sexta-feira, julho 29, 2005

L&LP a passeios e banhos...


Após a conclusão da série sobre a primeira metade do século XX português, o L&LP é bem capaz de "hibernar" todo o mês de Agosto, para ir a passeios e banhos. É provável que a única interrupção nessa hibernação se faça para estrear uma nova secção de ligações, o LOYAL WHIG LINKS. Boas férias.

Século XX (n.º 49): O ano de 1948

ESTE ANO: É a apresentação da candidatura do general Norton de Matos à presidência da República, em Julho, um verdadeiro desafio para Salazar? A oposição tenta novamente, é certo, a estratégia “unitária”. Quanto ao candidato, apresenta-se como defensor de um processo constituinte que abra caminho a um regime constitucional próximo do da I República, pondo também grande ênfase numa concepção pluricontinental do Estado que os sectores oposicionistas ainda não abandonaram. Mas, por detrás desta aliança presidencial do reviralho e do P.C.P. são já indisfarsáveis as divergências estratégicas internas: uma parte do reviralho, pouco crente em vitórias eleitorais ou nas possibilidades da conjuntura, prefere demarcar-se dos comunistas e “encostar-se” aos sectores “críticos” do regime (quer esperando uma eventual partilha do poder quer novas oportunidades de golpes palacianos como a tentada em 1945). O efeito da guerra fria leva também alguns reviralhistas a terem maiores pruridos de se ligarem e, na verdade, de ficarem organizativamente dependentes de um partido estalinista como o P.C.P. As tentativas grevistas em meios operários e estudantis em 1947 levaram o Governo a utilizar medidas repressivas (prisões, deportações) que desfalcaram ainda mais os meios apoiantes da candidatura e reforçaram a sua real incapacidade de mobilização. Por outro lado, a recuperação económica já patente no ano passado, a descompressão social que a acompanhou e a capacidade de Salazar se fazer aceitar junto de Ingleses e Americanos mostram que o período de perigo para o regime já passou. Em Fevereiro, a cedência aos Estados Unidos do uso da base militar das Lajes (Açores), mediante um acordo entre os dois governos, além de consolidar o alinhamento atlântico de Portugal, é o reconhecimento definitivo de Salazar como parceiro geo-estratégico pela super-potência do hemisfério ocidental. Estes condicionalismos conduzirão Norton de Matos a abandonar (em Fevereiro de 1949) a corrida presidencial contra o outro velho militar republicano, o presidente Óscar Carmona. Deste modo, o chefe do Governo poderá afirmar, com razão, já em Novembro de 1949 – depois da assinatura do Pacto do Atlântico, a 4 de Abril – que «sem nos confinarmos à experiência portuguesa, parece que a solução [pluri]partidária está ultrapassada pelos factos».

BREVES: --- Apoio: A 11 de Janeiro tem lugar uma manifestação de mulheres em apoio a Salazar, agradecendo-lhe a sua acção durante a guerra. --- Acusação: Em Janeiro, familiares do general José Marques Godinho e o seu advogado, Adriano Moreira, são detidos pela polícia depois de terem anunciado publicamente a sua intenção de responsabilizar judicialmente o ministro da Guerra, Santos Costa, de envolvimento na morte do general (que, participando no golpe falhado de 10 de Abril de 1947, falecera na prisão a 24 de Dezembro, vítima de um ataque cardíaco). --- M.U.D. ilegalizado: Em Março, decretando a sua ilegalização, o Governo põe fim às actividades do M.U.D. e detém os membros das suas comissões central e distrital de Lisboa. --- Homenagem: Em Abril, Salazar é alvo de uma homenagem dos docentes da Universidade de Coimbra, que fazem deslocar uma delegação ao palácio de São Bento com esse efeito. --- Católicos e católicos: A 10 de Julho, o Governo manda encerrar o jornal O Trabalhador, órgão da Liga e da Juventude Operárias Católicas (organismos da Acção Católica), dirigido pelo padre Abel Varzim, ex-deputado e apoiante do regime. Este vinha desenvolvendo uma linha de crítica ao regime, que acusava de não estar a implementar a prevista organização corporativa do Estado. Outro sacerdote, Alves Correia, já se destacara como voz crítica, tendo apoiado o M.U.D. em 1945.

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Século XX (n.º 48): O ano de 1947


DESTAQUE: A partir de 1947, iniciou-se um período de "normalização" da vida nacional no pós-guerra. Na fotografia, a zona do Campo Pequeno, em Lisboa.

ESTE ANO: Tendo sido poupado às destruições da guerra e gozando de uma situação financeira desafogada (bem diferente da do pós I Guerra Mundial), Portugal é, no entanto, um dos países europeus que adere este ano ao chamado “Plano Marshall”, vindo a receber dos Estados Unidos cinco empréstimos que totalizam 54 milhões de dólares. Estas verbas serviram para criar o Banco de Fomento Nacional, um banco público de investimentos, e foram aplicadas na metrópole (40 milhões) e em Moçambique, iniciando-se a amortização em 1958 (patente no pequeno salto então verificado nos encargos da dívida). O aumento da emissão fiduciária e da dívida pública durante a guerra começou a ser travado este ano e manter-se-á nos próximos anos de modo a regressar-se à estabilização do escudo e das contas públicas. Esta “normalização” da política financeira permite também que o índice de preços estabilize a partir deste ano e, no fundo, se regresse à situação macroeconómica que Salazar criara antes do conflito. Passada a Grande Depressão dos anos 30, é a segunda grande época de crescimento económico que realmente se inicia em Portugal este ano (prolongar-se-á até 1974). Tal como na primeira (o período 1851-1891), o País goza de um sistema monetário estável e de uma situação internacional favorável e em plena afluência, o que lhe permite aproveitar o “empurrão” externo apesar da armadura proteccionista. O País vai, aliás, manter-se ainda afastado durante alguns anos do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (G.A.T.T.), que sairá das negociações internacionais realizadas este ano em Genebra. No plano interno, mantêm-se as orientações da lei de reconstituição económica, com efeitos até 1950 e só a partir daí substituída pelos Planos de Fomento, que dosearão as concessões progressivas à opção “industrialista” já pedida pelos industriais no final da guerra. Claramente ligadas a essas concessões estão já a remodelação governamental de 4 de Fevereiro deste ano (em que o “industrialista” Daniel Barbosa ocupa a pasta da Economia) e a “promoção” do reformista Marcello Caetano à presidência da comissão executiva da U.N. e depois à presidência da Câmara Corporativa. A saída de Barbosa do governo, em Outubro de 1948, significará apenas que Salazar não estará disposto a sacrificar o rigor orçamental às concessões ao fomento “industrialista”.

BREVES: --- Alguma agitação: Entre Janeiro e Abril ocorrem várias greves coordenadas pelas estruturas clandestinas do P.C.P. e incluídas na estratégia desestabilizadora da oposição; 29 dos dirigentes destas greves serão deportados para o Tarrafal. Novas greves exigindo aumentos salariais surgem em Abril e Julho entre operários da construção civil na região de Lisboa e assalariados rurais no Alentejo. Em finais de Março, as comemorações do dia do estudante são palco para as actividades similares promovidas pelo M.U.D. Juvenil, cuja direcção é então detida. Simultaneamente, dentro dos meios militares, a actividade golpista continua, sendo neutralizada a 10 de Abril mais uma tentativa de derrube palaciano do Governo, envolvendo oficiais de alta patente e com o apoio tácito do próprio presidente da República. --- Demissões: Em Junho, são demitidos pelo Governo vários funcionários públicos apoiantes da oposição, incluindo 26 professores universitários. A oposição manifesta-se num protesto a propósito de um jantar de homenagem a António Sérgio e, em Outubro, o militante comunista e professor universitário saneado Bento de Jesus Caraça denuncia os maus tratamentos dos prisioneiros na colónia penal do Tarrafal. --- Carmona recebe o bastão de marechal: Desde o final da guerra, o presidente adoptou uma posição dúbia entre Salazar e a oposição, chegando a estar envolvido nos golpes preparados pela chamada Junta Militar de Libertação Nacional. Depois de neutralizadas essas acções, Salazar saiu “por cima” concedendo a Carmona o posto honorífico de marechal nas cerimónias do 28 de Maio.

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Século XX (n.º 47): O ano de 1946


DESTAQUE: Salazar foi capa da Time este ano, que o apresentava como o "deão" dos ditadores da época e o seu regime como uma maçã podre... Este tipo de apresentação da situação política portuguesa foi típico de um momentâneo "cerco" que o regime sentiu no pós-guerra, mas que era ilusório: Salazar tinha a confiança dos líderes ocidentais e soube conquistar um lugar importante dentro do alinhamento de forças da "guerra fria".

ESTE ANO: A 3 de Agosto, o governo português apresentou em Nova Iorque o seu pedido de adesão à Organização das Nações Unidas (O.N.U.). De entre as potências com direito de veto nessa organização internacional, a União Soviética – em pleno regime totalitário de Josef Estaline – opôs-se à candidatura portuguesa, alegando ter o regime político português carácter “fascista” e haver sido conivente com o Eixo. Em Portugal, a comissão central do M.U.D., controlada desde Junho por personalidades próximas do P.C.P. e crescentemente abandonada pelo reviralho, tentou aproveitar esta situação, publicando, a 27 de Agosto, documentos que justificavam o veto interposto na O.N.U. como devido ao carácter “tirânico” do regime liderado por Salazar. O comunicado do M.U.D. de 9 de Setembro, pedindo expressamente à O.N.U. a não admissão de Portugal, motivará a detenção dos membros da comissão central do Movimento oposicionista pouco depois. A estratégia da oposição era tentar isolar internacionalmente o governo de Salazar, fazendo passar a ideia de que o Estado Novo não se coadunava com os princípios da Carta das Nações Unidas e depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de modo a que a “comunidade internacional” incluísse o País no mesmo “cordão sanitário” a que a O.N.U. estava sujeitando a Espanha. Esta atitude veio a surtir efeitos – Portugal só conseguiu a adesão em 1955 – não porque a “comunidade internacional” partilhasse as concepções da oposição portuguesa, mas porque essa “comunidade” não existia de facto; o que existia era a confrontação já obvia entre as democracias anglo-americanas e o totalitarismo soviético. A oposição portuguesa continuava a viver no “espírito da vitória” de 1945, aparentemente sem perceber que o seu frentismo doméstico já não tinha tradução internacional. Por um lado, Portugal não entrava na O.N.U. apenas por causa do veto “ideológico” dos Soviéticos, não das democracias ocidentais – estas, aliás, aquando da formação da Aliança Atlântica, mostrariam o que pensavam e queriam de Portugal e de Salazar. Por outro lado, num mundo em que as democracias eram uma pequeníssima minoria e em que a “cortina de ferro” descera sobre a Europa e a guerra fria se instalara globalmente, era relativamente fácil apresentar o frentismo oposicionista como manobrado pelos interesses geo-estratégicos da União Soviética.

