segunda-feira, julho 21, 2008
Poder moderador (I): a liquidação do fascismo há 65 anos
Nas suas memórias, o rei Vítor Emanuel III de Itália defendeu que o fascismo lhe foi imposto como um facto consumado e que preferiu, em vez de pôr em risco a dinastia, aceitá-lo para o moderar. Essa acção moderadora, que historiadores equilibrados como Renzo de Felice puderam corroborar e estenderam à Igreja Católica, parece inatacável. Mas essa função moderadora da instituição dinástica estava ainda reservada para uma necessidade não menos importante: a liquidação do regime fascista logo que uma conjuntura externa favorável o permitisse; para tanto, a monarquia foi a instituição certa para agir com a necessária agilidade: partindo da sua legitimidade própria (histórica, simbólica, constitucional), o monarca pôde fazer o que um dirigente partidário (fascista ou oposicionista) não poderia – agir em nome de valores verdadeiramente gerais, garantir a fidelidade de sectores estratégicos das forças armadas e da administração e neutralizar os agentes do sequestro partidário do Estado.
Consta que, a pedido do rei, personalidades próximas da família real já haviam iniciado contactos secretos com os governos aliados, assim sondados sobre o apoio a uma reviravolta política interna que fizesse a Itália mudar de campo na guerra. Na Primavera de 1943, o rei Vítor Emanuel III começou a manifestar a intenção de afastar Mussolini do poder e de negociar um armistício com os Aliados. O desembarque aliado no Sul facilitou a tomada de posição do rei: em 23 de Julho desse ano, afastou Mussolini do Governo e incumbiu os homens da sua confiança de negociarem com o comandante das forças norte-americanas (general Eisenhower), a rendição italiana, surpreendendo os dirigentes fascistas. Vítor Emanuel III nomeou um novo governo e abdicou dos títulos de rei da Albânia e de imperador da Etiópia, “entregando-os” aos seus legítimos detentores destronados por invasões italianas nos anos 30. De seguida, o rei deixou Roma, para organizar a resistência à invasão nazi, inevitável perante estas decisões e acolhida pelos fascistas que entretanto proclamaram uma República Social Italiana, ideologicamente pura e livre das peias da dinastia e do catolicismo.
Em 10 de Setembro, o rei dirigiu-se aos Italianos pela rádio: «Para bem da nossa pátria [...] e para evitar mais sofrimento, autorizei o pedido de um armistício». A Itália abandonara o Eixo: quase dois anos antes da vitória definitiva dos Aliados e da oposição antifascista em território italiano, a liquidação do fascismo estava consumada pela acção do rei.