quarta-feira, dezembro 23, 2015
O Natal, promessa da Páscoa
[Grão de Trigo, Dez. 2013, p. 2]
Ao procurar o significado do Natal, estamos habituados a reler o Novo Testamento. Nos textos dos evangelistas procuramos o relato da natividade de Jesus e comparamo-lo com as tradições do Natal que conhecemos e vivemos. Mas o que nos é aí dito do nascimento de Jesus – e de outros acontecimentos a ele associados – dificilmente pode esclarecer todo o significado do Natal.
Quando, por exemplo, lemos que os magos levaram ouro e incenso ao Jesus Menino, convém saber que, no Antigo Testamento, numa passagem profética sobre Jesus e o Natal, o profeta Isaías ajuda a esclarecer o significado dessas ofertas (Is. 60:6). O próprio Jesus, quando revelou o significado da sua vida e do seu evangelho (Lc. 4:16-21), fazendo-o por meio da leitura do livro de Isaías (Is. 61: 1-3), sinalizava a importância profética da passagem por si escolhida. E no Natal está, em potência, toda a incomensurável dimensão salvífica de Jesus. Podemos compreender essa dimensão tendo todo o Evangelho em consideração, mas dificilmente o relato da natividade de Jesus, em si mesmo, no-la revela. É como se pudéssemos assistir ao nascimento de Jesus e pouco entender o seu significado.
Os magos (embora desconheçamos a natureza da sua fé e das suas expectativas) pareciam saber algo sobre o alcance daquele nascimento – percebiam um significado transcendente naquele Menino que procuraram e adoraram. Para que possamos ter um pouco dessa perceção grande, abrangente e transcendente do Natal, é preciso ler os profetas que anunciaram o Messias, em particular Isaías – de cujo texto Jesus tomou para si próprio vários atributos que, por esse facto, iluminam a natureza da sua vinda a nós, à nossa humanidade.
Em Is. 52:13-53:12, temos a apresentação da imagem real do Messias, que nos é dito será um Servo sofredor e de uma natureza semelhante à nossa, os «outros filhos dos homens» (Is. 52:14). Será, pois, um «filho do homem», isto é, plenamente humano como nós, e portanto, logo aqui, está anunciado o nascimento de um menino. No capítulo 59, podemos compreender a razão deste nascimento na nossa necessidade de um mediador para nos salvarmos. Precisamos da salvação porque, como diz o profeta, desconhecemos «o caminho da paz», «não há justiça» nos nossos passos e fazemos para nós próprios «veredas tortuosas» em que nos perdemos e onde tropeçamos continuamente; por isso, esperamos a luz, «mas andamos na escuridão» (Is. 59:8-9), mesmo em pleno dia.
Dado que somos incapazes de sair desse estado por nós mesmos, quem poderia interceder por nós ou guiar-nos para a luz ou ser luz para nós? O Menino que há-de nascer tem de resplandecer para ser a luz de que estamos precisados, mas nenhum filho de Adão, marcado pelo pecado, pode chegar a essa função. Estamos todos demasiado imersos na escuridão – todos nós. Por isso, o Servo sofredor, apesar de «filho do homem», como ele próprio se designará, será também luz e glória que vêm do Alto, que sobre nós descem (Is. 60:1-2).
Este salvador nascido de mulher será um filho da luz como nenhum outro humano pode ser. Isaías não elabora toda a natureza do Messias – porque muito teria de ser revelado apenas na consumação da Nova Aliança –, mas adianta (ou Deus por ele) as imagens que permitem identificar a Nova Páscoa e a função vicarial de Jesus. Aquele que, neste livro, pela boca de Isaías, fala na primeira pessoa, dirigindo-se a Jerusalém (prefiguração da Igreja) é um Senhor em que não é claro quem fala: o Pai ou o Filho, o que envia ou o que é enviado?
Nesta escrita, em que aquela indistinção do discurso permite, mesmo assim, entender que há duas pessoas divinas implicadas, prefigura-se a íntima ligação do Messias Menino ao Pai, como na formulação do Credo – «consubstancial». Diverso, mas indistinto. No início do capítulo 63 (vv. 1-6), aquele que fala «em justiça, poderoso para salvar» (v. 2), tem «vermelho o traje» como o do «que pisa uvas no lagar»; ele pisou as uvas sozinho e nenhum outro homem se achava com ele a fazer esse trabalho com eficácia salvífica (v. 3). «Olhei, e não havia quem me ajudasse, e admirei-me de não haver quem me sustivesse; pelo que o meu próprio braço me trouxe a salvação, e o meu furor me susteve» (v. 4), diz por [meio de] Isaías o Salvador que já estava com o Pai e que havia de vir como Menino para consumar o que em si próprio ao «filho do homem» parece admirar.
Ele anuncia aqui a sua e nossa Páscoa, o ponto culminante da história da Salvação. E anuncia a suficiência do seu ato na cruz, feito de uma vez por todas. Em tudo isto, com Isaías, podemos ver que o brilho do Natal é a promessa da luz que desponta na Páscoa – e aponta para a Páscoa.
Desafio… Jesus, nossa Páscoa, é Deus que, segundo Isaías, se revestiu de armadura e capacete para a batalha de nos salvar. É uma batalha que está ganha à partida para Ele, mas a que Ele nos chama para estarmos juntos na vitória. Nós é que podemos sair perdedores. Quem faz a convocação de cada um de nós para o combate espiritual é o Jesus Menino, que na sua natividade nos lembra a humanidade de que se revestiu para nos liderar. Porque a armadura e o capacete são a nossa humanidade – para Ele e para nós. Irmãos, daquela criança que já foi, ouvimos a convocatória. Quem quer ser soldado de Cristo? Vamos, irmãos? Sim, aleluia!