BREVES: --- Amnistia: Chegam a Lisboa, a 1 de Fevereiro, 110 dos oposicionistas detidos até então na colónia penal do Tarrafal e amnistiados em Outubro de 1945. No campo da ilha de Santiago ficaram ainda 54 indivíduos não abrangidos pela amnistia. --- M.U.D. Juvenil: Em Abril é criada ala juvenil do M.U.D. com intenção de arregimentar nas fileiras da oposição jovens estudantes e trabalhadores. --- 29.º Aniversário: Vinte e nove anos depois do fenómeno das aparições, realizam-se a 13 de Maio em Fátima as habituais cerimónias religiosas evocativas, este ano com a participação de um legado pontifício (cardeal Masella). Este coroa simbolicamente, em nome do Papa, uma imagem da Virgem que percorre depois todo o País. A devoção a “Nossa Senhora de Fátima” torna-se a mais importante devoção mariana do País, numa altura em que estava já amplamente divulgado como um dos “segredos” de 1917 a promessa do fim do comunismo e da reconversão da Rússia. Nesta época, marcada por forte afirmação internacional do totalitarismo soviético e também pela estratégia “frentista” da oposição portuguesa, o anticomunismo latente em Fátima causa grande irritação (por muito tempo) entre os opositores do Estado Novo, que aí vêem um acordo tácito de mútua legitimação entre a Igreja Católica e o regime. --- P.C. desarma?: No IV Congresso (na clandestinidade) do P.C.P. em Julho é decidido dissolver os G.A.C. e desistir da estratégia “leninista” a favor da do reviralhismo.

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Século XX (n.º 46): O ano de 1945


ESTE ANO: Durante a guerra, o agravamento da situação de escassez interna e o recurso à inflação para financiar despesas públicas causaram aumentos de preços e manifestações de descontentamento (onda grevista de 1942-45) que a oposição reviralhista e comunista tentou aproveitar. Mas foi só o descontentamento do funcionalismo civil e militar que criou, em Janeiro deste ano – e de dentro do regime –, um perigo real de golpe de Estado contra Salazar. A 14 de Fevereiro, porém, Salazar concede um aumento salarial de 15% (à custa da emissão fiduciária) e o seu braço direito militar Santos Costa procede a algumas trocas de chefia e tudo se acalma. Após a manifestação de 19 de Maio em seu apoio, Salazar remodela a U.N. e, a 6 de Outubro, convoca eleições para 18 de Novembro, abrindo o acto a listas da oposição. Para tanto, toma uma série de medidas de restabelecimento de garantias individuais e direitos políticos, ocorrendo logo a 8 de Outubro o comício fundador do Movimento de Unidade Democrática (M.U.D.). As adesões reunidas pelo M.U.D., por exemplo com 50 mil subscritores em Lisboa e com um espectro variado de personalidades, criam algum rebuliço e levam a U.N. a tentar mobilizar-se eleitoralmente e o Governo a tomar algumas medidas de contenção das actividades da oposição. Isto foi suficiente para que esta, a 27 de Outubro, suspendesse os seus comícios e viesse a desistir da participação no acto eleitoral. Assim, nas eleições realizadas só com candidatos da U.N. votou a maioria dos eleitores (470 mil em 834 mil inscritos), o que esteve longe de ser uma “vitória” para a oposição. Recolhendo algum do descontentamento causado pelos efeitos económicos da guerra e a percepção que chegou a existir – entre a opinião pública e alguns sectores colaborantes do regime – da iminência de uma transformação política, a oposição estava no entanto bastante dividida (entre um reviralho plural e o P.C.P.) e isolada externamente, já que os anglo-americanos não tinham dúvidas em preferir Salazar à incógnita representada por essa aliança composta essencialmente de comunistas e personalidades do passado. Salazar, seguindo a sua táctica habitual, irá tentar apagar os focos de descontentamento social e fazer a situação política regressar à “normalidade”. (Na fotografia, dirigentes do M.U.D., entre os quais Mário Soares.)

BREVES: --- Luto oficial: A 3 de Maio, o Governo decretou 3 dias de luto pela morte do chefe de Estado alemão, Adolf Hitler. A medida, com alguma lógica para um país neutral e em contra-corrente com o oportunismo aliadófilo já plenamente instalado, causa surpresa em vários sectores, dada a situação militar irremediavelnente perdida da Alemanha. --- Reforço do executivo: A revisão constitucional concedeu ao Governo a capacidade de legislar em situações de «urgência e necessidade pública», consagrando assim o poder legislativo de facto do Governo, que tem crescido em detrimento da Assembleia Nacional. --- Novo rótulo: Por decreto de 22 de Outubro, a P.V.D.E. transforma-se em Polícia Internacional e de Defesa do Estado (P.I.D.E.). As actividades deste corpo de polícia especial passam a estar regulamentados com maior realismo: a lei autoriza agora detenções preventivas “para averiguações” até 180 dias (a lei previa até então apenas 8 dias), no caso dos detidos serem considerados suspeitos de “actividades contra a segurança do Estado”. Os direitos dos detidos continuam, no entanto, muito limitados e sujeitos a arbitrariedades. --- Príncipe da Beira: Na legação portuguesa em Berna nasceu D. Duarte Pio, filho dos Duques de Bragança, que, como primogénito do herdeiro presuntivo da coroa, se torna o primeiro Príncipe da Beira do século XX.

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Século XX (n.º 45): O ano de 1944

ESTE ANO: A organização, em Abril e Maio deste ano, pela Associação Comercial de Lisboa (A.C.L.), de uma série de debates sobre a temática “Problemas do Pós-Guerra” veio lançar alguma luz sobre o alinhamento dos grupos de interesses organizados relativamente às principais questões políticas e económicas presentes. Realizados (propositadamente?) antes do II Congresso da U.N., reunido a 25 e 26 de Maio, os debates da A.C.L. vieram defender uma linha de maior favorecimento das relações externas da economia portuguesa em detrimento do proteccionismo alfandegário e das concepções autárcicas veiculadas por industriais e lavradores. Foi defendida a ideia de Portugal como «uma nação marítima, comercial e colonizadora» e o fim da reserva dos mercados coloniais à indústria metropolitana, de um modo que faz a A.C.L. inclinar-se para um modelo de integração de Portugal no amplo espaço económico atlântico que os acordos anglo-americanos de Bretton Woods já esboçam. Mas, tal como a indústria e a lavoura, a A.C.L. – sobretudo ligada ao import-export e às colónias – quer atrair investimentos públicos para áreas da sua conveniência (no seu caso, a navegação, os portos, etc.). Esta questão é o principal foco de tensão entre os dois pólos favorecidos pelo actual modelo económico proteccionista, no qual a A.C.L. nunca se encaixou muito bem. Por um lado, os industriais, que querem o aprofundamento do modelo proteccionista e a criação de garantias que reservem ainda mais o mercado nacional e colonial a novas indústrias de capital português, inclinando-se para uma forte intervenção do Estado que lhes dê facilidades de crédito, subsídios e quase ausência de riscos. Por outro lado, a lavoura, que defende o actual equilíbrio, por temer que um aumento da procura de mão-de-obra na indústria conduza ao aumento dos salários agrícolas, pondo em risco a sua rentabilidade a custo conseguida pelo proteccionismo vigente. Perante o equilíbrio actual, a A.C.L. defende a solução mais radical e que menos acolhimento há-de ter do poder, enquanto as reclamações da indústria (que se definem como prioridade “industrialista” dentro do status quo proteccionista) tenderão a ser lentamente acolhidas de um modo que não comprometa repentinamente a lavoura. Estas cedências, sem a alienação do apoio da lavoura, permitirão a Salazar evitar mudanças políticas no regime como aquelas que algumas vozes chegaram a pedir no II Congresso da U.N.

BREVES: --- Greves: Em Fevereiro reacenderam-se as greves rurais no Ribatejo e no Alentejo, instigadas pelo P.C.P. Em Maio, voltam a ocorrer protestos, em Lisboa e Santarém. --- Nome: A 23 de Fevereiro o S.P.N. transforma-se em S.N.I. (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo); António Ferro mantém-se no leme. --- Volfrâmio e Açores: A 5 de Junho, o governo português aceitou, embora contrariado, o embargo da venda de volfrâmio à Alemanha, como lhe era exigido pelos Ingleses desde 1940. Salazar está preocupado com o avanço soviético no Leste e com a destruição total do poder alemão, que se avizinha e pode colocar a maior parte do continente sob o jugo de Moscovo. A 28 de Novembro, as facilidades militares concedidas aos Ingleses nos Açores no ano passado são estendidas aos Estados Unidos. Estas concessões diminuem a tensão acumulada nos últimos anos entre Lisboa e o eixo Londres-Washington (este cessa também a agitação interna por si fomentada para pressionar Salazar, desiludindo os meios oposicionistas). --- Candidatos: Em Junho, inscrito na estratégia definida em 1943, o MUNAF faz divulgar um “programa de emergência do governo provisório” que tem por detrás uma grande expectativa de derrube do Estado Novo ou de partilha forçada do poder após a vitória dos Aliados na Europa. O P.C.P., aliás, prepara-se para a eventualidade dessa “abertura”, formando em Dezembro os Grupos Antifascistas de Combate (G.A.C.), que lhe permitam levar a cabo um assalto “leninista” ao Estado.

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Século XX (n.º 44): O ano de 1943

ESTE ANO: A 16 de Novembro, num acidente de viação junto a Vendas Novas, perdeu a vida o ministro das Obras Públicas, o engenheiro Duarte Pacheco. A sua carreira pública fica ligada a uma mudança histórica da fisionomia de Lisboa (edifícios dos Institutos Superior Técnico e Nacional de Estatística, Casa da Moeda, Estação Fluvial de Belém, Fonte Luminosa, Alameda de D. Afonso Henriques, Estádio Nacional, Praça do Império, jardins, auto-estradas, aquedutos, aeroporto, parque de Monsanto) e da própria cultura política de ordenamento do território, nomeadamente com a introdução sistemática de planos de urbanismo nos municípios, restauração de monumentos nacionais, integração da rede de telecomunicações e um plano hidroeléctrico e de regadio. Jovem engenheiro republicano apoiante da ditadura e depois golden boy de Salazar, Duarte Pacheco dizia querer «construir para um século» e viu a sua acção possibilitada pelas condições financeiras criadas pelo chefe do Governo no início da década de 30. A dinâmica que imprimiu às Obras Públicas foi muito importante por vir responder às transformações tecnológicas que se começaram a introduzir no País no princípio do século e a consolidar no pós I Guerra Mundial, correndo o risco de estrangulamento devido à instabilidade política e ao caos financeiro. A electricidade e a camionagem reduziam custos de produção e transporte, expandindo o mercado de emprego da indústria e dos serviços, mas necessitavam de estradas e energia hidroeléctrica: ao longo das décadas de 30 e 40, esse esforço de resposta das infra-estruturas começou a ver-se (a electrificação global do País é decidida em Dezembro de 1944). Da mesma forma, a crescente importância do tráfego aéreo e a necessidade de nele integrar o País tornava imprescindível dotar Lisboa e outras cidades de aeroportos. Num País em que a iniciativa privada sempre foi dependente do Estado para estes investimentos em infra-estruturas – mercê da difícil acumulação capitalista e do desproporcionado peso do mesmo Estado –, Duarte Pacheco foi o homem certo no lugar certo no tempo certo. Teve ainda uma visão “política”, no sentido clássico do termo, das obras, edifícios e espaços públicos como ambientes comunitários e de cidadania. Essa concepção era mais dependente da sua formação republicana que de qualquer carácter “fascista”, que na sua acção as obsessões de alguns adversários quiseram ver.

