segunda-feira, junho 30, 2008

Barclays: chamar os bois pelos nomes (porque a coisa é realmente séria e há capitais para proteger)


Pedro Arroja, que tem mais jeito para o mercado financeiro do que para a religião, chamou atenção para o artigo de hoje do Daily Telegraph que nos informa de que o Barclays warns of a financial storm as Federal Reserve's credibility crumbles. Será que os homens do Barclays Capital andam a ler os "Austríacos" para apontarem o dedo, desta forma tão clara e consequente, aos bancos centrais e à Reserva Federal norte-americana em particular? Muito interessante é chamarem a atenção para o perigo evidente da onda inflacionista que está já formada à nossa frente, sem se perderem nos alegados riscos da deflação que o Bank for International Settlements, em notícia também destacada por Arroja, elege como o perigo que espreita - provavelmente influenciados, neste caso, pela má economia de Chicago (porque Keynes rules apesar de não estar in).

Ubi caritas


Arranjo de Maurice Duruflé do famoso hino latino. King´s de novo depois da meia-noite.

segunda-feira, junho 23, 2008

Recordar D. Rodrigo de Sousa Coutinho


Vai ser lançado amanhã, 24 de Junho, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, um livro de Andrée Mansuy-Diniz da Silva sobre a grande figura de D. Rodrigo de Sousa Coutinho - Portrait d'un Homme d'État: Dom Rodrigo de Souza Coutinho, Comte de Linhares (1755-1812). Figura política da corte de D. Maria I e D. João VI, Sousa Coutinho era o chefe do impropriamente chamado «partido britânico», pois defendia, no contexto das guerras da Revolução e do Império e da retirada da Corte para o Rio de Janeiro, a aliança com a Grã-Bretanha contra o imperialismo continentalista napoleónico. Em 1808, com o príncipe regente já no Brasil, assumiu a presidência do governo, conseguindo secundarizar as posições do seu rival D. António de Araújo («pró-francês»). Deste período, escreveu o historiador Patrick Wilcken:

«On the British side, there were those like Sousa Coutinho who supported what was a venerable alliance with its age-old commercial and maritime ties, viewing Britain as a bulwark against revolutionary France. On the other side, politicians like Araújo were pro-French through a combination of realism – it was beginning to look inevitable that Napoleon would prevail in Europe – and a profound cultural attachment to France» (Patrick Wilcken, Empire Adrift: The Portuguese Court in Rio de Janeiro, 1808-1821, Londres: Bloosmbury, 2005, p. 60).

O tratado comercial luso-britânico de 1810 foi um dos resultados do novo alinhamento do governo português (marcado pela boa relação com o embaixador britânico Lord Strangford), mas a morte súbita de Sousa Coutinho (1812), a fraqueza estratégica do seu substituto (D. Fernando José de Portugal, marquês de Aguiar, ex-vice-rei do Brasil) e o crescimento do ressentimento económico anti-britânico dos interessados no proteccionismo no Rio de Janeiro e em Lisboa, juntamente com a derrota de Napoleão na Península, abriu caminho ao regresso de Araújo ao executivo, que coincidiu com a saída de Strangford e um período de arrefecimento das relações com Londres; Araújo foi um dos que aconselhou então o rei a não regressar a Lisboa e a não ceder às pressões abolicionistas de Londres porque isso, supostamente, enfrqueceria a Coroa portuguesa no Brasil frente aos interesses britânicos.

Sousa Coutinho defendeu entre 1808 e 1812 uma política favorável ao comércio livre, à abolição progressiva da escravatura e à introdução de reformas políticas liberais, sendo chefe de um grupo de que o futuro duque de Palmela, D. Pedro de Sousa e Holstein, mais tarde assumiria o comando na Corte: o daqueles que queriam fazer uma transição ordeira para um regime liberal no respeito da legitimidade dinástica e sem sobressaltos revolucionários. Era também o partido daqueles que apoiaram o economista José da Silva Lisboa a propagandear as ideias favoráveis à propriedade, ao empreendedorismo e ao comércio livre (Observações sobre o comércio franco no Brasil, Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1808; Princípios de Economia Política, para servir de introdução à tentativa económica do autor dos Princípios de Direito Mercantil, Lisboa: Impressão Régia, 1804; Refutação das declamações contra o comércio inglês, extraída de escritores eminentes, Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810, 2 vols.) e também a traduzir Edmund Burke, visto como autor incontornável na divulgação de ideias que seriam o germe do liberalismo dinástico, o futuro cartismo português.

