A igualdade de direitos religiosos dos cidadãos não implica o igualitarismo jurídico das entidades coletivas religiosas.
A questão
da igualdade jurídica dos agentes religiosos colectivos é muito complexa e
perigosa, pois cai facilmente num igualitarismo alicerçado num geometrismo
jurídico e, eventualmente, em práticas de discriminação positiva que catapultam
o Estado como agente “corrector” da realidade social e histórica.
A
desigualdade factual destes agentes colectivos, patente na relação
institucional do Estado com cada um deles (ou em fórmulas de explicitação e
regulação de relação com um ou vários sem existir com outros), não é incompatível
com uma igualdade jurídica dos cidadãos
alicerçada nas liberdades de autodeterminação e associação religiosas. A
diferente representatividade sociológica ou histórica dos agentes colectivos
religiosos, bem como o respetivo grau de integração institucional que eles
tenham a nível nacional e internacional (pense-se na Igreja Católica, na
Convenção Baptista Portuguesa e numa qualquer igreja local independente, por
exemplo), pode justificar diferenças formais e informais de relação do Estado
com eles; caso contrário, ter-se-ia de assumir que a ordem jurídica deveria
fazer tábua rasa da própria configuração cultural e orgânica da realidade
social, querendo sujeitá-la e moldá-la a um esquema de relações pré-concebido.
Essa relação com o Estado pode dizer respeito a aspetos simbólicos,
protocolares ou à protecção da presença confessional em espaços públicos
(enquanto geridos pelo Estado). É neste contexto que o exercício de
igualitarismo jurídico de Jónatas Machado (O
regime concordatário entre a “libertas ecclesiae” e a liberdade religiosa,
Coimbra Editora, 1993) resulta inconsequente para a questão verdadeiramente
central do ponto de vista da cidadania
e que é a da liberdade de autodeterminação e associação do indivíduo; o autor
pouco mais consegue defender do que a superioridade geométrica do modelo de que
é partidário, de exclusão do regime concordatário com a Igreja Católica no
nosso ordenamento jurídico, sem provar em que é que ele fere aquela questão
central da cidadania ou a liberdade associativa dos agentes religiosos
colectivos não abrangidos por aquele regime.
Do tratamento desigual dos agentes
colectivos (no âmbito do Direito Público, a que pertence) deve, no entanto,
excluir-se a prática de um tratamento desigual em termos fiscais (tanto de isenções
como de benefícios), pois neste plano a desigualdade estaria a afectar a
igualdade perante a lei dos cidadãos enquanto contribuintes e a beliscar um
princípio fundamental do Direito Público (universalidade das regras de
tratamento fiscal e proporcionalidade).
O âmbito das liberdades de
autodeterminação e associação dos indivíduos é, evidentemente, o Direito
Privado (civil) e só ligado ao Direito Público (constitucional) na proclamação
que este fizer de direitos, liberdades e garantias (do indivíduo), assim
fundando superiormente a sua materialização plena e consequente no Direito
Privado. É neste âmbito que o Estado nada deverá poder fazer, nomeadamente, em
termos de condicionamento da actividade dos agentes religiosos colectivos e da
tendência que possam ter para incrementar o seu peso sociológico – e, portanto,
a configuração religiosa da sociedade civil.