COMENTÁRIO DE JOSÉ DO CARMO:
Os militares não têm a capacidade de reivindicação reconhecida a qualquer outro grupo profissional porque se parte do princípio que estão protegidos pelo sistema do “dever de tutela”.
Ora o “dever de tutela”, é uma variante de despotismo esclarecido, que se baseia no pressuposto iluminista de que os chefes, a todos os níveis, nortearão sempre a sua acção pela salvaguarda dos interesses dos seus subordinados.
Teóricamente é um sistema perfeito.
Só que, como todos os sistemas perfeitos, esbarra na complexidade da natureza humana. Necessita de chefes ideais e autênticos homens novos, do género daqueles que deveriam integrar as sociedades utópicas dos amanhãs que cantam.
Mas, na prática, cada chefe é também um indivíduo com os seus próprios problemas , desejos e ambições muitas vezes divergentes dos interesses dos seus tutelados.
E em concreto, na nossa organização militar, os chefes militares são nomeados por exclusivos critérios de confiança política.
Devem pois lealdade a quem os escolhe e nomeia. E ainda que surjam alguns dilemas éticos, a maioria, quando na charneira de um conflito entre aqueles a quem devem lealdade e aqueles cujos interesses devem tutelar , tenderá, humanamente a conciliar as coisas, colocando uns o amor a el-rei acima do bem dos homens, outros ficando de mal com el-rei por amor dos homens. Ora a natureza darwinista do processo de ascenção numa organização deste tipo, facilmente nos faz perceber o que vai paulatinamente acontecendo aos segundos, pelo que no topo surgirão apenas os que tendem a “estar de bem com El-Rei”.
Ora se os homens do topo não defendem “bem” os interesses profissionais dos seus subordinados, e estes também não o podem fazer, quem levará a cabo tal tarefa, num país onde as elites cultivam uma atitude dita “anti-militarista”, ostentando com orgulho currículos onde a fuga “à tropa” , é vista como uma atitude digna de mérito e reveladora de qualidades individuais?
Parece pois evidente que este sistema não serve. Na verdade, se fosse um bom sistema, em nenhum sector de actividade seriam necessárias associações, grupos, sindicatos.
Num mundo perfeito, todos zelariam pelos interesses dos seus empregados, subordinados, etc.
No mundo real, cada um faz isso até ao exacto ponto em que os seus próprios interesse não estão em causa. É assim que as coisas são, goste-se ou não.
Mas a reacção epidérmica de alguns políticos, de contestação à manifestação, funda-se, em minha opinião, em assombramentos que povoam o universo mental de muita gente que viveu o PREC e a turbulência político-militar desse período e busca raízes mais profundas na história da 1ª República.
E contudo os tempos mudaram, As novas gerações de militares já não vivem atemorizados por fantasmas que nunca conheceram e não confundem o princípio constitucional da subordinação do poder militar ao poder político, com a mera relação “empregador-empregado”.
Para eles, este tipo de tabus, são meros anacronismos, que a consolidação democrática remeteu para os baús da história.
Meditar e aprender com eles é algo de positivo. Ficar refém de assombrações é, em muitos casos, um pretexto para evitar encarar os problemas.
As próprias chefias militares teriam muito a ganhar se não obstruíssem o associativismo agitando profecias apocalípticas de caos, anarquia e manipulação e lançando-o objectivamente na órbita manipulatória da esquerda saltitante.
E se dúvidas houver, que se analisem com o espírito aberto os casos de países que, como a Alemanha, Dinamarca, Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, Irlanda etc. compartilham o nosso universo político e social.
E porque todos queremos acima de tudo o bem da Cidade, os seus guardiões não devem ser tratados como cidadãos de segunda a quem se deserda de alguns direitos fundamentais, procurando igualar o resto.
Os melhores cumprimentos
José do Carmo
RESPOSTA DO L&LP:
Admitindo que possa ter razão quanto ao associativismo como coadunável com o princípio da cadeia de comando, não posso, no entanto, concordar que existam entre os militares comportamentos contrários ao que a Lei lhes exige. Até a Lei ser modificada, não podem realizar manifestações ilegais. O mesmo em relação à Polícia. Era só isto que estava em causa. No entanto, julgo que a Lei deve realmente proibir a manifestação pública de militares, pelo que o quadro actual me parece razoavelmente equilibrado. Pelo tipo de missão e disciplina a que estão sujeitos, não me parece que a reunião pública de militares se deva fazer fora do quadro da cadeia de comando e da sua missão específica, pelo que fica excluído qualquer tipo de "manifestação".
Já as associações sócio-profissionais legais devem poder fazer sentir junto das chefias e do ministro da tutela aquilo que pensam sobre as condições em que exercem a sua missão – nada contra. Mas isto é o que já se passa. O problema, como começou por apontar, é que os militares têm estado numa posição desfavorável na competição com os funcionários civis do Estado na luta pelo quinhão próprio do orçamento; mas, aqui, o que se tem de mudar é a capacidade dos funcionários civis do Estado para pressionarem nesse sentido o próprio Estado, o que só será possível com uma radical diminuição do seu número, de modo a deixarem de ser uma clientela eleitoral tão obvia.
Outro problema, resolúvel pela mesma solução, é o Estado resumir as suas funções àquilo que verdadeiramente lhe compete: a Defesa e a Justiça. É que os militares são obvias vítimas do Estado Social em que vivemos: distraído com tantas coisas que competem à sociedade civil (Saúde, Educação), o Estado não garante dignidade nem funcionalidade às suas funções primordiais: o sistema de Justiça e o sistema de Defesa.