BREVES: --- Oposição: Em Fevereiro, o comité central do P.C.P. divulga um “manifesto à nação” propondo uma estratégia frentista de oposição ao Estado Novo assente na «constituição da unidade nacional de todas as organizações, grupos e individualidades antifascistas e patrióticas» e com o objectivo de derrubar Salazar substituindo-o por um «governo democrático de unidade nacional». Em Dezembro, o acolhimento desta estratégia nos meios reviralhistas leva à constituição do Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF) que começa a preparar a agitação política que deve seguir-se ao fim da guerra na Europa. Nesse contexto, em Julho e Agosto, os comunistas haviam já instigado greves no Alentejo e no Ribatejo, onde se dão confrontos com as forças de ordem pública. --- Facilidades à Inglaterra: A 17 de Agosto, os governos português e inglês assinam um acordo que concede facilidades militares à Inglaterra nos Açores. O acordo só é publicado em 8 de Outubro. --- Censura: Por decreto-lei de 30 de Agosto, o regime de censura prévia, antes regulamentado por legislação avulsa, é sistematizado. As publicações não periódicas passam a estar mais claramente abrangidas pelos dispositivos censórios. --- Estudantes do Império: Em Dezembro, é fundada a Casa dos Estudantes do Império, instituição destinada a acolher em Lisboa os estudantes universitários oriundos das colónias.

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Século XX (n.º 43): O ano de 1942


DESTAQUE: Na embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, a 13 de Outubro, contraíram matrimónio D. Duarte Nuno de Bragança (na fotografia) e D. Maria Francisca de Orléans e Bragança (de quem foi madrinha a rainha D. Amélia). O casamento sela a unidade entre os braços da Casa de Bragança descendentes de D. Pedro e de D. Miguel.

ESTE ANO: A posição económica de Portugal, enquanto país neutro numa Europa em guerra, colocou-o numa situação muito delicada. A Inglaterra e a Alemanha pretendem levantar um bloqueio económico uma à outra e toleram mal as veleidades portuguesas de convivência com os dois lados (relações comerciais bilaterais, facilitação do contrabando, venda de volfrâmio). A partir de Janeiro de 1941, os Ingleses impõem a Portugal um esquema de fiscalização das actividades comerciais do País com o fim de impedirem as reexportações e limitarem as exportações para a Alemanha, enquanto esta lança alguns ataques à frota mercante e pesqueira portuguesa. O Governo, como medida preventiva, prefere limitar fortemente as acções de propaganda de anglófilos e germanófilos junto da opinião portuguesa num momento em que, um tanto oportunisticamente, se sente um balançar dessa opinião para o lado alemão. Dentro do regime, nomeadamente na Legião, a guerra dos Alemães contra a União Soviética cria mais adeptos de uma colaboração com os nazis. Por seu lado, os serviços especiais ingleses provocam um conflito diplomático quando recrutam em Portugal elementos oposicionistas para levarem a cabo operações de propaganda e sabotagem (esta rede é desmantelada pela P.V.D.E. em 1942). Salazar, apesar de manter as exportações para a Alemanha contra a vontade inglesa, facilitava muito mais os fornecimentos à Inglaterra, a qual acumulará (com a boa vontade do Governo e o financiamento do Banco de Portugal) uma dívida de 80 milhões de libras ao nosso País até ao fim do conflito. Durante todo o ano de 1941 a situação interna em Portugal começa a degradar-se com a crescente falta de alimentos importados e combustíveis e o ano de 1942 é já de quase ruptura quando os Americanos se associam ao controle exercido pelos Ingleses sobre as nossas actividades comerciais. Salazar vê nestas dificuldades e na já aparente viragem do conflito a favor dos anglo-americanos motivos suficientes para começar a deixar a posição portuguesa deslizar para o lado dos Aliados: em 23 e 28 de Novembro Portugal celebra com os anglo-americanos um Acordo de Fornecimento e Compras e um Acordo Comercial de Guerra. Salazar consegue, em troca de uma aceitação formal de algumas condições, maiores facilidades de importação de alimentos e combustíveis (que começam também a ser racionados pelo Governo).

BREVES: --- Plebiscito III: O general Carmona, novamente candidato único ao cargo que já ocupa, é reeleito presidente da República a 8 de Fevereiro. --- Mais greves: Em Outubro e Novembro começa um movimento grevista na Companhia Carris de Ferro de Lisboa que se estende à construção naval, aos portos e às instalações da C.U.F. no Barreiro. Os motivos da greve eram a subida do custo de vida, a escassez de bens essenciais e o tabelamento dos salários decretado pelo Governo. As irregularidades e alegada corrupção dos mecanismos de racionamento de bens essenciais eram outros motivos invocados. A 5 de Novembro, o Governo responsabilizará pelos acontecimentos «agitadores profissionais a soldo de Moscovo». --- Assembleia Nacional: Foi plebiscitada a 1 de Novembro a lista única de candidatos a deputados, apresentada pela U.N. --- Socialistas: Em Dezembro é fundado o Núcleo de Doutrina e Acção Socialista em Lisboa e no Porto.

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Século XX (n.º 42): O ano de 1941


ESTE ANO: Começa a publicar-se este ano em Coimbra o Novo Cancioneiro, revista literária da corrente neo-realista, a qual resulta da influência do marxismo e das ideias comunistas na literatura (os primeiros manifestos desta corrente já haviam aparecido nos anos 30). Soeiro Pereira Gomes (na fotografia) publica também este ano Esteiros, que ficará como um dos romances emblemáticos da corrente. A abertura das páginas da “velha” revista oposicionista Seara Nova aos neo-realistas é sinal da crescente convivência literária dos grupos republicanos e maçónicos reviralhistas com a nova geração atraída pelo comunismo. O neo-realismo vai desenvolver uma visão da realidade portuguesa extremamente marcada por um idealismo igualitarista que, na sua oposição “ao que está”, deixará de distinguir o “capitalismo” do autoritarismo político vigente no País, criando uma propensão crescente – mesmo no reviralho não comunista – para as soluções económicas socialistas. Assim, o seareiro António Sérgio tornar-se-á o arauto de um “socialismo cooperativo” e todas as proto-formações partidárias da área reviralhista do pós-guerra terão já designações socialistas. Ao longo da década de 40, com variações e nuances, o marxismo tornar-se-á a moeda de troca ideológica de todos os meios oposicionistas portugueses. Isto explicará em grande medida a aceitação consensual da visão histórica do Estado Novo como um “fascismo” (recuperando a posteriori as precoces invectivas “anti-fascistas” de Raul Proença na Seara Nova desde 1926) e a adopção de um dualismo “fascistas” v. “anti-fascistas” que obscurecerá a maior complexidade da história contemporânea portuguesa. Para a historiografia oposicionista, o Estado Novo passará a ser obra de monárquicos, fascistas e católicos (resumindo, “fascistas”) e não o resultado, mais provável, de um longo processo de convergência e acomodação de quase todas as correntes anti-parlamentaristas e anti-liberais com a predominância dos velhos republicanos e da sua mística nacionalista e unitária. A tendência de unidade ideológica do “anti-fascismo” impediu ainda que a oposição se tornasse num meio privilegiado de debate e reflexão sobre as grandes questões nacionais, impossibilitando o florescimento de correntes de reformismo liberal que, quando timidamente surgiram, estavam mais dentro do regime do que fora.

BREVES: --- Sintomático: A 19 de Abril, a Universidade de Oxford atribui a Salazar o grau de doutor honoris causa numa cerimónia realizada em Portugal, na sala do Senado da Universidade de Coimbra. --- Discurso: A 28 de Abril tem lugar no Terreiro do Paço uma manifestação de apoio a Salazar por ocasião do seu 52.º aniversário. Salazar pronuncia então o discurso «Todos não somos demais». --- Entusiastas: A 11 de Junho, a quebra do Pacto Germano-Soviético por Hitler e a invasão da Rússia provoca uma onda de entusiasmo na Legião Portuguesa, tentando “sensibilizar” o neutral e circunspecto chefe do Governo para a “cruzada” anti-comunista dos nazis. --- Não pagamos: Os estudantes universitários de Lisboa e Coimbra iniciam em Novembro uma greve contra o aumento de propinas decretado pelo Governo. Solidarizando-se com a greve, a comissão administrativa da Associação Académica de Coimbra, nomeada pelo Governo em substituição da direcção eleita, decide demitir-se. --- Greve: Os aumentos de preços decorrentes da situação de guerra começam a provocar o aparecimento de focos de descontentamento entre os meios operários. A 27 de Novembro, inicia-se um movimento grevista na indústria têxtil da Covilhã, exigindo aumentos salariais.

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Século XX (n.º 41): O ano de 1940


DESTAQUE: A Exposição do Mundo Português realizou-se este ano. Em Belém, ergue-se uma vistosa tentativa de fortalecer o orgulho e a autoconfiança dos Portugueses. Mas, num mundo em guerra, perde-se o pretendido impacto internacional e a Exposição tem sobretudo um efeito interno positivo para o regime político instalado há sete anos. Na fotografia, Cerejeira, Salazar e Carmona na inauguração.

ESTE ANO: A República Portuguesa e a Santa Sé assinaram no Vaticano, a 7 de Maio, uma Concordata que pode pôr fim ao longo diferendo sobre o lugar da Igreja Católica na sociedade portuguesa. Pela Santa Sé, assinou o documento o cardeal Luigi Maglione (plenipotenciário do Papa Pio XII) e, em representação do Presidente da República Portuguesa, assinaram o general Eduardo Augusto Marques (presidente da Câmara Corporativa), Dr. Mário de Figueiredo (deputado e director da Faculdade de Direito de Coimbra) e Vasco Francisco Caetano Quevedo (ministro plenipotenciário junto da Santa Sé). Hoje já não se põe o problema de restaurar o Catolicismo como religião oficial, algo que a própria Igreja não reclama. Trata-se, sim, de delinear o espaço e o modo de actuação tanto do clero como de um laicado crescentemente organizado (através da Acção Católica). O documento pressupõe a separação entre Estado e Igreja e não interfere no princípio da liberdade de cultos mantido, pelo menos na letra, na Constituição de 1933. É devolvido à Igreja Católica o usufruto mas não a propriedade dos templos classificados como património histórico. A nomeação dos bispos por Roma continua a processar-se com o acordo do Governo português, mas o beneplácito (aprovação de documentos eclesiais) é abolido. A Igreja passa a gozar de liberdade de ensino, é facilitada a instalação no País de ordens religiosas e aponta-se para uma mais estreita cooperação com o Estado em iniciativas tendentes a solidificar a soberania portuguesa nas províncias ultramarinas. Para esse efeito, foi celebrado no mesmo dia um Acordo Missionário entre a República Portuguesa e a Santa Sé, que completa o texto da Concordata. O casamento católico volta ao seu antigo estatuto, anterior às leis da família de 1911, sendo incompatibilizado com o divórcio (apenas aplicável a casamentos civis). A nova Concordata representa um tipo de relacionamento entre o Estado e a Igreja diferente dos modelos vigentes durante a Monarquia constitucional e a I República. Antes de 1911, a Igreja foi “anexada” à estrutura do Estado e as suas actividades estavam muito condicionadas por esse facto. Após 1911, o Estado separou-se da Igreja mas exerceu um controle ainda mais apertado das suas actividades. O novo arranjo saído da Concordata será importante para garantir ao Estado Novo e a Salazar o apoio colaborante da hierarquia e da grande massa de crentes católicos.

