “unitária”. Quanto ao candidato, apresenta-se como defensor de um processo constituinte que abra caminho a um regime constitucional próximo do da I República, pondo também grande ênfase numa concepção pluricontinental do Estado que os sectores oposicionistas ainda não abandonaram. Mas, por detrás desta aliança presidencial do reviralho e do P.C.P. são já indisfarsáveis as divergências estratégicas internas: uma parte do reviralho, pouco crente em vitórias eleitorais ou nas possibilidades da conjuntura, prefere demarcar-se dos comunistas e “encostar-se” aos sectores “críticos” do regime (quer esperando uma eventual partilha do poder quer novas oportunidades de golpes palacianos como a tentada em 1945). O efeito da guerra fria leva também alguns reviralhistas a terem maiores pruridos de se ligarem e, na verdade, de ficarem organizativamente dependentes de um partido estalinista como o P.C.P. As tentativas grevistas em meios operários e estudantis em 1947 levaram o Governo a utilizar medidas repressivas (prisões, deportações) que desfalcaram ainda mais os meios apoiantes da candidatura e reforçaram a sua real incapacidade de mobilização. Por outro lado, a recuperação económica já patente no ano passado, a descompressão social que a acompanhou e a capacidade de Salazar se fazer aceitar junto de Ingleses e Americanos mostram que o período de perigo para o regime já passou. Em Fevereiro, a cedência aos Estados Unidos do uso da base militar das Lajes (Açores), mediante um acordo entre os dois governos, além de consolidar o alinhamento atlântico de Portugal, é o reconhecimento definitivo de Salazar como parceiro geo-estratégico pela super-potência do hemisfério ocidental. Estes condicionalismos conduzirão Norton de Matos a abandonar (em Fevereiro de 1949) a corrida presidencial contra o outro velho militar republicano, o presidente Óscar Carmona. Deste modo, o chefe do Governo poderá afirmar, com razão, já em Novembro de 1949 – depois da assinatura do Pacto do Atlântico, a 4 de Abril – que «sem nos confinarmos à experiência portuguesa, parece que a solução [pluri]partidária está ultrapassada pelos factos».

BREVES: --- Apoio: A 11 de Janeiro tem lugar uma manifestação de mulheres em apoio a Salazar, agradecendo-lhe a sua acção durante a guerra. --- Acusação: Em Janeiro, familiares do general José Marques Godinho e o seu advogado, Adriano Moreira, são detidos pela polícia depois de terem anunciado publicamente a sua intenção de responsabilizar judicialmente o ministro da Guerra, Santos Costa, de envolvimento na morte do general (que, participando no golpe falhado de 10 de Abril de 1947, falecera na prisão a 24 de Dezembro, vítima de um ataque cardíaco). --- M.U.D. ilegalizado: Em Março, decretando a sua ilegalização, o Governo põe fim às actividades do M.U.D. e detém os membros das suas comissões central e distrital de Lisboa. --- Homenagem: Em Abril, Salazar é alvo de uma homenagem dos docentes da Universidade de Coimbra, que fazem deslocar uma delegação ao palácio de São Bento com esse efeito. --- Católicos e católicos: A 10 de Julho, o Governo manda encerrar o jornal O Trabalhador, órgão da Liga e da Juventude Operárias Católicas (organismos da Acção Católica), dirigido pelo padre Abel Varzim, ex-deputado e apoiante do regime. Este vinha desenvolvendo uma linha de crítica ao regime, que acusava de não estar a implementar a prevista organização corporativa do Estado. Outro sacerdote, Alves Correia, já se destacara como voz crítica, tendo apoiado o M.U.D. em 1945.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 48): O ano de 1947


DESTAQUE: A partir de 1947, iniciou-se um período de "normalização" da vida nacional no pós-guerra. Na fotografia, a zona do Campo Pequeno, em Lisboa.

ESTE ANO: Tendo sido poupado às destruições da guerra e gozando de uma situação financeira desafogada (bem diferente da do pós I Guerra Mundial), Portugal é, no entanto, um dos países europeus que adere este ano ao chamado “Plano Marshall”, vindo a receber dos Estados Unidos cinco empréstimos que totalizam 54 milhões de dólares. Estas verbas serviram para criar o Banco de Fomento Nacional, um banco público de investimentos, e foram aplicadas na metrópole (40 milhões) e em Moçambique, iniciando-se a amortização em 1958 (patente no pequeno salto então verificado nos encargos da dívida). O aumento da emissão fiduciária e da dívida pública durante a guerra começou a ser travado este ano e manter-se-á nos próximos anos de modo a regressar-se à estabilização do escudo e das contas públicas. Esta “normalização” da política financeira permite também que o índice de preços estabilize a partir deste ano e, no fundo, se regresse à situação macroeconómica que Salazar criara antes do conflito. Passada a Grande Depressão dos anos 30, é a segunda grande época de crescimento económico que realmente se inicia em Portugal este ano (prolongar-se-á até 1974). Tal como na primeira (o período 1851-1891), o País goza de um sistema monetário estável e de uma situação internacional favorável e em plena afluência, o que lhe permite aproveitar o “empurrão” externo apesar da armadura proteccionista. O País vai, aliás, manter-se ainda afastado durante alguns anos do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (G.A.T.T.), que sairá das negociações internacionais realizadas este ano em Genebra. No plano interno, mantêm-se as orientações da lei de reconstituição económica, com efeitos até 1950 e só a partir daí substituída pelos Planos de Fomento, que dosearão as concessões progressivas à opção “industrialista” já pedida pelos industriais no final da guerra. Claramente ligadas a essas concessões estão já a remodelação governamental de 4 de Fevereiro deste ano (em que o “industrialista” Daniel Barbosa ocupa a pasta da Economia) e a “promoção” do reformista Marcello Caetano à presidência da comissão executiva da U.N. e depois à presidência da Câmara Corporativa. A saída de Barbosa do governo, em Outubro de 1948, significará apenas que Salazar não estará disposto a sacrificar o rigor orçamental às concessões ao fomento “industrialista”.

