domingo, abril 20, 2008

O Protestantismo em Portugal (V): constantes e linhas de força

Duas características gerais marcam o P. em Portugal desde o terceiro quartel do século XIX até à actualidade: a sua parcial dependência logística e financeira das sociedades missionárias estrangeiras e o lento crescimento da sua representatividade social. A razão de ser destas características prende-se aos ritmos de transformação da própria sociedade portuguesa cuja lentidão secular não tem favorecido a mobilidade e abertura social e económica que enquadram e suportam as transformações culturais e religiosas; a grande estabilidade cultural daí decorrente tem funcionado para o P. como uma barreira, sendo sintomático o seu aparecimento no século XIX a partir de personalidades estrangeiras residentes em Portugal. Os primeiros pontos de desenvolvimento de congregações protestantes no século XIX são precisamente aqueles que mais abertos estavam ao exterior: Lisboa e a zona do Porto e Vila Nova de Gaia. Posteriormente, estas duas zonas mantiveram-se como cenários privilegiados do crescimento e diversificação denominacional do P., ao que não foi estranha a sua maior urbanização e mobilidade económica, demográfica e cultural. As estratégias de evangelização, limitadas por estes factores gerais, parecem ter sido mais bem sucedidas desde que foram introduzidas, sobretudo por acção dos Pentecostais, as experiências de teor carismático que, em grande medida, ultrapassaram a mediação difícil e menos imediata da evangelização centrada na Palavra promovida pelas correntes históricas; neste sentido, o sucesso relativo dos Baptistas desde o início do século XX está certamente ligado à sua teologia “carismática” do Baptismo (o mesmo podendo ser dito de grupos como os Adventistas e as Testemunhas de Jeová). As congregações das várias denominações encontraram sempre grandes dificuldades financeiras, pelo que raramente os pastores podiam (ou podem) sobreviver sem uma profissão além do ministério; a dedicação total à evangelização só foi possível com o concurso das sociedades missionárias protestantes, na sua maioria britânicas e norte-americanas (as sociedades brasileiras tiveram um grande protagonismo na primeira metade do século XX mas elas próprias dependiam, em geral, de congéneres anglo-americanas). Esta dependência evidencia as fraquezas do P. português que, no entanto, não são muito diferentes, nos seus aspectos materiais, das dificuldades que têm na sociedade portuguesa todas as iniciativas desenvolvidas à margem do Estado e da alocação de recursos por este feita. Por aqui também se compreende uma outra característica permanente do P. português: a pequena congregação de cerca de meia centena de membros comungantes e activos (ERICSON, Nascidos, n. 38, p. 28); a expansão do P. tem-se feito pela multiplicação destes pequenos núcleos e não pelo seu crescimento e transformação em grandes comunidades locais. Este low profile do P. em Portugal, causa da sua pouca visibilidade social e cultural, contribuiu sem dúvida para que o clima de tolerância instaurado em meados de Oitocentos, com a estabilização do constitucionalismo liberal, nunca fosse posto em causa; a intolerância raramente teve a cobertura das autoridades e, até 1926, os protestantes gozaram dos direitos de reunião e difusão de ideias garantidos a todos os cidadãos (mesmo quando, até 1911, não podiam constituir-se legalmente em Igrejas ou associações religiosas nacionais). Sob a ditadura militar e o Estado Novo (1926-1974), sofreram os mesmos limites a esses direitos que a população em geral. No todo, nota-se uma evolução da ordem jurídica portuguesa da tolerância abstracta para a garantia em concreto de direitos: em 1878, o estabelecimento do registo civil para não católicos romanos junto das administrações concelhias (e não dos párocos, como era então comum); em 1907, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa deliberando não ser crime a difusão de Bíblias editadas pelos protestantes [embora já existissem decisões judiciais similares desde a década de 60 do século XIX]; em 1911, a nova Constituição estabelecendo (no que será seguida pelas de 1933 e 1976) a igualdade jurídica dos cultos e abrindo caminho ao reconhecimento oficial das Igrejas e associações denominacionais protestantes. No entanto, esse reconhecimento, feito casuisticamente, só foi regularizado em lei em 1971, ficando garantida a personalidade jurídica às Igrejas e associações religiosas que o requeressem mediante a apresentação de um mínimo de quinhentas assinaturas de cidadãos adultos. Em 1986, a A.E.P. e o C.O.P.I.C. passaram a ter acesso conjunto a tempo de emissão no serviço público de televisão, embora várias denominações tivessem já investido na compra de tempo de antena em estações independentes de radiodifusão. Em 1991, legislação especial regulamentou a formação de turmas e a remuneração de docentes de Educação Moral e Religiosa de Igrejas e associações religiosas legalizadas na rede de escolas públicas; em 1984 fora fundada uma Associação Portuguesa de Professores Cristãos Evangélicos e, depois, uma Comissão para a Acção Educativa Evangélica nas Escolas Públicas, dependente da A.E.P. e do C.O.P.I.C. Apesar de permanecerem uma pequena minoria, hoje com cerca de duzentos e cinquenta mil comungantes (segundo dados da A.E.P.), os protestantes têm revelado uma tendência contínua para crescer; os números já atingidos, a diversidade social e profissional dos seus membros e a existência de um pequeno mercado de bens culturais especificamente “evangélico” (livrarias, música, periódicos) são sinais de alguma capacidade já conquistada de auto sustentação. Nas últimas décadas, estabeleceram-se congregações em praticamente todos os concelhos do País, embora o maior crescimento se situe nas zonas mais densamente povoadas; a dinâmica da multiplicação de igrejas locais capazes de serem pontos de apoio de novas congregações tem, aliás, sido equacionada e problematizada (FAIRCLOTH e ERICSON). A estagnação de algumas denominações não tem impedido o dinamismo do conjunto da minoria protestante portuguesa, enriquecida pela sua pluralidade interna e revigorada pelas pontes de ajuda e inspiração mantidas com o exterior.

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[«Protestantismo» (vol. P-V-Apêndices, pp. 75-85), Dicionário de História Religiosa de Portugal (dir. Carlos Moreira Azevedo), Lisboa: Círculo de Leitores, 2000-2001.]

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