sábado, junho 14, 2008

Publicidade desprezível


Esta fotografia foi tirada pouco antes das 22h00 de dia 13 na Avenida da República, em Lisboa, junto ao Saldanha. Já me cruzara no mesmo local com outra do género, que se vangloriava de, alegadamente, "termos" feito shoarma com os Turcos (eu excluo-me desse colectivo, se é que se pretende que o sujeito da frase sejam os Portugueses). Agora, o mesmo chauvinismo depois de uma "vitória" sobre os Checos. Tristes sentimentos; pequenos sentimentos. Já não bastava este patriotismo postiço associado ao desporto de competição, que parece agora despertar a cada "Euro" - e de que as bandeirinhas penduradas nas janelas, com as cores da carbonária travestidas de "bandeira portuguesa", são símbolo irónico -, temos agora também marcas comerciais a venderem instintos baixos. Que me lembre, nunca comprei produtos Nike; e não é certamente agora que me vai dar para isso.

sexta-feira, junho 13, 2008

Simples honestidade

É curioso que quando, no meio da actual barafunda inflacionista, nos questionamos se ninguém na altura (2006) se opôs ao conveniente desaparecimento do M3, depois de alguma pesquisa, encontremos este homem, sempre este homem...

Algumas ferramentas para tentar ver claro em tantas trevas:

Inflation Data

Shadow Government Statistics

quinta-feira, junho 05, 2008

Introdução à teoria das categorias (Orlando Vitorino)

Imagem via Leonardo.

[Orlando Vitorino, Exaltação da Filosofia Derrotada, Lisboa: Guimarães & C.ª Editores, 1983, II, 1, pp. 85-93.
As notas de rodapé foram colocadas entre parênteses junto das frases a que dizem respeito.]

Não há ciência que não tenha uma teoria das categorias.

A noção de categoria, bem como a respectiva classificação, têm origem em Aristóteles mas foram diferentemente concebidas na modernidade, primeiro por Duns Escoto e depois, em termos mais decisivos, por Emanuel Kant. Por isso em Kant, mais do que em Descartes, situaram os modernos o final da era do pensamento aristotélico. Na verdade, a diferença que separa as duas concepções e classificações das categorias é a diferença que separa a filosofia moderna da filosofia clássica.

Ambas situam o ponto de partida do pensamento categorial na relação entre as categorias e os juízos lógicos, pois são os juízos lógicos a forma que adquire todo o conhecimento da realidade, e conhecer consiste em dar um predicado a um nome. Mas logo no ponto de partida elas invertem o sentido da relação originária, a filosofia clássica explicando os juízos lógicos pelas categorias, a filosofia moderna deduzindo as categorias dos juízos. A teoria kantiana estabelece, primeiro, uma classificação dos juízos e sobre ela forma, depois, uma classificação das categorias. A teoria aristotélica não pode deixar de ver nessa ordem um manifesto absurdo, uma vez que as categorias se destinam a determinar como é possível formar os juízos ou como é possível conhecer, pelo predicado, o que é isso que o nome designa. Álvaro Ribeiro dizia que a teoria das categorias é uma teoria da predicação.

Uma abissal, mas significativa, divergência assim se observa: na filosofia clássica, representada por Aristóteles, o pensamento precede o conhecimento, que dele resulta; na filosofia moderna, representada por Kant, o conhecimento é anterior ao pensamento e constitui seu conteúdo e objecto [Esta abissal divergência manifesta-se mais expressamente quando Hegel vem opor ao princípio de não contradição aristotélico, segundo o qual «nada há que possa ser e não ser ao mesmo tempo», o princípio da identificação do ser e do não ser, segundo o qual «tudo é e não é ao mesmo tempo». O princípio de não-contradição afirma Aristóteles que é princípio supremo, aquele de que toda a lógica depende. No princípio de contradição funda Hegel a dialéctica, sua maneira de entender a lógica. O paralelismo dos termos utilizados mais acentua a deliberada e radical oposição. (…)].