BREVES: --- Alguma agitação: Entre Janeiro e Abril ocorrem várias greves coordenadas pelas estruturas clandestinas do P.C.P. e incluídas na estratégia desestabilizadora da oposição; 29 dos dirigentes destas greves serão deportados para o Tarrafal. Novas greves exigindo aumentos salariais surgem em Abril e Julho entre operários da construção civil na região de Lisboa e assalariados rurais no Alentejo. Em finais de Março, as comemorações do dia do estudante são palco para as actividades similares promovidas pelo M.U.D. Juvenil, cuja direcção é então detida. Simultaneamente, dentro dos meios militares, a actividade golpista continua, sendo neutralizada a 10 de Abril mais uma tentativa de derrube palaciano do Governo, envolvendo oficiais de alta patente e com o apoio tácito do próprio presidente da República. --- Demissões: Em Junho, são demitidos pelo Governo vários funcionários públicos apoiantes da oposição, incluindo 26 professores universitários. A oposição manifesta-se num protesto a propósito de um jantar de homenagem a António Sérgio e, em Outubro, o militante comunista e professor universitário saneado Bento de Jesus Caraça denuncia os maus tratamentos dos prisioneiros na colónia penal do Tarrafal. --- Carmona recebe o bastão de marechal: Desde o final da guerra, o presidente adoptou uma posição dúbia entre Salazar e a oposição, chegando a estar envolvido nos golpes preparados pela chamada Junta Militar de Libertação Nacional. Depois de neutralizadas essas acções, Salazar saiu “por cima” concedendo a Carmona o posto honorífico de marechal nas cerimónias do 28 de Maio.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 47): O ano de 1946


DESTAQUE: Salazar foi capa da Time este ano, que o apresentava como o "deão" dos ditadores da época e o seu regime como uma maçã podre... Este tipo de apresentação da situação política portuguesa foi típico de um momentâneo "cerco" que o regime sentiu no pós-guerra, mas que era ilusório: Salazar tinha a confiança dos líderes ocidentais e soube conquistar um lugar importante dentro do alinhamento de forças da "guerra fria".

ESTE ANO: A 3 de Agosto, o governo português apresentou em Nova Iorque o seu pedido de adesão à Organização das Nações Unidas (O.N.U.). De entre as potências com direito de veto nessa organização internacional, a União Soviética – em pleno regime totalitário de Josef Estaline – opôs-se à candidatura portuguesa, alegando ter o regime político português carácter “fascista” e haver sido conivente com o Eixo. Em Portugal, a comissão central do M.U.D., controlada desde Junho por personalidades próximas do P.C.P. e crescentemente abandonada pelo reviralho, tentou aproveitar esta situação, publicando, a 27 de Agosto, documentos que justificavam o veto interposto na O.N.U. como devido ao carácter “tirânico” do regime liderado por Salazar. O comunicado do M.U.D. de 9 de Setembro, pedindo expressamente à O.N.U. a não admissão de Portugal, motivará a detenção dos membros da comissão central do Movimento oposicionista pouco depois. A estratégia da oposição era tentar isolar internacionalmente o governo de Salazar, fazendo passar a ideia de que o Estado Novo não se coadunava com os princípios da Carta das Nações Unidas e depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de modo a que a “comunidade internacional” incluísse o País no mesmo “cordão sanitário” a que a O.N.U. estava sujeitando a Espanha. Esta atitude veio a surtir efeitos – Portugal só conseguiu a adesão em 1955 – não porque a “comunidade internacional” partilhasse as concepções da oposição portuguesa, mas porque essa “comunidade” não existia de facto; o que existia era a confrontação já obvia entre as democracias anglo-americanas e o totalitarismo soviético. A oposição portuguesa continuava a viver no “espírito da vitória” de 1945, aparentemente sem perceber que o seu frentismo doméstico já não tinha tradução internacional. Por um lado, Portugal não entrava na O.N.U. apenas por causa do veto “ideológico” dos Soviéticos, não das democracias ocidentais – estas, aliás, aquando da formação da Aliança Atlântica, mostrariam o que pensavam e queriam de Portugal e de Salazar. Por outro lado, num mundo em que as democracias eram uma pequeníssima minoria e em que a “cortina de ferro” descera sobre a Europa e a guerra fria se instalara globalmente, era relativamente fácil apresentar o frentismo oposicionista como manobrado pelos interesses geo-estratégicos da União Soviética.

