Portugal foi um dos poucos países europeus onde a Reforma protestante do século XVI não se fez sentir, preservando até bem entrado o século XIX a sua unidade religiosa. Em João Ferreira de Almeida (1628-91) encontra-se o primeiro protestante português e a personalidade de maior vulto que abandonou o Catolicismo Romano mas que o fez apenas fora de Portugal; Almeida emigrou para as Índias Orientais holandesas (actual Indonésia) em 1642, onde foi ordenado pastor calvinista e traduziu para o Português o Novo Testamento e parte do Antigo (tal tradução destinava-se à evangelização local, onde o Português era língua corrente). Exceptuando-se a presença de algumas capelanias estrangeiras destinadas a diplomatas e comerciantes estabelecidos ou de passagem, o primeiro foco protestante surgido em Portugal foi o iniciado pelo médico e missionário presbiteriano escocês Robert Reid Kalley (1809-88) na Madeira. Após a sua chegada, em 1838, Kalley juntou a uma actividade filantrópica bem recebida uma discreta evangelização baseada na alfabetização e leitura da Bíblia que, à medida que foi sendo notada, suscitou crescente oposição entre as autoridades eclesiásticas; quando, em Maio de 1845, Kalley e as centenas de fiéis que reunira se constituíram em Igreja Presbiteriana Portuguesa, desencadeou-se uma dura repressão que terminou, em Agosto de 1846, na expulsão do País de todo este primeiro grupo de protestantes portugueses (Kalley e muitos deles seguiram para o Brasil, outros estabeleceram-se nos Estados Unidos da América). O acontecimento foi demonstrativo da incapacidade da sociedade portuguesa da época integrar a diferenciação religiosa e contribuiu para atrasar duas décadas a continuação da missionação protestante em solo nacional; esta teve de esperar pela estabilização do regime liberal a partir de 1851. A iniciativa pertenceu aos capelães anglicano e presbiteriano de Lisboa, Thomas Godfrey Pembroke Pope (1837-1902) e Robert Stewart (n. 1828) e, em Vila Nova de Gaia, ao industrial de origem inglesa Diogo Cassels (1844-1923); colaborando os três na distribuição regular de Bíblias em Portugal a partir de 1864 pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, juntaram em torno de si pequenos grupos de portugueses que se reuniam para ler e comentar as Escrituras. Destes três grupos nasceram, na segunda metade da década de 1860, as comunidades episcopaliana (em torno de Pope), presbiteriana (em torno de Stewart) e metodista (em torno de Cassels). Os primeiros a organizarem-se formalmente numa Igreja nacional foram, em 1880, os Episcopalianos, com a Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica (I.L.C.A.E.); os Presbiterianos e os Metodistas, com congregações organizadas no início da década de 1870, estiveram mais tempo subordinados às sociedades missionárias britânicas que apoiavam o seu desenvolvimento. A I.L.C.A.E. não esteve menos dependente da ajuda anglicana mas teve maiores meios de subsistência depois da adesão dos dois irmãos industriais Diogo e André Cassels (1880 e 1890), que subsidiaram a fundação e o desenvolvimento das congregações de Vila Nova de Gaia e do Porto; por outro lado, a adesão de alguns sacerdotes católicos romanos egressos contribuiu para o fortalecimento do seu corpo ministerial. Em 1884, a I.L.C.A.E. publicou a primeira edição do seu Livro de Oração Comum, que estabeleceu uma liturgia própria e lhe conferiu desde muito cedo uma sólida unidade doutrinal e histórica; porém, só em 1958 conseguiu a sagração de um bispo português, D. António Ferreira Fiandor (1884-1970) através do episcopado anglicano, vindo a suceder-lhe, em 1962, D. Luís César Rodrigues Pereira (1908-84) e, em 1980, D. Fernando da Luz Soares. Entre os Presbiterianos, em 1911, consumou-se a separação definitiva da capelania escocesa e foi obtido o reconhecimento legal da Igreja Presbiteriana de Lisboa (1913), ficando esta na dependência da Sociedade Brasileira de Evangelização (presbiteriana), que ajudará à expansão do Presbiterianismo; depois da Segunda Guerra Mundial, com a chegada do missionário norte-americano Michael P. Testa (1912-81) abriu-se caminho para a emancipação, constituindo-se formalmente, em 1947, a Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (I.E.P.P.), que realiza o seu primeiro Sínodo em Outubro de 1952. Os Metodistas tiveram no missionário Robert Hawkey Moreton (1844-1917) o seu grande impulsionador e mantiveram-se dependentes da Conferência Metodista inglesa até à realização do seu primeiro Sínodo e constituição como Igreja Evangélica Metodista Portuguesa (I.E.M.P.), em 1948. No século XIX estabeleceram-se ainda as Igrejas dos Irmãos, os Congregacionalistas e os Baptistas; menos centralizadas e organizadas que os três grupos pioneiros, estas denominações apareceram com pregadores britânicos que começavam por frequentar as congregações já existentes. Assim, foi fundada a primeira Igreja de Irmãos em Lisboa em 1877 com Richard e Cathryn Holden (Amoreiras), tendo posteriormente os missionários Stewart Menair e George Owens prosseguido a evangelização nas áreas limítrofes de Coimbra e Aveiro; no início do século XX, outros missionários britânicos contribuíram para a fundação de mais congregações (Charles e Mary Swan e Robert McGregor) mas, a partir dos anos Vinte, surgiram também evangelizadores portugueses como Waldemar de Oliveira, José Ilídio Freire, Viriato Sobral e Luís Paiva (alguns dedicavam-se a uma pregação itinerante). Os Congregacionalistas abriram a sua primeira igreja em Lisboa em 1880 mas só dez anos depois, graças à ajuda da então formada Missão Evangelizadora do Brasil e Portugal (a partir da Igreja Fluminense, congregação mãe do Congregacionalismo brasileiro) tiveram possibilidades de estabelecer outras missões em Lisboa e no Ribatejo; em Ponte-de-Sôr, o missionário Pereira Cardoso fundou uma das principais igrejas desta denominação. Após 1945, a diminuição que se fora verificando da ajuda brasileira teve como consequência a fusão de algumas comunidades congregacionalistas com os Presbiterianos, integrando hoje a I.E.P.P., enquanto outras permaneceram independentes, contando com o apoio, entre outras, da Liga Congregacional de Inglaterra. Os Baptistas surgiram em Portugal com Joseph Charles Jones (1848-1928), inicialmente ligado à congregação de Diogo Cassels (Vila Nova de Gaia), da qual se separou para organizar a primeira congregação baptista (de comunhão aberta), que se transformou em 1908 na Igreja Baptista Portuguesa. Outras congregações baptistas foram fundadas pelos missionários Robert Reginald Young (1867-1923), Jerónimo Teixeira de Sousa (1868-1928) e Zacarias Clay Taylor (1851-1919), este último enviado pela Convenção Baptista Brasileira, que iniciou então a cooperação com os Baptistas portugueses (seguida da Junta Baptista do Texas). Dois portugueses, João Jorge de Oliveira (1883-1958) e António Maurício (1893-1980), destacaram-se como missionários na altura da fundação, em 1920, da Convenção Baptista Portuguesa (C.B.P.) por congregações do Porto, Leiria, Tondela e Viseu (J. C. Jones foi ainda o seu primeiro presidente); porém, a cooperação conjunta de Brasileiros e Norte-Americanos gerou algumas incompatibilidades que conduziram a cisões na C.B.P., dando origem à Aliança Baptista Portuguesa (1928-32) e à União Baptista Portuguesa (1946-56). A Junta Baptista do Texas foi substituída mais tarde pela Conservative Baptist Foreign Mission Society, que se ligou à C.B.P., e pela North American Baptist Association, em torno da qual se juntou a Associação de Igrejas Baptistas Portuguesas (A.I.B.P.) em 1955. Dois anos depois, também a Junta Missionária de Richmond da Convenção Baptista do Sul dos Estados Unidos da América passou a cooperar com a C.B.P., fornecendo recursos humanos e financeiros que criaram condições para um grande desenvolvimento da obra baptista nas décadas de cinquenta e sessenta. Os Adventistas do Sétimo Dia iniciaram a sua obra de evangelização em Portugal com o pastor Clarence Emerson Rentfro (1877-1951), que se instalou em Lisboa em 1904; Ernesto Schwantes, em 1906, foi o primeiro obreiro adventista no Porto. Entre 1917 e 1924, o suíço Paulo Meyer (1886-1944) dirigiu a missão portuguesa mas só em 1935 esta viu os seus estatutos oficialmente reconhecidos, já sob a presidência do pastor António Dias Gomes (1901-1994), que a ocupou até 1950; o período após 1945 assistiu a um grande crescimento da implantação Adventista (inclusivamente no ultramar), destacando-se como dirigente, missionário e autor nesta segunda metade do século o pastor Ernesto Ferreira (n. 1913). Fadado também a um grande crescimento, o Pentecostalismo teve em José Plácido da Costa (1870-1965) o seu iniciador em Portugal; ex-baptista que terá aderido às Assembleias de Deus pentecostais no Brasil, este pioneiro começou em 1913, na Póvoa de Varzim, o seu trabalho evangelizador. Em 1921, vindo do Brasil, José de Matos Caravela (1887-1958) implantou as Assembleias de Deus no Algarve e na zona de Santarém. Do Brasil, veio igualmente o sueco Daniel Berg (1894-1963), principal impulsionador do Pentecostalismo no norte do País; na área de Lisboa, a partir de 1934, outros suecos, Jack Hardstedt, Samuel Nystron e sobretudo Jarl Tage H. Stahlberg (1902-1980) conduziram o crescimento das Assembleias de Deus. Em 1939, realizou-se a primeira convenção nacional dos obreiros das Assembleias de Deus com vista a uma cooperação das várias congregações e ao aperfeiçoamento do trabalho missionário; além das Assembleias de Deus, a partir da década de sessenta, estabeleceram-se em Portugal outras denominações pentecostais, quer originadas de cisões nas primeiras, quer do esforço missionário de grupos brasileiros, porto-riquenhos, norte-americanos e britânicos, incluindo os chamados neopentecostais, grupos de raiz pentecostal mas muito marcados pela “teologia da prosperidade”. Com presença em Portugal desde 1925, as Testemunhas de Jeová vieram a tornar-se na denominação individualmente mais numerosa; publicaram desde a década de 20 abundante literatura (incluindo uma edição portuguesa da revista Torre de Vigia) mas viram as suas actividades cerceadas durante o Estado Novo. As várias tentativas de legalização que fizeram até 1974 fracassaram e foram vítimas da maior pressão feita pelo Estado sobre uma denominação protestante durante toda a época contemporânea; o grande crescimento do seu número de fiéis intensificou-se com a legalização e liberdade obtidas após 1974. Outra importante denominação cristã que se estabeleceu em Portugal foi a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, a qual só se pôde implantar desde 1974.
[«Protestantismo» (vol. P-V-Apêndices pp. 75-85), Dicionário de história religiosa de Portugal (dir. Carlos Moreira Azevedo), Lisboa: Círculo de Leitores, 2000-2001.]