Às inteligências modernas afigura-se que a filosofia ou é dispensável ou recebe da ciência a garantia de uma positiva e real veracidade. E na impossibilidade de entenderem como o espírito é real, afigura-se-lhes também que garantia correspondente não está ao alcance da filosofia clássica. O certo é, contudo, que a ciência moderna carece de razão de si, uma vez que é anterior ao pensamento. E ao reconhecer, como acontece nos nossos dias, que essa carência – geralmente designada por «crise dos fundamentos da ciência» – faz dos caminhos que ela segue «caminhos que levam a nenhures», a ciência vê-se também impedida de recorrer à filosofia que neles a lançou, uma vez que a lançou dispensando-a de fundamentos ou razão de si.

A filosofia clássica, pelo contrário, situa o pensamento, não apenas antes da ciência e do conhecimento em geral, mas antes até da mesma lógica, uma vez que a formação dos juízos depende das categorias. É, na verdade, uma imagem a corrigir aquela que, formada pela escolástica medieval, faz do aristotelismo e, por acréscimo, de toda a filosofia clássica, um pensamento saturado de logificação.

Foi, pois, a partir de uma relação indo das categorias para os juízos que a teoria aristotélica abriu caminho. Reconhece ela que o pensamento tem sempre em vista ou o universal ou o geral e sem isso não é pensamento. O que significa: só é possível pensar o nome singular, ou a coisa que se apresenta em sua particularidade e solidão, de cujo predicado conheçamos ou a universalidade ou a generalidade dos nomes que ele pode predicar. Por isso se chama predicado, o que é dito antes. Sem esta condição, nenhum conhecimento contém aquilo que, apresentando-se como um juízo, não passa de um dito, seja ele, num exemplo frequente na escolástica aristotélica, «Sócrates é mortal», seja num exemplo utilizado pela lógica kantiana, «5+2=7».

O dito não é mais do que a proposta ou, na expressão escolástica, a proposição de um juízo. Para que a proposta seja aceite, para que a proposição se torne um juízo, temos de saber que mortal é o predicado de todos os homens ou que 7 é o predicado de todas as somas de 5 e 2. Temos de saber que, segundo a universalidade, todos os homens são mortais ou que, segundo a generalidade, a ideia de homem é a ideia de um ser mortal. Daqui resultam duas conclusões que, com grave solenidade, podemos afirmar serem as condições de toda a realidade que ao homem é dado pensar e de todo o pensamento seguro de si:

1.º – Que não há predicados exclusivos de um único ser ou coisa, isto é, que não há nenhum predicado que convenha a um único nome e a mais nenhum outro, pois, se tal acontecesse, a actividade mental , caso se pudesse ainda chamar assim ao que não seria mais do que uma simples presença, limitar-se-ia à passiva e inerte observação da simultânea existência da imensa variedade de seres que há no mundo, como acontece aos vegetais e a grande parte dos animais.

2.º – Que não há nenhum predicado que convenha a todos os seres e coisas. Pois, se assim acontecesse, tudo seria o mesmo.

Numa e noutra conclusão, o predicado obriga o nome que predica a situar-se nas condições em que ele, não sendo exclusivo desse único nome nem atribuível a todos os nomes, exprime ou uma relação universal ou uma ideia. Tais condições são as condições para a aceitação da proposta ou proposição, precedem portanto a formação do juízo, são as categorias.