BREVES: --- Amnistia: Chegam a Lisboa, a 1 de Fevereiro, 110 dos oposicionistas detidos até então na colónia penal do Tarrafal e amnistiados em Outubro de 1945. No campo da ilha de Santiago ficaram ainda 54 indivíduos não abrangidos pela amnistia. --- M.U.D. Juvenil: Em Abril é criada ala juvenil do M.U.D. com intenção de arregimentar nas fileiras da oposição jovens estudantes e trabalhadores. --- 29.º Aniversário: Vinte e nove anos depois do fenómeno das aparições, realizam-se a 13 de Maio em Fátima as habituais cerimónias religiosas evocativas, este ano com a participação de um legado pontifício (cardeal Masella). Este coroa simbolicamente, em nome do Papa, uma imagem da Virgem que percorre depois todo o País. A devoção a “Nossa Senhora de Fátima” torna-se a mais importante devoção mariana do País, numa altura em que estava já amplamente divulgado como um dos “segredos” de 1917 a promessa do fim do comunismo e da reconversão da Rússia. Nesta época, marcada por forte afirmação internacional do totalitarismo soviético e também pela estratégia “frentista” da oposição portuguesa, o anticomunismo latente em Fátima causa grande irritação (por muito tempo) entre os opositores do Estado Novo, que aí vêem um acordo tácito de mútua legitimação entre a Igreja Católica e o regime. --- P.C. desarma?: No IV Congresso (na clandestinidade) do P.C.P. em Julho é decidido dissolver os G.A.C. e desistir da estratégia “leninista” a favor da do reviralhismo.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 46): O ano de 1945


ESTE ANO: Durante a guerra, o agravamento da situação de escassez interna e o recurso à inflação para financiar despesas públicas causaram aumentos de preços e manifestações de descontentamento (onda grevista de 1942-45) que a oposição reviralhista e comunista tentou aproveitar. Mas foi só o descontentamento do funcionalismo civil e militar que criou, em Janeiro deste ano – e de dentro do regime –, um perigo real de golpe de Estado contra Salazar. A 14 de Fevereiro, porém, Salazar concede um aumento salarial de 15% (à custa da emissão fiduciária) e o seu braço direito militar Santos Costa procede a algumas trocas de chefia e tudo se acalma. Após a manifestação de 19 de Maio em seu apoio, Salazar remodela a U.N. e, a 6 de Outubro, convoca eleições para 18 de Novembro, abrindo o acto a listas da oposição. Para tanto, toma uma série de medidas de restabelecimento de garantias individuais e direitos políticos, ocorrendo logo a 8 de Outubro o comício fundador do Movimento de Unidade Democrática (M.U.D.). As adesões reunidas pelo M.U.D., por exemplo com 50 mil subscritores em Lisboa e com um espectro variado de personalidades, criam algum rebuliço e levam a U.N. a tentar mobilizar-se eleitoralmente e o Governo a tomar algumas medidas de contenção das actividades da oposição. Isto foi suficiente para que esta, a 27 de Outubro, suspendesse os seus comícios e viesse a desistir da participação no acto eleitoral. Assim, nas eleições realizadas só com candidatos da U.N. votou a maioria dos eleitores (470 mil em 834 mil inscritos), o que esteve longe de ser uma “vitória” para a oposição. Recolhendo algum do descontentamento causado pelos efeitos económicos da guerra e a percepção que chegou a existir – entre a opinião pública e alguns sectores colaborantes do regime – da iminência de uma transformação política, a oposição estava no entanto bastante dividida (entre um reviralho plural e o P.C.P.) e isolada externamente, já que os anglo-americanos não tinham dúvidas em preferir Salazar à incógnita representada por essa aliança composta essencialmente de comunistas e personalidades do passado. Salazar, seguindo a sua táctica habitual, irá tentar apagar os focos de descontentamento social e fazer a situação política regressar à “normalidade”. (Na fotografia, dirigentes do M.U.D., entre os quais Mário Soares.)

BREVES: --- Luto oficial: A 3 de Maio, o Governo decretou 3 dias de luto pela morte do chefe de Estado alemão, Adolf Hitler. A medida, com alguma lógica para um país neutral e em contra-corrente com o oportunismo aliadófilo já plenamente instalado, causa surpresa em vários sectores, dada a situação militar irremediavelnente perdida da Alemanha. --- Reforço do executivo: A revisão constitucional concedeu ao Governo a capacidade de legislar em situações de «urgência e necessidade pública», consagrando assim o poder legislativo de facto do Governo, que tem crescido em detrimento da Assembleia Nacional. --- Novo rótulo: Por decreto de 22 de Outubro, a P.V.D.E. transforma-se em Polícia Internacional e de Defesa do Estado (P.I.D.E.). As actividades deste corpo de polícia especial passam a estar regulamentados com maior realismo: a lei autoriza agora detenções preventivas “para averiguações” até 180 dias (a lei previa até então apenas 8 dias), no caso dos detidos serem considerados suspeitos de “actividades contra a segurança do Estado”. Os direitos dos detidos continuam, no entanto, muito limitados e sujeitos a arbitrariedades. --- Príncipe da Beira: Na legação portuguesa em Berna nasceu D. Duarte Pio, filho dos Duques de Bragança, que, como primogénito do herdeiro presuntivo da coroa, se torna o primeiro Príncipe da Beira do século XX.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 45): O ano de 1944