BREVES: --- Censo de 1940: A população metropolitana portuguesa (continente e ilhas adjacentes) atingiu este ano os 7.724.000 indivíduos, cerca de mais 900 mil que há dez anos. Este crescimento deve-se, em boa medida, ao fim da corrente migratória, estancada pelos países de acolhimento após a crise de 1929. A população urbana continuou a crescer: Lisboa 635 mil, Porto 294 mil, Funchal 40 mil, Setúbal 37 mil (voltará a ser a terceira cidade em 1950), Braga 29 mil e Coimbra 27 mil; há já 27 cidades com mais de 10 mil habitantes, contra as 12 de 1900 ou as 17 de 1930. O peso do sector agrícola e da indústria extractiva na população activa reforçou-se com a quebra da emigração (e só recomeçará a cair quando esta retomar na década de 50): há agora 1.480.000 indivíduos no sector primário, 566.000 no secundário e 729.000 no terciário. --- Duplo centenário: A 2 de Junho, em Guimarães, iniciam-se as grandes comemorações da Independência (1140) e da sua Restauração (1640); em Lisboa, na Praça do Império, é inaugurada a grandiosa Exposição do Mundo Português. Os pavilhões temáticos são Fundação de Portugal, Formação e Conquista, Independência, Descobrimentos, Colonização, Brasil, Lisboa e Portugueses no Mundo. As Comemorações são encerradas a 2 de Dezembro com um Te Deum na Sé de Lisboa e uma sessão solene na Assembleia Nacional.

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Século XX (n.º 40): O ano de 1939


ESTE ANO: O deflagrar da II Guerra Mundial em Setembro deste ano veio abrir a Salazar uma “frente externa” de luta política bem mais complexa que a criada pela guerra civil espanhola desde 1936. Portugal não quer envolver-se nas questões europeias, pretendendo meramente prevenir ameaças à integridade do seu território metropolitano e à sua soberania ultramarina. A aliança com a Inglaterra, nosso principal parceiro comercial e potência que domina os corredores marítimos que nos ligam a África e ao Oriente, continua a ser o eixo da política externa portuguesa. Em face do conflito no país vizinho, Salazar tinha obvias preferências pelo lado franquista (que apoiou militarmente contra o “mal maior” representado por um sector republicano crescentemente hegemonizado pelos vermelhos), mas manteve alguma distância tanto para não se demarcar da posição neutral inglesa como para contrariar as veleidades anexionistas da direita radical espanhola. A 13 de Março deste ano, foi celebrado com Franco um acordo de amizade e não-agressão que se inscreve nesta linha de contenção do “perigo espanhol”. Agora, perante a guerra europeia, o seu principal objectivo relativamente à Espanha é que esta não alinhe com os Alemães e evite a extensão do conflito à Península Ibérica. Se isso acontecesse, a invasão hispano-alemã de Portugal seria inevitável. Mas, mesmo fazendo tudo para o evitar, Salazar manterá conversações secretas com os Ingleses a partir de Dezembro de 1940 para a eventualidade de acontecer o pior: nesse caso, a Inglaterra deveria apoiar a retirada do Governo português para os Açores e assegurar a defesa do arquipélago. Entre a opinião pública, é partilhada a clara inclinação anglófila do Governo, havendo uma minoria de simpatias fascistas na imprensa ou, por exemplo, na Legião. Aliás, Ingleses e Alemães desenvolvem uma autêntica guerra de propaganda em Portugal para influenciarem a opinião pública e que, nesta fase, o Governo prefere não contrariar a bem da neutralidade. A derrota da França e de outros países ocidentais até ao Verão de 1940, tornando a Alemanha aparentemente invencível, vai forçar Salazar a moderar a anglofilia da política portuguesa sobretudo no que a questões económicas dizia respeito: os Alemães estavam nos Pirenéus e Franco podia ter de ceder-lhes. (Na fotografia, um avião militar português desta época).

BREVES: --- Recusa: A 14 de Abril, o Governo português declinou o convite que lhe foi endereçado pelo embaixador italiano em Lisboa para ingressar no “Pacto Anti-Komintern” (já subscrito pela Alemanha, Itália e Espanha). Passado o perigo da guerra civil espanhola e de uma conquista do poder pelos comunistas no país vizinho, Salazar inicia um período de contenção dos elementos pró-fascistas do regime e de regresso a uma posição de equidistância entre o Eixo nazi-fascista e a entente anglo-francesa. --- Aliança: A 17 de Agosto, nas vésperas do começo da II Guerra Mundial, os governos português e inglês concluem um acordo que visa rearmar as forças militares portuguesas. Portugal quer prevenir a sua segurança na eventualidade de um conflito à escala europeia, enquanto à Inglaterra não convém que os países ibéricos se envolvam nas hostilidades (porque não seria fácil combater uma ofensiva italo-alemã na península com a provável cooperação de Franco). --- Prevenção: A 14 de Dezembro, perante o deflagrar da guerra, o Governo atribui-se competências alargadas de fixação de preços e definição de quotas de importação e exportação, antevendo eventuais necessidades de racionamento de alimentos e combustíveis.

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Século XX (n.º 39): O ano de 1938


ESTE ANO: Após os primeiros filmes de Aurélio Paz dos Reis antes da República ou o curto sucesso da produtora portuense Invicta Filme antes da década de 20, só nos anos 30 o cinema se populariza, o mesmo acontecendo com as emissões de rádio, experimentadas desde meados da década de 20. A produtora cinematográfica Tóbis Portuguesa e as primeiras grandes estações de rádio de programação generalista fazem agora o seu aparecimento. Em 1931, fundado por Botelho Moniz, começou a emitir o Rádio Clube Português, que se tornará a principal estação privada de radiodifusão do País durante muitas décadas. Em 1933, sob administração estatal e por iniciativa de Duarte Pacheco, surgiu a Emissora Nacional de Radiodifusão, claramente associada ao esforço do Estado Novo de desenvolver uma “política cultural” que continuasse a tendência ideológica de “reaportuguesar Portugal”. Esses ideais culturais nacionalistas ou nativistas, mais tarde considerados invenção da “política do espírito” do Secretariado da Propaganda Nacional (S.P.N.) de António Ferro, eram as concepções absolutamente dominantes entre a intelectualidade e os meios artísticos desde o final do século XIX e o governo de Salazar foi simplesmente o primeiro a ter recursos para delinear estratégias e subsidiar criadores. A rádio, além de permitir ao poder político evitar a mediação única da imprensa na sua relação com a opinião pública, criou condições – tal como o cinema – para que a grande massa da população, mesmo a parte iletrada, pudesse ser progressivamente integrada nessa “cultura portuguesa” recriada ou inventada das “marchas populares”, do fado, das “aldeias típicas”, dos monumentos “restaurados”. O cançonetismo nacional, através da rádio, torna-se uma das facetas mais populares desta nova era cultural e o cinema, com filmes sonoros como A Severa (1931), A Canção de Lisboa (1933) ou Aldeia da Roupa Branca (1938), ajuda a criar uma imagem tipificada e popular de Portugal, fadada a grande longevidade. Além do estricto controle político destes meios de comunicação e de uma censura relativa aos costumes (neste aspecto não muito diferente do que acontece um pouco por toda a parte), a rádio e o cinema não deixam também de ir familiarizando o público português com uma cultura mais cosmopolita, suplementar, de cantores estrangeiros e fitas de Hollywood.

BREVES: --- Príncipe: Após a anexação da Áustria pelo Reich alemão em Março, o Governo português concedeu passaporte nacional ao depositário dos direitos dinásticos, D. Duarte Nuno de Bragança, ainda residente em Viena. --- Anúncio: A 27 de Março, uma nota oficiosa divulga o programa das Comemorações do Duplo Centenário da Fundação e da Restauração, que terão lugar em Lisboa e Guimarães em 1940. --- Reconhecimento: A 28 de Abril o Governo português reconhece oficialmente a Junta de Burgos, chefiada pelo general Franco, como o governo legítimo de Espanha. Nesta altura, a guerra estava já plenamente internacionalizada e, no lado republicano, dominada pelos comunistas. --- Camping político: A 28 e 29 de Maio realizou-se o II Acampamento Nacional da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina, reunindo em Lisboa mais de 20 mil filiados. Os contactos com as Juventudes fascista italiana e nazi alemã, alimentadas sobretudo pelos elementos de simpatias fascistas dentro da M.P., mantêm-se, tal como os esforços de nela integrar os corpos de escuteiros previamente existentes (com oposição dos próprios e da Igreja Católica). --- Eleições: A 30 de Outubro, os eleitores foram votar nos candidatos únicos da U.N. à Assembleia Nacional. O círculo nacional só será abandonado em 1945 a favor dos círculos distritais.

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Século XX (n.º 38): O ano de 1937

ESTE ANO: A conjuntura diplomática europeia em que as democracias ocidentais estão a braços com as exigências alemãs e italianas e tentando evitar um novo conflito mundial, fez reaparecer rumores sobre a partilha das nossas colónias africanas. Em Portugal, como em 1890, reage-se com a reafirmação da tese dos chamados “direitos históricos” da soberania portuguesa em África, inscrevendo-se nesse esforço a inauguração, a 19 de Junho, do I Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo e de uma Exposição Histórica da Ocupação. De entre as reformas que tem realizado, o Estado Novo deu à questão ultramarina o devido peso, nomeadamente com o importante Acto Colonial de 1930, em grande medida delineado por Salazar. As soluções administrativas centralistas e de firme controle orçamental adoptadas visaram a correcção dos desmandos das administrações coloniais da I República que, rompendo com o sistema mercantilista centralizado da Monarquia, concederam plenos poderes aos administradores nomeados por Lisboa. Estes tenderam, no entanto, para políticas clientelares, atraindo gente da metrópole que empregavam numa administração financeiramente descontrolada e em crescente conflito com as elites crioulas locais. Alternaram ainda arrojados e arruinantes planos de colonização com concessões duvidosas a capitalistas estrangeiros, enquanto o trabalho servil dos nativos, apesar de toda a retórica humanitária, se mantinha. Em termos práticos, o Estado Novo saneou financeiramente as administrações e restaurou os princípios mercantilistas (as colónias transformadas numa reserva económica da metrópole), mas substituindo o sistema das reexportações do tempo da Monarquia pela obrigação dos exportadores coloniais converterem em escudos as suas divisas estrangeiras (que entram assim nos bancos portugueses). Mas o estatuto do indigenato manteve o princípio do trabalho forçado e as administrações, embora mais dependentes de Lisboa, continuam a velha tradição de práticas arbitrárias e prepotentes sobre os nativos, tendendo a agravar-se o choque e o tratamento desigual entre os colonos metropolitanos (que continuam a acorrer a África) e os crioulos. As colónias permanecem meramente como uma margem de sobrevivência do proteccionismo e do sonho de grandeza do País.