Ao formar as categorias a partir dos juízos, e não os juízos a partir das categorias, a lógica kantiana, ao mesmo tempo que altera a noção de categoria, torna-se inútil e supérflua. Os ditos, propostas e proposições aparecem imediatamente como juízos, o que equivale a dar por conhecido e por real o que nenhuma garantia tem de o ser. Foi isto o que, por outras vias, David Hume demonstrou na sua crítica às ciências modernas provocando, como se sabe, a Crítica da Razão Pura, de Emanuel Kant. A razão pura seria a razão da lógica aristotélica, à luz da qual Hume negava a necessidade ou a fundamentação das modernas leis científicas. Criticada a razão pura, ficaria destituída a lógica aristotélica e, em seu lugar, vai tentar-se instituir – e foi essa a tarefa do idealismo alemão – uma lógica que terá de se confinar aos limites em que é possível o conhecimento característico das ciências modernas e será movida por uma razão puramente antropológica. Tais limites são os da sensitividade, o espaço e o tempo, a que Kant chamou «as formas transcendentais da sensibilidade». Tal razão é a que faz das categorias «conceitos do intelecto», se situa dentro dos limites da subjectividade e é tão humana que por «demasiado humana» a condenou a mesma filosofia moderna no seu momento nietzcheano de loucura, ou «divina mania», com que, apesar de tudo, os velhos deuses entenderam agraciá-la [Foi na Ciência da Lógica, de Hegel, que culminou a tentativa iniciada por Kant para a formação de uma lógica adequada às ciências modernas. Mas os cientistas já estavam possessos do orgulho que lhes suscitaram os êxitos obtidos no domínio das forças da natureza e “ignoraram” a genial façanha de Hegel. Quando, mais tarde, esse orgulho começou a ver-se abalado pela previsão das finalidades a que tais êxitos unicamente conduziam e, num certo esforço de reflexão, reconheceram o que hoje designam por «crise dos fundamentos da ciência», os pensadores científicos esboçaram um «regresso a Kant» mas nunca apelaram para a lógica de Hegel. O mesmo «regresso a Kant» depressa foi abandonado. Onde a ciência moderna sempre depositou as suas esperanças foi na matemática, em vão confiando que ela lhes forneceria a fundamentação que a lógica aristotélica assegura à ciência clássica. Isso explica as sucessivas tentativas para fazer da matemática uma lógica: a dos positivistas do Círculo de Viena, a de Bertrand Russell e Alfredo N. Whitehead, com os famosos Principia Mathematica, e, mais recentemente, as de T. Kuhn e de Karl Popper, este com a sua Lógica da Descoberta Científica. Dentre os responsáveis por estas vãs tentativas, apenas Whitehead abandonou a via de nenhures em que todas elas inevitavelmente se perdem, não hesitando em reconhecer, nessa obra-prima do pensamento científico que é A Ciência e o Mundo Moderno, que a ciência ainda não conseguiu dar resposta à crítica de David Hume. Quem mais claramente enunciou a questão a que todas essas tentativas tentam dar resposta foi Karl Popper: «Qual o critério a aplicar para avaliar da cientificidade de uma qualquer proposição?» O leitor encontra, no texto que está lendo, o que esta questão pode logicamente significar./ Ao longo deste processo, há uma constante: o ataque à lógica aristotélica. Mas é impressionante como esses valentes combatentes ignoram aquilo que combatem. Um exemplo de tal ignorância é o insulto galhofeiro, mas muito apreciado, de William James quando, depois de reduzir a teoria do silogismo a um jogo de palavras, julga poder anatemizá-la dizendo que «a palavra cão não morde». Outro exemplo é a frequente repetição de determinações aristotélicas traduzidas em vazia linguagem matemática como acontece quando Bertrand Russell, a propósito da quadratura do círculo, não faz mais do que anunciar, mas como sendo uma original descoberta sua ou só possível à sua lógica matemática, o princípio da não-contradição, dizendo: «não existe um x tal que seja ao mesmo tempo quadrado e redondo».].

Se é deste modo que a doutrina das categorias perdura na filosofia moderna, temos de reconhecer que tal perduração pouco ou nada tem a ver, em rigor, com o pensamento categorial. Ainda admitiríamos que representasse uma involuntária homenagem à filosofia clássica se ela não se explicasse pela desesperada verificação de que as ciências modernas não possuem fundamento, nem razão de si, nem finalidade positiva. E desde o seu já remoto início, a filosofia que lhes deu origem sofre essa desesperada verificação. O que as caracteriza é a recusa do real como uma totalidade incindível, dividindo-o em tantos sectores quantas as ciências que de cada um deles fazem seu objecto. Ora as categorias residem no ponto de encontro de todo o real com todo o pensamento, entendendo por todo o real que nada é real se não o implicar e por todo o pensamento que nada é pensamento se não o implicar. O que toda a filosofia moderna pretendeu foi que cada ciência e respectivo sector da realidade sejam o que são sem implicarem a totalidade do pensamento e do real e, apesar disso, lhes correspondam suas próprias e exclusivas categorias. Pretendeu escapar à primeira conclusão extraída da necessidade das categorias que há pouco enunciámos: a de que não há predicados exclusivos de um único ser ou coisa. O derradeiro filósofo moderno, M. Heidegger, ainda defendeu essa pretensão. Disse ele: «As ciências particulares estudam diversos campos objectivos […]. Em nosso entender, reconhece-se que cada um destes campos objectivos pertence a determinados sectores da realidade. A estes correspondem, segundo a sua especificidade, uma estrutura e uma constituição determinadas. Vemo-nos assim perante uma tarefa que geralmente se designa pelo nome de doutrina das categorias [M. Heidegger, Traité des Catégories et de la Signification chez Duns Scott, trad. Francesa, ed. Gallimard, Paris, 1970, pág. 42].