ESTE ANO: A organização, em Abril e Maio deste ano, pela Associação Comercial de Lisboa (A.C.L.), de uma série de debates sobre a temática “Problemas do Pós-Guerra” veio lançar alguma luz sobre o alinhamento dos grupos de interesses organizados relativamente às principais questões políticas e económicas presentes. Realizados (propositadamente?) antes do II Congresso da U.N., reunido a 25 e 26 de Maio, os debates da A.C.L. vieram defender uma linha de maior favorecimento das relações externas da economia portuguesa em detrimento do proteccionismo alfandegário e das concepções autárcicas veiculadas por industriais e lavradores. Foi defendida a ideia de Portugal como «uma nação marítima, comercial e colonizadora» e o fim da reserva dos mercados coloniais à indústria metropolitana, de um modo que faz a A.C.L. inclinar-se para um modelo de integração de Portugal no amplo espaço económico atlântico que os acordos anglo-americanos de Bretton Woods já esboçam. Mas, tal como a indústria e a lavoura, a A.C.L. – sobretudo ligada ao import-export e às colónias – quer atrair investimentos públicos para áreas da sua conveniência (no seu caso, a navegação, os portos, etc.). Esta questão é o principal foco de tensão entre os dois pólos favorecidos pelo actual modelo económico proteccionista, no qual a A.C.L. nunca se encaixou muito bem. Por um lado, os industriais, que querem o aprofundamento do modelo proteccionista e a criação de garantias que reservem ainda mais o mercado nacional e colonial a novas indústrias de capital português, inclinando-se para uma forte intervenção do Estado que lhes dê facilidades de crédito, subsídios e quase ausência de riscos. Por outro lado, a lavoura, que defende o actual equilíbrio, por temer que um aumento da procura de mão-de-obra na indústria conduza ao aumento dos salários agrícolas, pondo em risco a sua rentabilidade a custo conseguida pelo proteccionismo vigente. Perante o equilíbrio actual, a A.C.L. defende a solução mais radical e que menos acolhimento há-de ter do poder, enquanto as reclamações da indústria (que se definem como prioridade “industrialista” dentro do status quo proteccionista) tenderão a ser lentamente acolhidas de um modo que não comprometa repentinamente a lavoura. Estas cedências, sem a alienação do apoio da lavoura, permitirão a Salazar evitar mudanças políticas no regime como aquelas que algumas vozes chegaram a pedir no II Congresso da U.N.

BREVES: --- Greves: Em Fevereiro reacenderam-se as greves rurais no Ribatejo e no Alentejo, instigadas pelo P.C.P. Em Maio, voltam a ocorrer protestos, em Lisboa e Santarém. --- Nome: A 23 de Fevereiro o S.P.N. transforma-se em S.N.I. (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo); António Ferro mantém-se no leme. --- Volfrâmio e Açores: A 5 de Junho, o governo português aceitou, embora contrariado, o embargo da venda de volfrâmio à Alemanha, como lhe era exigido pelos Ingleses desde 1940. Salazar está preocupado com o avanço soviético no Leste e com a destruição total do poder alemão, que se avizinha e pode colocar a maior parte do continente sob o jugo de Moscovo. A 28 de Novembro, as facilidades militares concedidas aos Ingleses nos Açores no ano passado são estendidas aos Estados Unidos. Estas concessões diminuem a tensão acumulada nos últimos anos entre Lisboa e o eixo Londres-Washington (este cessa também a agitação interna por si fomentada para pressionar Salazar, desiludindo os meios oposicionistas). --- Candidatos: Em Junho, inscrito na estratégia definida em 1943, o MUNAF faz divulgar um “programa de emergência do governo provisório” que tem por detrás uma grande expectativa de derrube do Estado Novo ou de partilha forçada do poder após a vitória dos Aliados na Europa. O P.C.P., aliás, prepara-se para a eventualidade dessa “abertura”, formando em Dezembro os Grupos Antifascistas de Combate (G.A.C.), que lhe permitam levar a cabo um assalto “leninista” ao Estado.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 44): O ano de 1943

ESTE ANO: A 16 de Novembro, num acidente de viação junto a Vendas Novas, perdeu a vida o ministro das Obras Públicas, o engenheiro Duarte Pacheco. A sua carreira pública fica ligada a uma mudança histórica da fisionomia de Lisboa (edifícios dos Institutos Superior Técnico e Nacional de Estatística, Casa da Moeda, Estação Fluvial de Belém, Fonte Luminosa, Alameda de D. Afonso Henriques, Estádio Nacional, Praça do Império, jardins, auto-estradas, aquedutos, aeroporto, parque de Monsanto) e da própria cultura política de ordenamento do território, nomeadamente com a introdução sistemática de planos de urbanismo nos municípios, restauração de monumentos nacionais, integração da rede de telecomunicações e um plano hidroeléctrico e de regadio. Jovem engenheiro republicano apoiante da ditadura e depois golden boy de Salazar, Duarte Pacheco dizia querer «construir para um século» e viu a sua acção possibilitada pelas condições financeiras criadas pelo chefe do Governo no início da década de 30. A dinâmica que imprimiu às Obras Públicas foi muito importante por vir responder às transformações tecnológicas que se começaram a introduzir no País no princípio do século e a consolidar no pós I Guerra Mundial, correndo o risco de estrangulamento devido à instabilidade política e ao caos financeiro. A electricidade e a camionagem reduziam custos de produção e transporte, expandindo o mercado de emprego da indústria e dos serviços, mas necessitavam de estradas e energia hidroeléctrica: ao longo das décadas de 30 e 40, esse esforço de resposta das infra-estruturas começou a ver-se (a electrificação global do País é decidida em Dezembro de 1944). Da mesma forma, a crescente importância do tráfego aéreo e a necessidade de nele integrar o País tornava imprescindível dotar Lisboa e outras cidades de aeroportos. Num País em que a iniciativa privada sempre foi dependente do Estado para estes investimentos em infra-estruturas – mercê da difícil acumulação capitalista e do desproporcionado peso do mesmo Estado –, Duarte Pacheco foi o homem certo no lugar certo no tempo certo. Teve ainda uma visão “política”, no sentido clássico do termo, das obras, edifícios e espaços públicos como ambientes comunitários e de cidadania. Essa concepção era mais dependente da sua formação republicana que de qualquer carácter “fascista”, que na sua acção as obsessões de alguns adversários quiseram ver.