BREVES: --- Não-intervenção: Em Fevereiro concluem-se as negociações iniciadas em Agosto de 1936 do Comité Internacional para a Aplicação do Acordo de Não-Intervenção, que pretende proibir o recrutamento de voluntários estrangeiros para os dois lados em luta na guerra civil espanhola. Portugal compromete-se a acatar o acordo, mas, na realidade, não impedirá a ida de voluntários saídos do sector mais politizado de apoio ao regime (os cerca de 20 mil “Viriatos” que se juntam à luta contra a República espanhola). --- Mocidade e Legião: Nas comemorações do 28 de Maio deste ano, dado o clima de exaltação vivido com a guerra em Espanha, a Mocidade e a Legião Portuguesas são as “estrelas” do desfile realizado em Lisboa. --- Atentado: A 4 de Julho, Salazar escapa a um atentado bombista preparado para o eliminar. --- Mortes no Tarrafal: Em Agosto e Setembro morrem na colónia penal do Tarrafal seis prisioneiros devido a maus tratamentos e falta de assistência médica. --- Operação: Em Novembro, uma operação levada a cabo pela P.V.D.E. atinge fortemente os meios anarquista e comunista então mobilizados no apoio ao esforço de guerra dos seus correligionários espanhóis. O P.C.P. vê a sua organização clandestina praticamente desfeita.

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Século XX (n.º 37): O ano de 1936


ESTE ANO: Entre Maio e Setembro deste ano ocorreu a fundação de duas organizações miliciais, a Mocidade Portuguesa (M.P., na fotografia, na inauguração do Estádio Nacional) e a Legião Portuguesa (L.P.), que parecem ser inspiradas em organizações do género existentes na Itália fascista e na Alemanha nazi. A M.P. é uma organização obrigatória para a juventude e pretende enquadrar ideologicamente a população escolar dos níveis primário e secundário; a L.P., formada por adultos voluntários, é um corpo paramilitar de apoio ao regime. A formação deste tipo de organizações vinha sendo contrariada por Salazar desde que, em finais de 1933, uma parte do movimento Nacional-Sindicalista rompera com o seu líder (Rolão Preto) e aderira ao Estado Novo. De ideologia fascista, o Nacional-Sindicalismo desenvolvera-se como movimento político e sindical autónomo dentro do sector de apoio à ditadura militar mas opusera-se à Constituição de 1933, por a julgar muito moderada. Essa autonomia e a oscilação do movimento entre a tentativa de colaboração com o regime e a conspiração contra ele, levou Salazar a ilegalizá-lo em Julho de 1934. Mas a eclosão da guerra civil espanhola no Verão deste ano de 1936 veio modificar a relação do regime com o movimento. Salazar acha agora necessário criar alguns instrumentos de enquadramento e combate ideológico mas quer colocá-los sob a alçada do governo. Perante Rolão Preto, que passou à oposição e não desiste de tentar reorganizar o movimento, o chefe do Governo pensa que a melhor forma de controlar os nacionais-sindicalistas é criar instituições que estes possam integrar mas não dirigir. É isto que explica a fundação da M.P. e da L.P., de aparência fascista mas realmente veiculando um ideário de mera lealdade ao Estado Novo. Salazar conseguirá assim desmembrar o Nacional-Sindicalismo e virá a neutralizar a sua influência ideológica e de liderança na M.P. e na L.P. logo que o fim do perigo da guerra em Espanha lhe dê maior margem de manobra para dispensar os elementos fascistas no interior do regime. A M.P. e a sua congénere Mocidade Portuguesa Feminina (M.P.F.) transformar-se-á num género de corpo de escuteiros do Estado incluído no currículo escolar, enquanto a L.P. será colocada sob a vigilância e a chefia de oficiais do Exército. A “fascização” é assim instrumental e passageira.

BREVES: --- Tarrafal: A 23 de Abril é criada a Colónia Penal do Tarrafal, na ilha de Santiago, arquipélago de Cabo Verde. Funcionando até à década de 50, o campo prisional destina-se a receber militantes oposicionistas considerados particularmente perigosos pelo Governo. As condições duras a que os detidos eram sujeitos dar-lhe-á o nome de “campo da morte lenta”. A 29 de Outubro chegam os primeiros prisioneiros, sobretudo anarquistas e comunistas. --- Discurso de Braga: Nas comemorações do décimo aniversário do 28 de Maio, em Braga, Salazar profere o famoso discurso ideológico sobre as “grandes certezas” do Estado Novo (Deus, Pátria, Família, Autoridade e Trabalho). --- Ventos de Espanha: A eclosão a 18 de Julho da rebelião militar em Espanha que dará início a uma guerra civil no país vizinho começa a repercutir-se em Portugal. A 23 de Outubro, Salazar suspende as relações diplomáticas com o governo de Madrid e assume a pasta dos Negócios Estrangeiros depois de discordâncias com o ministro Armindo Monteiro (logo nomeado embaixador em Londres). Enquanto os comunistas tentam estender a Portugal o clima de guerra civil com a rebelião falhada de marinheiros de três navios de guerra (8 de Setembro), Salazar começa a cooperar discretamente com os rebeldes espanhóis.

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Século XX (n.º 36): O ano de 1935


DESTAQUE: De novo candidato único à presidência da República, o general Carmona é plebiscitado a 14 de Fevereiro.

ESTE ANO: Depois de garantida a estabilização financeira e monetária que Salazar pretendia alcançar, o Governo avança este ano mais uma etapa das suas reformas, com a lei de reconstituição económica. Esta tem a particularidade de entender o reequipamento das forças armadas como parte da renovação das principais infra-estruturas do País. Cerca de metade dos recursos públicos disponibilizados para investimentos nessa área são, com efeito, destinados a dotar o Exército e a Armada de equipamento mais moderno que concorra não só para a maior eficiência da sua missão mas também que fortaleça a auto confiança dos militares, actualmente em processo de submissão ao novo regime (depois das sucessivas eliminações dos focos oposicionistas no seu interior). As obras de melhoria da estrutura portuária absorverão a segunda maior parte dos investimentos, seguindo-se os destinados à agricultura, nomeadamente em projectos hidráulicos. Os edifícios públicos, as telecomunicações, a electrificação e as colónias receberão outras partes menores das quantias disponibilizadas pela nova lei. As fontes de receita destes investimentos são tanto despesas a inscrever nos orçamentos dos próximos anos (num total de 3.750.000 contos) quanto quantias resultantes dos saldos positivos das contas públicas nos últimos anos (750.000 contos) e outras obtidas através de empréstimos a contrair (2.000.000 contos). O total das despesas, em termos reais, virá a ser inferior ao previsto (embora superior em termos nominais), evidenciando a preocupação central de controle orçamental na política económica do Governo. A lei de reconstituição económica enforma o princípio de acudir financeiramente aos sectores que podem pôr em causa o equilíbrio social almejado pelo Estado Novo e não exactamente um princípio de fomento económico ou de industrialização conduzido pelo Estado, o que Salazar chegou explicitamente a considerar como «teses ambiciosas» e «programas vastos de mais» (discurso de encerramento do I Congresso da Indústria Portuguesa em Outubro de 1933). Estas condições permitem, mesmo assim, o aparecimento de novas indústrias entre 1933 e 1938 como a Empresa Nacional de Aparelhagem Eléctrica, a Empresa Nacional de Penteação de Lãs, a Soda Póvoa, a Lusalite, a Companhia Vidreira Nacional (Covina) e a refinadora Sacor.

BREVES: --- Secretas, não: A 21 de Maio são ilegalizadas todas as chamadas “sociedades secretas”, nas quais se incluem essencialmente as lojas maçónicas. Já interditada de facto, a Maçonaria passa a estar interditada de jure, reentrando numa fase de clandestinidade que já não vivia desde 1834. --- Atracção: A 13 de Junho, é fundada a Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.) que, juntamente com o S.P.N., passará a organizar actividades lúdicas e culturais para os tempos livres dos “trabalhadores”. Desenvolvendo essas actividades no quadro dos Sindicatos Nacionais, a F.N.A.T. pretende aproximar operários e assalariados em geral quer do regime quer da estrutura associativa corporativa. A 1 de Maio já se realizara o primeiro “Dia do Trabalhador” oficial com festejos em Lisboa e Guimarães, onde desfilaram alguns milhares de sindicalizados. --- Outra vez: A 10 de Setembro é neutralizada uma tentativa de golpe animada por republicanos reviralhistas e nacionais-sindicalistas que pretendiam forçar a demissão de Salazar. A 11 de Novembro, muitos dirigentes oposicionistas, incluindo o líder comunista Bento Gonçalves, são presos. A 13 de Maio já ocorrera a demissão compulsiva de vários funcionários públicos oposicionistas, incluindo 33 professores universitários.

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Século XX (n.º 35): O ano de 1934


ESTE ANO: Após a monopolização da actividade política na estrutura da U.N., o novo regime avançou, com a legislação de Setembro do ano passado, para a monopolização das actividades sindicais. É este facto que explica que os sindicalistas da C.G.T. e os militantes do P.C.P. se tenham mobilizado no princípio deste ano para levarem a cabo uma tentativa de sublevação. Até aqui estas organizações tinham meramente alinhado em todas as revoltas conduzidas pelos sectores civis e militares das antigas estruturas partidárias da I República que haviam sido preteridas ou não se quiseram integrar na ditadura. Aliás, a sucessiva derrota desses movimentos foi conduzindo a uma depuração do espectro político civil e militar, dando um peso cada vez maior aos sectores apoiantes da ditadura no universo da política activa: entre 1926 e 1939, terão sido presos por razões políticas mais de 11.500 indivíduos, deportados mais de 1.500, mortos (sobretudo em combate) mais de 200 e feridos cerca de 1000. O sobrevivente sector civil dissidente, composto de algumas personalidades da I República (conhecido como reviralho), foi-se assim marginalizando, enquanto a ilegalização definitiva dos sindicatos livres desferiu um golpe mortal à C.G.T. A 18 de Janeiro, a tentativa de greve geral levada a cabo pretendia resistir à nova legislação, mas a dura repressão de que foi alvo acabou por desmembrar todo o movimento operário anarco-sindicalista organizado na C.G.T. Tratou-se de mais um efeito de “depuração” provocado pelas revoltas contra o governo de Salazar, que afectou também a velha estrutura político-sindical socialista. O efeito a longo prazo destes acontecimentos será a adopção, pelo reviralho, de uma estratégia insurreccional mais discreta e cautelosa e a hegemonização do sector revolucionário político e sindical pelo P.C.P., cuja estrutura clandestina conseguiu sobreviver. Da derrota destas rebeliões saiu também um reforço da base de apoio do novo regime entre as classes médias, já que estas não viam nos revoltosos nem um projecto político claro nem garantias contra o regresso da “desordem” quase universalmente odiada. Esse estado de espírito permitiu a Salazar apresentar-se como a única alternativa ao ambiente político do final da Monarquia e da I República.