Mais adiante, percorrida a descrição desta tarefa, Heidegger conclui: «Uma conclusão necessária nos aparece: as dez categorias aristotélicas e uma doutrina que nelas se fundamente, revelam-se, não só incompletas, mas também hesitantes nas suas determinações e inexactas porque lhes escapa a consciência de uma distinção entre os sectores da realidade» [M. Heidegger, Ob. Cit., pág. 113].

Esta tarefa de encontrar categorias próprias de cada ciência, e só dela, que Heidegger faz remontar a Duns Escoto, no início da filosofia moderna, não tem lugar na filosofia clássica. O que não significa que, aí, as ciências que dela derivaram, ou tal como dela derivaram, se não distingam entre si. Distinguem-se, sem dúvida, mas mantendo-se em cada uma, incindível, a totalidade do real, pois todas estão igualmente suspensas das categorias lógicas, lugares de encontro de todo o real e todo o pensamento. E quando, na filosofia clássica, se fala das categorias próprias de cada ciência, do que se fala é das modalidades das categorias lógicas que convêm ao distinto conhecimento e à distinta manifestação da totalidade do real próprios de cada ciência. É o caso da ciência económica. Suas categorias dizemos serem a propriedade, o mercado e o dinheiro. Não figuram elas entre as dez categorias lógicas mas são modalidades de três dessas categorias: a propriedade é um modo da substância, o mercado um modo da acção, o dinheiro um modo da relação.

De um outro ponto de vista podemos agora considerar a necessidade das categorias na formação das ciências. Reside ele na permanente actualização em que se encontram a realidade e o pensamento, ou seja, no permanente trânsito da inesgotável potencialidade que eles contêm para o acto em que essa potencialidade se manifesta. A ciência, ao contrário da imagem que dela guarda a opinião moderna, é composta de resíduos ou, como preferimos dizer, de cristalizações dessa actualização e, embora sempre susceptível de ser aperfeiçoada, sempre se mantém na passiva dependência dos insondáveis, insuspeitáveis e imprevisíveis acordos que o pensamento e a realidade vão fazendo nos encontros que entre si estabelecem e são as categorias.

A raiz da palavra categoria alude ao que cai, ao que se situa. Ao que cai ou se situa lá onde recebe a determinação (o fundamento, dizem os modernos) de que é aquilo que está sendo. Porque estando a realidade em incessante manifestação ou actualização, e consistindo a ciência no conhecimento dessa actualização, tem de se concluir que aquilo que cada ciência observa, estuda e conhece se conserva em constante mobilidade. Como pode, então, a ciência estar segura do objecto real que uma vez conheceu ou, o que é o mesmo, como pode estar segura do seu conhecimento, segura de si própria? São as categorias que lhe dão essa segurança.

O que temos perante nós, na economia, é a manifestação da totalidade real que apreendemos na forma designada por economia e é, por sinal, a de mobilidade mais patente entre todas as manifestações do real. Como sabermos, a cada momento, que é da economia que tratamos? Como sabermos que isso de que tratamos é assunto da economia? Sabemo-lo, já o dissemos, porque dispomos das categorias. E acrescentamos agora: porque só tem realidade económica o que cai numa categoria económica, o que é, em qualquer momento, tradutível, redutível ou reversível à categoria onde recebe a sua determinação: à propriedade, ao mercado e ao dinheiro. O que não tiver uma destas determinações, o que não for susceptível de receber um predicado vindo de uma destas três categorias, não é assunto económico.