BREVES: --- Oposição: Em Fevereiro, o comité central do P.C.P. divulga um “manifesto à nação” propondo uma estratégia frentista de oposição ao Estado Novo assente na «constituição da unidade nacional de todas as organizações, grupos e individualidades antifascistas e patrióticas» e com o objectivo de derrubar Salazar substituindo-o por um «governo democrático de unidade nacional». Em Dezembro, o acolhimento desta estratégia nos meios reviralhistas leva à constituição do Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF) que começa a preparar a agitação política que deve seguir-se ao fim da guerra na Europa. Nesse contexto, em Julho e Agosto, os comunistas haviam já instigado greves no Alentejo e no Ribatejo, onde se dão confrontos com as forças de ordem pública. --- Facilidades à Inglaterra: A 17 de Agosto, os governos português e inglês assinam um acordo que concede facilidades militares à Inglaterra nos Açores. O acordo só é publicado em 8 de Outubro. --- Censura: Por decreto-lei de 30 de Agosto, o regime de censura prévia, antes regulamentado por legislação avulsa, é sistematizado. As publicações não periódicas passam a estar mais claramente abrangidas pelos dispositivos censórios. --- Estudantes do Império: Em Dezembro, é fundada a Casa dos Estudantes do Império, instituição destinada a acolher em Lisboa os estudantes universitários oriundos das colónias.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 43): O ano de 1942


DESTAQUE: Na embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, a 13 de Outubro, contraíram matrimónio D. Duarte Nuno de Bragança (na fotografia) e D. Maria Francisca de Orléans e Bragança (de quem foi madrinha a rainha D. Amélia). O casamento sela a unidade entre os braços da Casa de Bragança descendentes de D. Pedro e de D. Miguel.

ESTE ANO: A posição económica de Portugal, enquanto país neutro numa Europa em guerra, colocou-o numa situação muito delicada. A Inglaterra e a Alemanha pretendem levantar um bloqueio económico uma à outra e toleram mal as veleidades portuguesas de convivência com os dois lados (relações comerciais bilaterais, facilitação do contrabando, venda de volfrâmio). A partir de Janeiro de 1941, os Ingleses impõem a Portugal um esquema de fiscalização das actividades comerciais do País com o fim de impedirem as reexportações e limitarem as exportações para a Alemanha, enquanto esta lança alguns ataques à frota mercante e pesqueira portuguesa. O Governo, como medida preventiva, prefere limitar fortemente as acções de propaganda de anglófilos e germanófilos junto da opinião portuguesa num momento em que, um tanto oportunisticamente, se sente um balançar dessa opinião para o lado alemão. Dentro do regime, nomeadamente na Legião, a guerra dos Alemães contra a União Soviética cria mais adeptos de uma colaboração com os nazis. Por seu lado, os serviços especiais ingleses provocam um conflito diplomático quando recrutam em Portugal elementos oposicionistas para levarem a cabo operações de propaganda e sabotagem (esta rede é desmantelada pela P.V.D.E. em 1942). Salazar, apesar de manter as exportações para a Alemanha contra a vontade inglesa, facilitava muito mais os fornecimentos à Inglaterra, a qual acumulará (com a boa vontade do Governo e o financiamento do Banco de Portugal) uma dívida de 80 milhões de libras ao nosso País até ao fim do conflito. Durante todo o ano de 1941 a situação interna em Portugal começa a degradar-se com a crescente falta de alimentos importados e combustíveis e o ano de 1942 é já de quase ruptura quando os Americanos se associam ao controle exercido pelos Ingleses sobre as nossas actividades comerciais. Salazar vê nestas dificuldades e na já aparente viragem do conflito a favor dos anglo-americanos motivos suficientes para começar a deixar a posição portuguesa deslizar para o lado dos Aliados: em 23 e 28 de Novembro Portugal celebra com os anglo-americanos um Acordo de Fornecimento e Compras e um Acordo Comercial de Guerra. Salazar consegue, em troca de uma aceitação formal de algumas condições, maiores facilidades de importação de alimentos e combustíveis (que começam também a ser racionados pelo Governo).