BREVES: --- Esvaziamento: A 28 de Janeiro é lançada a Acção Escolar Vanguarda na órbita do regime, visando enquadrar politicamente a juventude e esvaziar o Nacional-Sindicalismo na frente estudantil. Esta organização e a Liga 28 de Maio serão as rampas de lançamento das futuras Mocidade e Legião Portuguesas. --- Cisão: Em Fevereiro consuma-se a divisão no Nacional-Sindicalismo, com a adesão de uma facção sua ao Estado Novo, que começa a publicar o jornal Revolução Nacional a 1 de Março. A 12 e 29 de Julho são detidos e exilados os dois principais dirigentes do Nacional-Sindicalismo, Rolão Preto e Alberto Monsaraz. O movimento é definitivamente ilegalizado e perseguido. --- O primeiro: A 26 de Maio realiza-se o I Congresso da União Nacional, que marca o seu “arranque” definitivo. A 16 de Dezembro, realizam-se as primeiras eleições para a Assembleia Nacional a que só podem concorrer os candidatos da U.N. Os 90 deputados são eleitos por um absurdo círculo único que integra toda a metrópole e ultramar. --- No Porto: Em Junho, na Cidade Invicta, é inaugurada a I Exposição Colonial Portuguesa cujo comissário-geral é o capitão Henrique Galvão, futuro conspirador contra Salazar no pós-guerra. --- Cunhal eleito: O dirigente comunista e estudante de Direito Álvaro Cunhal é eleito representante dos estudantes no Senado da Universidade de Lisboa.

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Século XX (n.º 34): O ano de 1933


DESTAQUE: A 7 de Julho, Salazar exorta os Nacionais-Sindicalistas de Rolão Preto (fotografia), que têm vindo a provocar desacatos, a integrarem-se na União Nacional, dando a entender não poderem ser um movimento político autónomo e, a 23 de Setembro, é proibido o jornal Revolução.

ESTE ANO: A 19 de Março foi plebiscitada a nova Constituição Política, que inaugura realmente uma nova República (denominada Estado Novo). A aprovação da nova Constituição nas urnas – por sufrágio universal – foi o fim de um processo iniciado em Dezembro de 1931 com a nomeação de um Conselho Político Nacional encarregado de se pronunciar sobre a proposta de Constituição preparada por Salazar com a colaboração dos professores Fezas Vital, Quirino de Jesus e Marcello Caetano. Perante este projecto, divulgado a 28 de Maio do ano passado, definiram-se duas tendências críticas dentro do amplo sector que apoia a ditadura e o processo constituinte: um “liberal” representado por alguns advogados como Pinto Barriga e militares como o general Vicente de Freitas e um “autoritário” composto pelos neomonárquicos integralistas e pessoas próximas do Nacional Sindicalismo de tendência fascista. Os “liberais”, preocupados em manter as liberdades individuais, o carácter integralmente electivo da Assembleia Nacional (antiga Câmara dos Deputados) e um equilíbrio entre os poderes do Parlamento e do Governo, criticaram a «ditadura constitucionalizada» (Barriga) e o «regime autocrático com fachada parlamentar» (Freitas); a estas críticas, Salazar concedeu uma Assembleia e uma presidência da República electivas e um pequeno reforço da competência parlamentar (que por maioria de dois terços pode obrigar o executivo à promulgação de leis por si aprovadas). Os “autoritários”, criticando a permanência de mecanismos parlamentares e a tutela do Estado sobre a projectada organização corporativa da sociedade, permitiram a Salazar assumir uma posição de “meio termo” e defender melhor o seu modelo de amplos poderes para o Governo. A nova Constituição prevê ainda uma Câmara Corporativa que pretenderá representar no parlamento os vários sectores económicos e profissionais da sociedade, dando assim expressão à “democracia orgânica”, oposta à democracia pluripartidária, e que era uma das reinvindicações entre os sectores críticos do parlamentarismo desde o século XIX.
O monopólio partidário da U.N., a ausência de mecanismos eficientes para submeter o poder executivo ao primado da lei e o fim do carácter electivo das Câmaras Municipais são indícios de que a nova Constituição se prestará a abrir caminho a uma crescente concentração de poderes nas mãos do presidente do conselho de ministros.

BREVES: --- Vigilância: A 23 de Janeiro é criada a Polícia de Defesa Política e Social, que se torna, a 29 de Agosto, Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (P.V.D.E.). --- V.I.P.: Em Fevereiro são publicadas as famosas entrevistas de Salazar a António Ferro (Diário de Notícias, Dezembro 1932) reunidas no livro Salazar: o Homem e a Obra, prefaciado pelo próprio chefe do governo. --- Corporativismo: A 23 de Setembro é promulgado o Estatuto do Trabalho Nacional, que institui uma organização corporativa: Grémios (patronais) Industriais e da Lavoura, Casas dos Pescadores e do Povo (para agricultores), Sindicatos Nacionais (operários) e associações profissionais (como as Ordens). Apesar das Corporações, que juntam verticalmente os vários sectores, só serem instituídas em 1956, o Estado passa desde já a “disciplinar” as relações laborais, proibindo a greve e o lock-out. --- S.P.N.: A 25 de Setembro é criado o Secretariado da Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro. --- Acção Católica: A 10 de Novembro, o Papa Pio XI institui a Acção Católica Portuguesa, estrutura que passa a enquadrar todas as organizações laicais católicas e é tolerada pelo Estado como entidade religiosa.

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quinta-feira, julho 28, 2005

Governo tenta desvalorizar críticas dos economistas


O governo insiste em gastar dinheiro a rodos numa altura em que já estamos a contra-relógio para uma bancarrota. E o ministro das obras públicas diz mesmo que é preciso acabar com a "obsessão do défice". Deus nos acuda, que eles estão mesmo loucos...! Para ler artigo do DN, clicar aqui.

"A Snowball in the Making: China's Basket of Currencies" por Axel Merk

Via Causa Liberal.

terça-feira, julho 26, 2005

Hinos do Novo Testamento (I): Lucas 1:46-55


"MAGNIFICAT"
46 Disse então Maria: A minha alma engrandece ao Senhor, 47 E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; 48 Porque atentou na baixeza de sua serva; pois eis que desde agora tôdas as gerações me chamarão bemaventurada; 49 Porque me fez grandes cousas o Poderoso; e santo é o seu nome. 50 E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem. 51 Com o seu braço obrou valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. 52 Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. 53 Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos. 54 Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia, 55 (Como falou a nossos pais) para com Abraão e sua posteridade, para sempre.

P.S. Seja-me permitido iniciar também uma série de posts, muito minha. A versão do texto do N.T. aqui reproduzido é da edição de João Ferreira de Almeida (1691), revista, editada pela Sociedade Bíblica em 1946.

O CRISTÃO INDIVIDUALISTA

O período da ditadura militar (1926-1933)

Com a publicação destes últimos sete posts, relativos aos anos de 1926 a 1932, fica encerrada a penúltima parte desta série sobre a primeira metade do século XX português (1900-1948). A última parte cobre o período desde a fundação da II República (vg. "Estado Novo") até ao ano de 1948, em que o poder de Salazar se reconsolida no pós-guerra e lhe permite ficar mais vinte anos à frente dos destinos do País. Esse último conjunto de dezasseis posts será publicado, como prometido, até ao fim do corrente mês.

Desde já, L&LP anuncia uma segunda série histórica sobre a sucessão dinástica da Casa Real portuguesa, desde o senhor D. Afonso I até ao senhor D. Duarte Pio.

Século XX (n.º 33): O ano de 1932


DESTAQUE: A 2 de Julho, em Twickenham (Inglaterra), D. Manuel II morreu sem deixar descendentes. A 2 de Agosto o corpo do Rei é solenemente trasladado para o panteão real em S. Vicente de Fora (Lisboa), cerimónia com a qual Salazar quer agradar aos monárquicos. A nacionalidade alemã e brasileira dos seus parentes mais próximos faz os direitos dinásticos passarem para o ramo dos Braganças que por mais tempo preservaram a nacionalidade portuguesa: o dos descendentes de D. Miguel exilados na Áustria. Assim, na pessoa de D. Duarte Nuno, todas as correntes monárquicas (constitucionais, miguelistas, integralistas) passam a convergir num único pretendente à coroa.

ESTE ANO: Depois da nomeação do doutor Salazar como presidente do conselho de ministros, a 5 de Julho, substituindo o general Domingos de Oliveira, o engenheiro Duarte Pacheco parece ter visto reforçada a sua posição no governo. Com 33 anos, Duarte Pacheco era presidente do Instituto Superior Técnico desde 1924, tendo-se tornado presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 1928 e pouco depois ministro da Instrução. Agora, permanecendo no primeiro governo da ditadura chefiado por Salazar, passou a ser o responsável pela pasta das Obras Públicas e Comunicações. A acção de Duarte Pacheco neste ministério vem de certa forma complementar as recentes iniciativas económicas da ditadura relativas à agricultura e à indústria. O ministro pretende alcançar essencialmente dois objectivos: melhoria das infra-estruturas sobretudo ligadas à área dos transportes, comunicações e energia e absorção do desemprego. Com esse propósito, decidiu que as verbas do Fundo de Desemprego passarão a ser aplicadas em programas de obras públicas, consistindo estas sobretudo no aumento e reconstrução da rede de estradas. Já existe um organismo para esse efeito, criado em 1927, a Junta Autónoma de Estradas, mas que só agora começa a ter condições financeiras para levar a cabo a sua missão. O aumento da circulação rodoviária nos últimos anos e a importância crescente da camionagem tornavam estas medidas necessárias, tanto mais que os acessos a Lisboa, por exemplo, davam já mostras de grave estrangulamento. Nos próximos anos, será sobretudo na melhoria da rede viária e na construção de edifícios públicos que a acção de Duarte Pacheco se tornará mais visível. O ministro das Obras Públicas, que poderá assim apresentar “obra feita” de forma mais visível que os outros ministros, tornar-se-á rapidamente um dos trunfos políticos do governo de Salazar e da imagem dinâmica e rigorosa que este quer dar de si mesmo. Ao mesmo tempo, este programa de obras públicas mostra que Portugal está seguindo uma tendência geral neste tempo de políticas de “emprego” através de programas de melhoramentos, visíveis desde a América do New Deal à Alemanha de Hitler e à Rússia estalinista.

BREVES: --- Nacionais-sindicalistas: Começou a publicar-se em Fevereiro o jornal Revolução, órgão do fascista Movimento Nacional-Sindicalista. --- Salazar na presidência: A 24 de Junho, Salazar é nomeado presidente do conselho de ministros, cargo que virá a ocupar até Setembro de 1968. --- Regalista: A 23 de Novembro, a propósito da tomada de posse dos corpos directivos da U.N., Salazar exige a dissolução do partido do Centro Católico Português (do qual fora fundador durante a I República), tornando assim claro que nenhuma força partidária além da U.N. deverá subsistir.