Há uma articulação entre as categorias. Inalteráveis e imutáveis, de cada uma delas emergem os mediadores que, por caminhos mais directos ou mais sinuosos, por processos mais rápidos ou mais lentos, a articulam com uma outra. São tais mediadores que exprimem a mobilidade incessante do real. As ciências dão-lhes a forma de princípios, de leis e de regras e utilizam-nos como instrumentos de um poder operativo que eles efectivamente possuem. Com a formação mental que a filosofia moderna lhes inculcou, levando-os a terem por finalidade da ciência o domínio das formas mais visíveis da realidade que são os corpos naturais ou os nomes já predicados, os cientistas fazem da ciência só a ciência daqueles mediadores, dos princípios, das leis e das regras a que julgam poder atribuir uma necessidade e até uma eternidade que eles não possuem e só é própria das categorias.

Assim acontece também na ciência da economia. Com uma mentalidade também moderna, com a atenção absorvida pelos mediadores – o capital, a produção, o trabalho, a renda, o câmbio, etc. – os economistas ignoram as categorias ou acabam por ver nelas algo de dispensável e incómodo: a propriedade, há muito que a deixaram de ter em conta; o mercado, não cessam de tentar substituí-lo por um sistema de encomendas; o dinheiro, transformaram-no num sinal convencional. Deste estreito e imperfeito modo de pensar só pode esperar a economia as mais temíveis ameaças, o que explica ter-se já dito ser ela «um assunto demasiado importante para o deixarmos entregue às mãos dos economistas».

Não deixa, contudo, de ser estranho, e quase incompreensível, a ausência de um pensamento categorial entre os teorizadores que com tanto esforço, tanto talento e por vezes génio, formaram e continuam formando a ciência da economia.

domingo, junho 01, 2008

Once in Royal David's City


O coro e o órgão de King's College com mais um hino, o que no L&LP é normal domingo sim domingo não. Mais um hino de Natal.

De novo Van Eeden sobre o preço do petróleo

Paul van Eeden disponibilizou um artigo seu do passado dia 9 de Maio («Sue OPEC», consultável aqui), que desfaz a acusação de vários políticos e fazedores de opinião tanto à OPEP como aos "especuladores" de serem responsáveis pela subida do preço do petróleo. Van Eeden elaborou dois gráficos elucidativos.

O primeiro, em baixo, compara as evoluções do preço do petróleo em dólares norte-americanos e do indicador M3 da mesma moeda (crescimento amplo da emissão monetária pela Reserva Federal):


No segundo quadro, divide o preço do petróleo em dólares pelo aumento da massa monetária em circulação em dólares (M3), apurando a evolução real do preço do petróleo:
Parece evidente que o “choque petrolífero” de 1973 tem causas monetárias (pelo menos, estas tornam mais compreensível a tomada de posição política dos países produtores naquela data, dado que a linha da inflação estava já claramente acima da do preço do combustível); o de 1980 nem por isso, razão pela qual, ao contrário do primeiro (e, com toda a probabilidade, do actual), foi sendo corrigido nos anos seguintes. Actualmente, a subida do preço é claramente conduzida pela inflação monetária num processo bastante mais longo e com maiores disparidades entre as duas subidas, só recentemente aproximadas, com a curva do preço do petróleo a apanhar a curva do dilúvio de dólares que desde 2003 se vem descontrolando e parece ter forçado a uma correção daquele preço que só podia (e tudo indica que continuará a ser) brutal. O autor é claro em afastar as responsabilidades da OPEP (que garante, com razão, que a oferta não tem sofrido quebras e que não há nenhum desequilíbrio com a procura) e dos “especuladores” por esta situação, apontando certeiramente o dedo aos bancos centrais.

Para terminar, Van Eeden arruma assim a questão da "especulação":

«Professional speculators are seldom the cause of unjustified price increases or decreases (although they can be). Quite the contrary -- if speculators deem prices too low they will buy a commodity thereby preventing prices from falling further. Similarly, if they deem prices too high they will engage in short sales thereby mitigating price spikes. The end result is less volatility, not more volatility. Financial speculators are usually very well informed and intelligent people, and they risk their own capital or capital entrusted to them. They look at markets and assess the potential real return on capital before they attempt a trade, and therefore as a whole are unlikely to take unnecessary risks or do stupid things -- unlike ignorant bureaucrats who every so often feel the need to pacify voters with more senseless regulation.»

(Actualizado)