BREVES: --- Plebiscito III: O general Carmona, novamente candidato único ao cargo que já ocupa, é reeleito presidente da República a 8 de Fevereiro. --- Mais greves: Em Outubro e Novembro começa um movimento grevista na Companhia Carris de Ferro de Lisboa que se estende à construção naval, aos portos e às instalações da C.U.F. no Barreiro. Os motivos da greve eram a subida do custo de vida, a escassez de bens essenciais e o tabelamento dos salários decretado pelo Governo. As irregularidades e alegada corrupção dos mecanismos de racionamento de bens essenciais eram outros motivos invocados. A 5 de Novembro, o Governo responsabilizará pelos acontecimentos «agitadores profissionais a soldo de Moscovo». --- Assembleia Nacional: Foi plebiscitada a 1 de Novembro a lista única de candidatos a deputados, apresentada pela U.N. --- Socialistas: Em Dezembro é fundado o Núcleo de Doutrina e Acção Socialista em Lisboa e no Porto.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 42): O ano de 1941


ESTE ANO: Começa a publicar-se este ano em Coimbra o Novo Cancioneiro, revista literária da corrente neo-realista, a qual resulta da influência do marxismo e das ideias comunistas na literatura (os primeiros manifestos desta corrente já haviam aparecido nos anos 30). Soeiro Pereira Gomes (na fotografia) publica também este ano Esteiros, que ficará como um dos romances emblemáticos da corrente. A abertura das páginas da “velha” revista oposicionista Seara Nova aos neo-realistas é sinal da crescente convivência literária dos grupos republicanos e maçónicos reviralhistas com a nova geração atraída pelo comunismo. O neo-realismo vai desenvolver uma visão da realidade portuguesa extremamente marcada por um idealismo igualitarista que, na sua oposição “ao que está”, deixará de distinguir o “capitalismo” do autoritarismo político vigente no País, criando uma propensão crescente – mesmo no reviralho não comunista – para as soluções económicas socialistas. Assim, o seareiro António Sérgio tornar-se-á o arauto de um “socialismo cooperativo” e todas as proto-formações partidárias da área reviralhista do pós-guerra terão já designações socialistas. Ao longo da década de 40, com variações e nuances, o marxismo tornar-se-á a moeda de troca ideológica de todos os meios oposicionistas portugueses. Isto explicará em grande medida a aceitação consensual da visão histórica do Estado Novo como um “fascismo” (recuperando a posteriori as precoces invectivas “anti-fascistas” de Raul Proença na Seara Nova desde 1926) e a adopção de um dualismo “fascistas” v. “anti-fascistas” que obscurecerá a maior complexidade da história contemporânea portuguesa. Para a historiografia oposicionista, o Estado Novo passará a ser obra de monárquicos, fascistas e católicos (resumindo, “fascistas”) e não o resultado, mais provável, de um longo processo de convergência e acomodação de quase todas as correntes anti-parlamentaristas e anti-liberais com a predominância dos velhos republicanos e da sua mística nacionalista e unitária. A tendência de unidade ideológica do “anti-fascismo” impediu ainda que a oposição se tornasse num meio privilegiado de debate e reflexão sobre as grandes questões nacionais, impossibilitando o florescimento de correntes de reformismo liberal que, quando timidamente surgiram, estavam mais dentro do regime do que fora.

BREVES: --- Sintomático: A 19 de Abril, a Universidade de Oxford atribui a Salazar o grau de doutor honoris causa numa cerimónia realizada em Portugal, na sala do Senado da Universidade de Coimbra. --- Discurso: A 28 de Abril tem lugar no Terreiro do Paço uma manifestação de apoio a Salazar por ocasião do seu 52.º aniversário. Salazar pronuncia então o discurso «Todos não somos demais». --- Entusiastas: A 11 de Junho, a quebra do Pacto Germano-Soviético por Hitler e a invasão da Rússia provoca uma onda de entusiasmo na Legião Portuguesa, tentando “sensibilizar” o neutral e circunspecto chefe do Governo para a “cruzada” anti-comunista dos nazis. --- Não pagamos: Os estudantes universitários de Lisboa e Coimbra iniciam em Novembro uma greve contra o aumento de propinas decretado pelo Governo. Solidarizando-se com a greve, a comissão administrativa da Associação Académica de Coimbra, nomeada pelo Governo em substituição da direcção eleita, decide demitir-se. --- Greve: Os aumentos de preços decorrentes da situação de guerra começam a provocar o aparecimento de focos de descontentamento entre os meios operários. A 27 de Novembro, inicia-se um movimento grevista na indústria têxtil da Covilhã, exigindo aumentos salariais.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 41): O ano de 1940


DESTAQUE: A Exposição do Mundo Português realizou-se este ano. Em Belém, ergue-se uma vistosa tentativa de fortalecer o orgulho e a autoconfiança dos Portugueses. Mas, num mundo em guerra, perde-se o pretendido impacto internacional e a Exposição tem sobretudo um efeito interno positivo para o regime político instalado há sete anos. Na fotografia, Cerejeira, Salazar e Carmona na inauguração.