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Século XX (n.º 32): O ano de 1931


DESTAQUE: Começou a publicar-se a 4 de Abril o Diário da Manhã, órgão de informação ligado à União Nacional. A 15 de Fevereiro iniciara-se a publicação clandestina do jornal comunista Avante!.

ESTE ANO: Os decretos aprovados a 3 de Janeiro, 14 de Fevereiro e 4 de Março colocaram o funcionamento da indústria portuguesa sob novas regras. A partir de agora, a instalação ou reabertura de estabelecimentos industriais fica sujeito a autorização do Ministério do Comércio e Comunicações. Mas não só; qualquer montagem ou substituição de equipamentos em indústrias já existentes fica igualmente sujeita a autorização, tal como a transferência de licenças de exploração, o arrendamento e a locação, e a alienação de estabelecimentos industriais a favor de estrangeiros ou empresas maioritariamente estrangeiras. Os exclusivos de dez anos concedidos, por legislação de 1917, a indústrias que introduzissem novos processos de fabrico foram entretanto revogados (serão reintroduzidos em 1937). Com este conjunto de medidas, não só qualquer transformação na indústria fica dependente de aprovação do poder executivo como este passará a decidir que inovações tecnológicas podem ou não ser implementadas em todo o parque industrial português. As actividades industriais abrangidas pela nova legislação são a quase totalidade da indústria portuguesa (cortiça, lã, algodão, chocolate, vidro, papel, fundição, borracha, serração, pelaria, fermentos); a moagem de trigo, produtos resinosos e conservas de peixe já tinham regimes de condicionamento anteriores. Apenas as unidades com máximo de 5 operários e de força motriz até 5 cavalos-vapor são libertas deste regime, agora geral, de condicionamento industrial. O governo, depois de ter “sossegado” a lavoura com a “campanha do trigo” quer agora “sossegar” os industriais com o condicionamento. Este, que ainda se diz provisório, passará a definitivo em Maio de 1937 com a aparência de restringir-se às indústrias vocacionadas para a exportação e dependentes de tecnologia e matérias-primas estrangeiras. Mas a regulamentação destas leis fará o condicionamento estender-se a toda a indústria nacional. Esta legislação quer acomodar os principais interesses económicos do País e criar uma ampla base social de sustetanção da ditadura. Mas os seus efeitos económicos serão os de um pesadíssimo travão sobre a modernização da indústria, dificultando ainda mais a absorção de inovações tecnológicas e de uma cultura de livre concorrência.

BREVES: --- Revolta dominada: Ocorre em Abril e Maio a última grande tentativa de revolta militar contra o governo da ditadura com adesões registadas em certos meios estudantis. Na Madeira, Açores e Guiné, os revoltosos chegam a dominar a situação local até à chegada de contingentes governamentais que põem fim às insurreições. São efectuadas inúmeras prisões, deportações e demissões do funcionalismo público na sequência do regresso à “normalidade”. A 26 de Agosto há uma nova tentativa abortada de rebelião. --- Maçonaria ilegalizada: A 19 de Maio é fechada e selada a sede do Grémio Lusitano, face “profana” do Grande Oriente Lusitano Unido. A ligação aos meios da sociabilidade maçónica de grande parte das conspirações contra a ditadura justifica, aos olhos do Governo, esta medida. A 28 de Maio, as comemorações do 5.º aniversário do golpe de 1926 são dominadas pela retórica anti-maçónica e anti-comunista. --- Proto-corporativismo: A 24 de Setembro é instituído o Conselho Superior de Economia, que reúne conselhos nacionais de agricultura, comércio, indústria, colónias e trabalho.

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Século XX (n.º 31): O ano de 1930


DESTAQUE: O governo português não ratifica em Maio a convenção n.º 29 da Organização Internacional do Trabalho, relativa ao trabalho dos indígenas nos territórios coloniais. É um reconhecimento implícito da situação que se arrasta há décadas de utilização forçada da mão-de-obra indígena e que se manterá até cerca de 1961.

ESTE ANO: Realizou-se a 30 de Junho em Lisboa uma reunião com representantes de todos os distritos e concelhos do País com o objectivo de preparar a implementação de uma organização, ou liga, que enquadre a actividade política dos cidadãos. A ditadura lançara já em finais de 1927 a União Nacional Republicana (nome que lembra o do partido sidonista de 1918), que é a antecessora imediata da nova liga. Organizada como liga patriótica e denominada “União Nacional” (U.N.), essa organização deverá ser a estrutura através da qual os cidadãos politicamente activos canalizem a sua intervenção pública ou se proponham a cargos electivos. O doutor Salazar, no seu discurso, afirmou que a U.N. admitirá no seu seio «todos os cidadãos, sem distinção de escola política ou confissão religiosa». A única condição é a adesão à ditadura. Os participantes na reunião preparatória podem ser considerados os elementos liderantes da rede política de apoio ao governo da ditadura em todo o território nacional. A origem política dos membros das comissões concelhias da U.N. em formação demonstra que a maioria é republicana (cerca de 450), seguida de “independentes” (cerca de 250), monárquicos (cerca de 100) e poucos “católicos”. Dos republicanos, a maioria esmagadora identifica-se como “republicana independente”, sendo originária dos vários partidos da República, ex-evolucionistas, ex-unionistas e também alguns ex-democráticos. Os partidos políticos ainda não estão formalmente proibidos (o partido democrático só será ilegalizado em Dezembro), mas é já patente o propósito da ditadura de eliminar o princípio da concorrência partidária, tornando a U.N. no único veículo “partidário” de intervenção política. O princípio não é totalmente novo na experiência republicana portuguesa, uma vez que fora esse o modelo para o qual se inclinavam os republicanos puros em 1911 e depois a República Nova sidonista. A oposição dos democráticos a esta evolução política pode dever-se mais ao facto de a ditadura ter nascido em 1926 por derrube de um governo desse partido e se ter apoiado nos outros partidos republicanos do que por divergências ideológicas de fundo. Mais do que um partido político, a U.N. aparece como uma entidade estatal destinada a “disciplinar”, filtrar e controlar a actividade política no País, mas numa lógica de arregimentação de apoios à ditadura.

BREVES: --- Salazar mais forte: As divergências entre Salazar e o governador do Banco de Angola, Cunha Leal, conduzem a um braço de ferro dentro do governo que leva à demissão do presidente do conselho e à sua substituição, a 27 de Janeiro, pelo general Domingos da Costa Oliveira. Salazar passa a acumular as pastas das Finanças e das Colónias, demite Cunha Leal (substituído por Mendes Cabeçadas), encarrega-se do Acto Colonial (promulgado a 8 de Julho) e consegue a demissão de Filomeno da Câmara do governo-geral de Angola apesar da intercessão de Norton de Matos. --- Novo golpe: A 17 de Junho e a 4 de Outubro as autoridades antecipam-se a um golpe em preparação com elementos militares e civis que pretendiam derrubar o governo. --- Não, obrigado: O governo torna público, a 11 de Outubro, não querer a constituição de milícias civis de apoio à ditadura, como pretendiam os sectores que viriam a originar o movimento Nacional Sindicalista, de carácter fascista. Em troca, o governo consente na criação, a 13 de Dezembro, da Liga Nacional 28 de Maio, para integrar e acalmar estes seus apoiantes mais radicais.

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Século XX (n.º 30): O ano de 1929


DESTAQUE: A 5 de Agosto, após o falecimento do cardeal Belo, é eleito para lhe suceder no patriarcado o arcebispo de Mitilene, D. Manuel Gonçalves Cerejeira. Este é de há muito amigo pessoal de Salazar e um dos mais destacados intelectuais e dirigentes católicos.

ESTE ANO: Com o decreto de 21 de Agosto, o governo lançou a sua primeira grande iniciativa económica depois das regras financeiras adoptadas no ano passado. A iniciativa foi apresentada com o lema de «o trigo da nossa terra é a fronteira que melhor nos defende» e o seu principal objectivo é o aumento da produção nacional. Esta “campanha do trigo”, como é já chamada, insere-se nos mecanismos criados em 1889 e 1899 que visam proteger a produção nacional em detrimento do grão importado. O sistema criado há quarenta anos e completado há trinta instituiu um organismo oficial que compra anualmente toda a produção nacional de trigo a preços fixados pelo governo e depois a revende à indústria moageira para fabrico das farinhas. Só esgotada a produção nacional vendida ao Estado, é autorizada por este a compra de cereal estrangeiro pelas moagens. Tal mecanismo, que força o mercado nacional a consumir o cereal produzido em Portugal, tem sido responsável pelo preço alto do pão, mas evitou a falência de muitos lavradores sobretudo alentejanos em face da concorrência do trigo americano, mais barato e de melhor qualidade. A “campanha do trigo” não vem modificar este sistema, pelo contrário, toma-o como ponto de partida e pretende intensificar a sua dinâmica. Para isso, o governo acrescenta-lhe agora, além de um aumento do preço de compra da produção nacional, um programa de subsídios aos produtores para incentivar o uso de adubos químicos e processos de modernização das técnicas de cultivo, nomeadamente a debulha mecânica. Com estas medidas, o governo da ditadura pretende alcançar outros objectivos além do aumento da produção nacional e de uma maior substituição do trigo importado. Ao subsidiar o uso de adubos pelos agricultores está a criar um amplo mercado nacional para os fabricantes nacionais desses adubos, protegendo-os também da concorrência externa; está nestas condições o grupo empresarial C.U.F. Por outro lado, num País onde abunda a mão-de-obra, a expansão da área de cultivo vai fixar muita gente à terra e à actividade agrícola e inverter a tendência anterior para um decréscimo da percentagem de população activa nesse sector. A “campanha do trigo”, tranquilizando as reclamações que vinha fazendo há anos a grande lavoura, mostra também que a orientação económica do governo é claramente intervencionista e dirigista.

BREVES: --- Clandestinidade: A 21 de Abril tem lugar a conferência nacional do P.C.P., que escolhe Bento Gonçalves como secretário-geral. --- Sinos: A legalização pelo ministro da Justiça, Mário de Figueiredo, das procissões e do toque de sinos das igrejas acirra os ânimos laicistas do governo da ditadura. O chefe do governo, Artur Ivens Ferraz, opõe-se à medida, a qual, apesar da sua demissão, se mantém. A 8 de Julho, José Vicente de Freitas passa a presidir ao governo. --- Manifestação dos Municípios: A 21 de Outubro tem lugar uma reunião das comissões administrativas das Câmaras Municipais em apoio a Salazar, o qual pronuncia no seu discurso uma frase (propositadamente diferente de outra de Mussolini) que se tornará emblemática: «tudo pela nação, nada contra a nação». --- António José de Almeida e João Franco: Faleceram o antigo presidente da República (30 de Outubro) e o ex-chefe do governo afastado da política desde o regicídio de 1908.

