quarta-feira, setembro 07, 2005
Leitura optimista do "mensalão"
A excelente revista brasileira VEJA tem estado, nos seus últimos números, a investigar a corrupção no sistema político no Brasil. O "mensalão" tem sido o prato principal, mas, nas últimas semanas, apareceram as negociatas do ministro da Fazenda e as do presidente da Câmara dos Deputados (nesta capa, do último número). Com tanta coisa pouco edificante nos órgãos de soberania do seu país, os Brasileiros estão deprimidos, um pouco como os Portugueses (por outros motivos também pouco risonhos).
Mas, por estranho que possa parecer, o caso do "mensalão" também tem um lado positivo. Desde logo porque foi denunciado e os políticos envolvidos estão a ser expostos ao escrutínio dos seus pares e da opinião pública. Depois, porque ele demonstra que, no sistema brasileiro, existe um grau considerável de separação de poderes. Se o legislativo (ou a maioria parlamentar) fosse, como na generalidade dos regimes "parlamentaristas", uma simples correia de transmissão do executivo, este não teria de comprar votos no parlamento (porque já lhe pertenceriam, obedientemente, como por cá acontece).
E entre ter a completa fusão dos poderes legislativo e executivo típica do "parlamentarismo" que conhecemos (governo de cor x + maioria parlamentar de cor x = a poder incontestado do líder da cor x, que é primeiro-ministro) e um regime de maior separação em que, por vezes, se descobrem falcatruas como a do "mensalão" (uma prática que a Coroa britânica era acusada de tentar praticar no século XVIII), eu talvez prefira a segunda. É que, por cá, o executivo nem tem de se dar ao trabalho de tentar corromper deputados para conseguir levar a sua avante: os deputados, que ninguém real representam, já são criaturas suas! Ou seja, o facto de um caso de corrupção como este não existir num sistema político pode, paradoxalmente, ser indício de problemas constitucionais maiores do que os existentes num sistema onde ele existe.