ESTE ANO: A República Portuguesa e a Santa Sé assinaram no Vaticano, a 7 de Maio, uma Concordata que pode pôr fim ao longo diferendo sobre o lugar da Igreja Católica na sociedade portuguesa. Pela Santa Sé, assinou o documento o cardeal Luigi Maglione (plenipotenciário do Papa Pio XII) e, em representação do Presidente da República Portuguesa, assinaram o general Eduardo Augusto Marques (presidente da Câmara Corporativa), Dr. Mário de Figueiredo (deputado e director da Faculdade de Direito de Coimbra) e Vasco Francisco Caetano Quevedo (ministro plenipotenciário junto da Santa Sé). Hoje já não se põe o problema de restaurar o Catolicismo como religião oficial, algo que a própria Igreja não reclama. Trata-se, sim, de delinear o espaço e o modo de actuação tanto do clero como de um laicado crescentemente organizado (através da Acção Católica). O documento pressupõe a separação entre Estado e Igreja e não interfere no princípio da liberdade de cultos mantido, pelo menos na letra, na Constituição de 1933. É devolvido à Igreja Católica o usufruto mas não a propriedade dos templos classificados como património histórico. A nomeação dos bispos por Roma continua a processar-se com o acordo do Governo português, mas o beneplácito (aprovação de documentos eclesiais) é abolido. A Igreja passa a gozar de liberdade de ensino, é facilitada a instalação no País de ordens religiosas e aponta-se para uma mais estreita cooperação com o Estado em iniciativas tendentes a solidificar a soberania portuguesa nas províncias ultramarinas. Para esse efeito, foi celebrado no mesmo dia um Acordo Missionário entre a República Portuguesa e a Santa Sé, que completa o texto da Concordata. O casamento católico volta ao seu antigo estatuto, anterior às leis da família de 1911, sendo incompatibilizado com o divórcio (apenas aplicável a casamentos civis). A nova Concordata representa um tipo de relacionamento entre o Estado e a Igreja diferente dos modelos vigentes durante a Monarquia constitucional e a I República. Antes de 1911, a Igreja foi “anexada” à estrutura do Estado e as suas actividades estavam muito condicionadas por esse facto. Após 1911, o Estado separou-se da Igreja mas exerceu um controle ainda mais apertado das suas actividades. O novo arranjo saído da Concordata será importante para garantir ao Estado Novo e a Salazar o apoio colaborante da hierarquia e da grande massa de crentes católicos.

BREVES: --- Censo de 1940: A população metropolitana portuguesa (continente e ilhas adjacentes) atingiu este ano os 7.724.000 indivíduos, cerca de mais 900 mil que há dez anos. Este crescimento deve-se, em boa medida, ao fim da corrente migratória, estancada pelos países de acolhimento após a crise de 1929. A população urbana continuou a crescer: Lisboa 635 mil, Porto 294 mil, Funchal 40 mil, Setúbal 37 mil (voltará a ser a terceira cidade em 1950), Braga 29 mil e Coimbra 27 mil; há já 27 cidades com mais de 10 mil habitantes, contra as 12 de 1900 ou as 17 de 1930. O peso do sector agrícola e da indústria extractiva na população activa reforçou-se com a quebra da emigração (e só recomeçará a cair quando esta retomar na década de 50): há agora 1.480.000 indivíduos no sector primário, 566.000 no secundário e 729.000 no terciário. --- Duplo centenário: A 2 de Junho, em Guimarães, iniciam-se as grandes comemorações da Independência (1140) e da sua Restauração (1640); em Lisboa, na Praça do Império, é inaugurada a grandiosa Exposição do Mundo Português. Os pavilhões temáticos são Fundação de Portugal, Formação e Conquista, Independência, Descobrimentos, Colonização, Brasil, Lisboa e Portugueses no Mundo. As Comemorações são encerradas a 2 de Dezembro com um Te Deum na Sé de Lisboa e uma sessão solene na Assembleia Nacional.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 40): O ano de 1939


ESTE ANO: O deflagrar da II Guerra Mundial em Setembro deste ano veio abrir a Salazar uma “frente externa” de luta política bem mais complexa que a criada pela guerra civil espanhola desde 1936. Portugal não quer envolver-se nas questões europeias, pretendendo meramente prevenir ameaças à integridade do seu território metropolitano e à sua soberania ultramarina. A aliança com a Inglaterra, nosso principal parceiro comercial e potência que domina os corredores marítimos que nos ligam a África e ao Oriente, continua a ser o eixo da política externa portuguesa. Em face do conflito no país vizinho, Salazar tinha obvias preferências pelo lado franquista (que apoiou militarmente contra o “mal maior” representado por um sector republicano crescentemente hegemonizado pelos vermelhos), mas manteve alguma distância tanto para não se demarcar da posição neutral inglesa como para contrariar as veleidades anexionistas da direita radical espanhola. A 13 de Março deste ano, foi celebrado com Franco um acordo de amizade e não-agressão que se inscreve nesta linha de contenção do “perigo espanhol”. Agora, perante a guerra europeia, o seu principal objectivo relativamente à Espanha é que esta não alinhe com os Alemães e evite a extensão do conflito à Península Ibérica. Se isso acontecesse, a invasão hispano-alemã de Portugal seria inevitável. Mas, mesmo fazendo tudo para o evitar, Salazar manterá conversações secretas com os Ingleses a partir de Dezembro de 1940 para a eventualidade de acontecer o pior: nesse caso, a Inglaterra deveria apoiar a retirada do Governo português para os Açores e assegurar a defesa do arquipélago. Entre a opinião pública, é partilhada a clara inclinação anglófila do Governo, havendo uma minoria de simpatias fascistas na imprensa ou, por exemplo, na Legião. Aliás, Ingleses e Alemães desenvolvem uma autêntica guerra de propaganda em Portugal para influenciarem a opinião pública e que, nesta fase, o Governo prefere não contrariar a bem da neutralidade. A derrota da França e de outros países ocidentais até ao Verão de 1940, tornando a Alemanha aparentemente invencível, vai forçar Salazar a moderar a anglofilia da política portuguesa sobretudo no que a questões económicas dizia respeito: os Alemães estavam nos Pirenéus e Franco podia ter de ceder-lhes. (Na fotografia, um avião militar português desta época).