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Século XX (n.º 29): O ano de 1928


ESTE ANO: Ao tomar posse como ministro das Finanças a 27 de Abril, o doutor António de Oliveira Salazar declarou na primeira pessoa «sei muito bem o que quero e para onde vou». Salazar, que não deixou de referir-se aos «princípios rígidos» que pautarão a sua acção, conseguiu do governo a sujeição dos gastos de todos os ministérios à sua prévia autorização e a uniformização de medidas de redução de despesas e arrecadação de receitas. Por decreto de 14 de Maio, o novo ministro explicitou as regras que as Finanças imporão aos restantes ministérios: cobertura das despesas ordinárias apenas pelas receitas ordinárias e forte restrição das despesas extraordinárias e do recurso a empréstimos. Que estes princípios tenham chegado a ser aceites no seio do governo da ditadura explica-se pelo falhanço que envolveu a tentativa de empréstimo externo lançada no ano passado pelo então titular da pasta das Finanças general Sinel de Cordes. Este recorrera a banqueiros ingleses com a intenção de conseguir 12 milhões de libras para estabilizar o escudo e equilibrar o orçamento, mas pretendeu também o patrocínio da Sociedade das Nações (S.D.N.). Contra este empréstimo pronunciou-se o doutor Salazar, mas não só. A chamada “Liga de Paris”, que reúne membros do partido democrático e indivíduos implicados no golpe falhado de Fevereiro do ano passado, conseguiu que a S.D.N. impusesse condições políticas para o seu patrocínio. A campanha então gerada contra a ditadura, que os seus adversários acusavam de andar “mendigando” empréstimos atentatórios do “brio nacional”, levou o governo, em Março deste ano, a tomar a iniciativa de recusar o empréstimo. A medida foi extremamente popular, gerando uma onda de entusiasmo nacional que o governo soube aproveitar. O convite ao doutor Salazar para ocupar a pasta das Finanças veio logo a seguir, já que este professor de Coimbra fora o autor de um projecto de reforma fiscal e financeira previamente recusado, mas que, com o falhanço do empréstimo, se tornou uma alternativa viável. O general Carmona parece estar a depositar em Salazar o futuro da ditadura e a possibilidade desta realizar a estabilização financeira e monetária que vem sendo tentada desde 1924. Se Salazar o conseguir, que futuro político lhe estará reservado?

BREVES: --- “Coeducação”: A 15 de Fevereiro, um decreto institui um regime de separação por sexos na rede escolar. Na prática, a medida só poderá aplicar-se em localidades com mais de um estabelecimento de ensino e será dificultada pela penúria de recursos. --- Eleição presidencial: O general Oscar Carmona, candidato único à presidência da República, é plebiscitado nas urnas a 25 de Março. --- Extinção anulada: Entre Abril e Junho é tomada e revogada a medida que extinguia várias faculdades, escolas normais e um liceu; a contestação de estudantes e professores leva o governo a fazer marcha atrás. --- Empréstimo ou não: A 6 de Junho, uma nota oficiosa redigida pelo ministro das finanças Oliveira Salazar torna pública a desistência formal do Governo de obter um empréstimo externo garantido pela S.D.N. A razão apontada é a impossibilidade de «aceitar as condições de controle propostas pelo seu comité financeiro». A 22 de Outubro é recusada (pela mesma razão das condições serem “vexatórias”) outra proposta de empréstimo de banqueiros ingleses a que Salazar recorrera. Gorada esta tentativa, o ministro das Finanças tem o caminho aberto para aplicar, em versão “pura e dura”, as suas ideias. --- Intentona: A 20 e 21 de Julho, fracassa uma rebelião militar contra a ditadura. A 9 de Outubro um decreto penaliza quem promover no estrangeiro actos de rebelião ou campanhas de descrédito contra o Governo.

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Século XX (n.º 28): O ano de 1927


ESTE ANO: As duas tentativas de golpe de Estado levadas a cabo durante este ano mostram que, desde Maio do ano anterior, a disputa do poder se deslocou para dentro das forças armadas. É no interior destas que os diferentes grupos políticos tentam influenciar o curso dos acontecimentos. Extremamente politizadas desde os anos finais da Monarquia, as forças armadas têm representadas no seu seio quase todas as correntes políticas nacionais. Apesar dos mais recentes exemplos de esforço de guerra por que passaram – as “campanhas de pacificação” em África no final do século passado e a intervenção na Grande Guerra – os seus oficiais são mais um conjunto de funcionários públicos fardados que um corpo disciplinado e profissional da guerra. No golpe de 28 de Maio de 1926 muitas expectativas divergentes haviam convergido no derrube de António Maria da Silva, mas o arrastamento da ditadura instaurada há um ano começa a impacientar grupos de oficiais que não se revêem nas lideranças entretanto definidas e nas opções tomadas. É isto que explica a primeira intentona ocorrida este ano, entre 3 e 10 de Fevereiro com a alegada cooperação de civis ligados aos democráticos, aos socialistas, anarquistas e até comunistas. Verificaram-se centenas de mortos, muitos mais feridos (na ordem dos milhares) e cerca de seis centenas de prisões e deportações. A segunda intentona, igualmente falhada, teve lugar a 12 de Agosto e mostra que outros quadrantes políticos estão já impacientes com a actual ditadura. Nela tomaram parte o eterno conspirador militar Filomeno da Câmara e o civil Fidelino de Figueiredo (na fotografia), pelo que ficou conhecido por “golpe dos fifis”, e pendia para uma solução política autoritária. O modelo autoritário, tanto inspirado na experiência fascista de Mussolini como na republicana de Kemal Ataturk tem cada vez mais audiência entre neomonárquicos integralistas e republicanos. A derrota de ambas as tentativas golpistas vem solidificar a liderança de Oscar Carmona e diminuir a influência dos sectores afectos às duas intentonas, nomeadamente à primeira, maior e mais significativa. Mas estes acontecimentos mostram também que a ditadura militar tem ainda uma orientação política indefinida, recusando as duas vias extremistas ensaiadas em Fevereiro e Julho deste ano.

BREVES: --- Empréstimo e política: A duração da ditadura impacienta os profissionais da política e, em meados de Janeiro, os partidos democrático, nacionalista, radical, esquerda democrática, socialistas e o grupo Seara Nova contestam junto das embaixadas inglesa, francesa e norte-americana a possibilidade da S.D.N. aprovar um empréstimo ao governo da ditadura, considerado ilegítimo. Após a detenção de alguns dos opositores e a derrota da tentativa golpista de princípios de Fevereiro, o corpo diplomático e as organizações empresariais manifestarão o seu apoio à ditadura. --- Nova revista: A 10 de Março começou a publicar-se em Coimbra a revista Presença, dirigida por José Régio e João Gaspar Simões entre outros e que se manterá até 1940. --- Repressão: São destruídas a 6 de Maio as instalações do diário A Batalha, propriedade da Confederação Geral dos Trabalhadores. A sede desta é encerrada pela Polícia a 2 de Novembro. --- Finanças: O professor Salazar entrega ao ministro das Finanças o relatório da comissão de reforma do sistema fiscal; as propostas serão recusadas pelo governo, que continua a apostar num empréstimo. --- Contestação estudantil: A 1 de Dezembro, sobretudo com alunos da Faculdade de Direito de Lisboa, tem lugar uma manifestação contra a ditadura.

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Século XX (n.º 27): O ano de 1926


ESTE ANO: O golpe de estado ocorrido a 28 de Maio, já ensaiado em Fevereiro, não surpreendeu verdadeiramente ninguém. O chefe do governo deposto, António Maria da Silva, não desconhecia os preparativos nesse sentido levados a cabo por vários militares e membros da oposição. O general Gomes da Costa, prestigiado pela sua acção na Grande Guerra e com ligações aos meios políticos da República, aceitara a chefia do golpe poucos dias antes. Para tal já havia sido sondado pelo comandante Mendes Cabeçadas em nome do grupo conspirador e no dia 28 iniciou as operações a partir de Braga, recebendo apoio imediato de divisões militares em todo o País. O governo decidiu apresentar a sua demissão a 29 e o presidente da República, Bernardino Machado, aceitou-a. A 30 de Maio toma posse um novo governo, chefiado por Mendes Cabeçadas, que ordena o encerramento do parlamento e recebe do presidente da República (demissionário) plenos poderes. Mas em Junho, a propósito do elenco do novo governo, assiste-se logo a uma tensão entre os dois chefes do golpe, Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa. A 6 de Junho, Gomes da Costa entra em Lisboa à frente de 15 mil homens e vem a conseguir, entre 17 e 19 desse mês, a chefia do governo e o afastamento de Mendes Cabeçadas. A 22 de Junho é estabelecida a censura prévia à imprensa e a 29 Gomes da Costa torna-se interinamente presidente da República. Mas esta concentração de poderes em Gomes da Costa (que acumula as presidências da República e do governo com as pastas do Interior e da Guerra) não é do agrado de todos os membros da junta militar, pelo que lhe é imposta a 11 de Julho a passagem das suas funções no governo para o general Oscar Carmona. O golpe parece contar, senão com o apoio, pelo menos com a expectativa de quase toda a oposição ao governo do partido democrático, por si deposto. Por seu lado, os militares não têm uma noção clara daquilo que pretendem fazer, além da unânime reclamação de um poder executivo forte e de alguma sedução que acham necessário exercer sobre determinados sectores económicos e os meios católicos. Para isso, prometem mais proteccionismo e maior regulação do mercado, ao mesmo tempo que sondam um conhecido professor católico, Oliveira Salazar, para estudar uma eventual reforma financeira e fiscal. As cabeças do golpe são no entanto militares republicanos e o que pensam é mais numa “purificação” da República do que na sua substituição.

BREVES: --- Costa na S.D.N.: Afonso Costa é eleito a 8 de Março para presidir à assembleia extraordinária da Sociedade das Nações. --- Comunistas interrompidos: O II Congresso do P.C.P. realiza-se em 29 de Maio e vem a interromper-se por causa do golpe de estado então ocorrido. --- Censura: É instituída a censura prévia à imprensa a 22 de Junho, como se tornara hábito nos períodos de excepção da I República. Desta vez, porém, a censura manter-se-á no País até 1974. --- Polícia política: Em Agosto é reconstituída a Polícia de Segurança do Estado com outra designação (Polícia Especial de Lisboa). Existe uma continuidade entre esta última e a polícia política já estabelecida na I República. --- Missões: As missões católicas no ultramar são dotadas de Estatuto Orgânico a 13 de Outubro, sendo-lhes reconhecida prioridade na «evangelização e civilização» dos indígenas. Havia já alguns anos que a medida vinha sendo defendida como forma de apoiar a presença portuguesa em África, depois do fracasso das “missões laicas” projectadas pelos laicistas. --- Antimodernos: Surge em Dezembro a revista Ordem Nova de inspiração integralista e representativa da agitação intelectual e radicalização dos “monárquicos” da nova geração. Um dos seus fundadores, Marcello Caetano, será uma das figuras políticas do Estado Novo a opor-se em 1951 à possibilidade de restauração da Monarquia.

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