BREVES: --- Recusa: A 14 de Abril, o Governo português declinou o convite que lhe foi endereçado pelo embaixador italiano em Lisboa para ingressar no “Pacto Anti-Komintern” (já subscrito pela Alemanha, Itália e Espanha). Passado o perigo da guerra civil espanhola e de uma conquista do poder pelos comunistas no país vizinho, Salazar inicia um período de contenção dos elementos pró-fascistas do regime e de regresso a uma posição de equidistância entre o Eixo nazi-fascista e a entente anglo-francesa. --- Aliança: A 17 de Agosto, nas vésperas do começo da II Guerra Mundial, os governos português e inglês concluem um acordo que visa rearmar as forças militares portuguesas. Portugal quer prevenir a sua segurança na eventualidade de um conflito à escala europeia, enquanto à Inglaterra não convém que os países ibéricos se envolvam nas hostilidades (porque não seria fácil combater uma ofensiva italo-alemã na península com a provável cooperação de Franco). --- Prevenção: A 14 de Dezembro, perante o deflagrar da guerra, o Governo atribui-se competências alargadas de fixação de preços e definição de quotas de importação e exportação, antevendo eventuais necessidades de racionamento de alimentos e combustíveis.

Voltar ao Índice.

Século XX (n.º 39): O ano de 1938


ESTE ANO: Após os primeiros filmes de Aurélio Paz dos Reis antes da República ou o curto sucesso da produtora portuense Invicta Filme antes da década de 20, só nos anos 30 o cinema se populariza, o mesmo acontecendo com as emissões de rádio, experimentadas desde meados da década de 20. A produtora cinematográfica Tóbis Portuguesa e as primeiras grandes estações de rádio de programação generalista fazem agora o seu aparecimento. Em 1931, fundado por Botelho Moniz, começou a emitir o Rádio Clube Português, que se tornará a principal estação privada de radiodifusão do País durante muitas décadas. Em 1933, sob administração estatal e por iniciativa de Duarte Pacheco, surgiu a Emissora Nacional de Radiodifusão, claramente associada ao esforço do Estado Novo de desenvolver uma “política cultural” que continuasse a tendência ideológica de “reaportuguesar Portugal”. Esses ideais culturais nacionalistas ou nativistas, mais tarde considerados invenção da “política do espírito” do Secretariado da Propaganda Nacional (S.P.N.) de António Ferro, eram as concepções absolutamente dominantes entre a intelectualidade e os meios artísticos desde o final do século XIX e o governo de Salazar foi simplesmente o primeiro a ter recursos para delinear estratégias e subsidiar criadores. A rádio, além de permitir ao poder político evitar a mediação única da imprensa na sua relação com a opinião pública, criou condições – tal como o cinema – para que a grande massa da população, mesmo a parte iletrada, pudesse ser progressivamente integrada nessa “cultura portuguesa” recriada ou inventada das “marchas populares”, do fado, das “aldeias típicas”, dos monumentos “restaurados”. O cançonetismo nacional, através da rádio, torna-se uma das facetas mais populares desta nova era cultural e o cinema, com filmes sonoros como A Severa (1931), A Canção de Lisboa (1933) ou Aldeia da Roupa Branca (1938), ajuda a criar uma imagem tipificada e popular de Portugal, fadada a grande longevidade. Além do estricto controle político destes meios de comunicação e de uma censura relativa aos costumes (neste aspecto não muito diferente do que acontece um pouco por toda a parte), a rádio e o cinema não deixam também de ir familiarizando o público português com uma cultura mais cosmopolita, suplementar, de cantores estrangeiros e fitas de Hollywood.

BREVES: --- Príncipe: Após a anexação da Áustria pelo Reich alemão em Março, o Governo português concedeu passaporte nacional ao depositário dos direitos dinásticos, D. Duarte Nuno de Bragança, ainda residente em Viena. --- Anúncio: A 27 de Março, uma nota oficiosa divulga o programa das Comemorações do Duplo Centenário da Fundação e da Restauração, que terão lugar em Lisboa e Guimarães em 1940. --- Reconhecimento: A 28 de Abril o Governo português reconhece oficialmente a Junta de Burgos, chefiada pelo general Franco, como o governo legítimo de Espanha. Nesta altura, a guerra estava já plenamente internacionalizada e, no lado republicano, dominada pelos comunistas. --- Camping político: A 28 e 29 de Maio realizou-se o II Acampamento Nacional da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina, reunindo em Lisboa mais de 20 mil filiados. Os contactos com as Juventudes fascista italiana e nazi alemã, alimentadas sobretudo pelos elementos de simpatias fascistas dentro da M.P., mantêm-se, tal como os esforços de nela integrar os corpos de escuteiros previamente existentes (com oposição dos próprios e da Igreja Católica). --- Eleições: A 30 de Outubro, os eleitores foram votar nos candidatos únicos da U.N. à Assembleia Nacional. O círculo nacional só será abandonado em 1945 a favor dos círculos distritais.

Voltar ao Índice.