Com a
abertura de Portugal ao mundo, os pensadores nacionais abriram-se ao
experimentalismo e às novas correntes. As viagens marítimas dos Portugueses a
partir do século XV, com a descoberta de outras terras, povos e culturas, abriu
novos horizontes ao pensamento europeu e reflectiu-se na reflexão dos autores
de Quinhentos e Seiscentos. O papel da observação, da experiência e da
utilização da matemática foi considerado e valorizado de um modo que introduziu
descontinuidades em relação ao período histórico anterior. Com estas mudanças
muito ligadas às actividades marítimas de então, a reflexão filosófica
abandonava a era medieval e abraçava a era moderna. À filosofia formal foi
momentaneamente preferido um estudo empírico da realidade, recorrendo alguns dos
autores deste período à matemática para afinarem o rigor das suas observações e
deduções. Esta transformação, que antecipava não só tendências futuras como
também uma das características do período renascentista, coincidiu com o ímpeto
descobridor do século XV e início do século XVI, mas foi momentâneo.
«A
experiência, mãe de todas as coisas»
Duarte Pacheco Pereira, nascido em meados do
século XV, revela o interesse renovado pelo estudo da natureza e da geografia,
consciente já da necessidade de corrigir e superar os autores antigos. Na sua
obra Esmeraldo de situ orbis (1506),
reflectindo sobre a substituição de ideias antigas por outras adquiridas nas
viagens oceânicas, realça a importância da experiência, «mãe de todas as
coisas», para o conhecimento rigoroso, que, assim, não poderia ser apenas uma
construção meramente teórica ou intelectual, mas teria de ser também empírica.
Em Pedro Nunes (1502-1578), professor de filosofia natural na universidade de
Coimbra, aparece já uma atitude crítica da «maioria dos filósofos do nosso
tempo, que consideram de somenos o conhecimento da matemática». Partindo também
da experiência náutica adquirida pelos Portugueses, Pedro Nunes chamou atenção
para a importância que teve a matemática aplicada na construção de um saber astronómico
e geográfico rigoroso nas viagens dos nossos navegadores. As suas obras Tratado da Esfera (1537) e Livro de álgebra e geometria (1567)
denotam uma abertura precoce à matematização do saber. D. João de Castro
(1500-1548) procurou igualmente, nos dados que coligiu relativos à filosofia
natural e à náutica, um rigor matemático e uma ciência de base empírica. Nestes
autores ficou esboçada uma promessa pioneira e consistente de abertura à
ciência experimental e à filosofia moderna que então se iniciavam na Europa,
mas que acabaram por não florescer em Portugal.
O método científico em Francisco
Sanches
Francisco
Sanches (1550-1622), cristão novo que iniciou os seus estudos em Braga, veio a
desenvolver a sua actividade ligada à medicina e à filosofia em França (onde
contactou com as mais avançadas correntes do Renascimento e da Reforma
religiosa). Na sua obra, reunida nos seus Tratados
filosóficos, Sanches revela-se crítico da filosofia escolástica e das
concepções aristotélicas que a suportavam. Influenciado pela prática da
medicina, defende uma concepção empirista da ciência, pondo ênfase na
necessidade de construir um saber autónomo da metafísica e da religião e
orientado para uma realidade entendida como objectiva e regida por leis que
devem ser descobertas sobretudo através da experiência.
Embora, para Francisco
Sanches, o objecto da ciência fosse o conhecimento das causas naturais dos
fenómenos observados, o filósofo recusava que a essas «causas segundas» se
devesse limitar a nossa concepção da realidade, que deveria estar consciente da
existência de Deus e de «causas primeiras». No entanto, Sanches defendeu que o
conhecimento das causas naturais não só era trabalhoso como dificilmente
poderia suportar as “causas primeiras” sem um esforçado labor dedutivo.
A
filosofia judaica
Entre os judeus portugueses, a filosofia floresceu pouco antes da conversão forçada de
1496, que pôs um fim abrupto a uma experiência que se revelou rica. Isaac
Abravanel (1437-1508) e o seu filho Leão Hebreu (1465-1534) partiram de um
conhecimento profundo da filosofia clássica e da escolástica cristã para
afirmarem a sua conformidade com a Bíblia. Embora dando como adquirido o papel
da razão, concluíram pela superioridade da revelação, efectuando no âmbito da
fé judaica uma síntese com a filosofia similar à operada por São Tomás de
Aquino no âmbito da fé cristã. Ambos os autores evidenciam influência de Platão
e se opuseram à ideia aristotélica da eternidade do universo, a que preferiram
o criacionismo bíblico.
Outro autor proveniente do judaísmo português – já
então clandestino – foi Isaac Cardoso (1615-1680), médico e filósofo, que, em
Veneza, publicou a sua Philosophia libera,
obra eclética que afirma uma noção empirista de ciência a par do criacionismo e
da defesa da liberdade intelectual. Estes autores mostraram-se, como fora já o
caso de Samuel Usque (n. 1492), permeáveis a influências esotéricas e
neoplatónicas.
Sob
o signo da Contra-Reforma
A afirmação da Contra-Reforma em Portugal depois
do Concílio de Trento (1545-1563) circunscreveu o tema filosófico do diálogo
entre razão e revelação a autores católicos, alguns dos quais, como Álvaro
Gomes logo no seu Comentário ou censuras
(1543), pretenderam explicitamente refutar com recursos retóricos e lógicos as
concepções teológicas saídas da Reforma protestante, nomeadamente as de Lutero.
Dada a vigilância que a Inquisição passou a manter a partir desta época sobre
toda a cultura intelectual, estas obras tenderam para a mera apologia do
catolicismo.
Outros autores, como Sebastião Toscano (1515-1583), em Mística teologia (1568), ou o Padre
António Vieira (1608-1697), nos seus Sermões,
desenvolveram temáticas religiosas com recurso à filosofia moral. No caso de
Vieira, a influência de Séneca foi notória nos seus escritos morais, o que
denota um interesse continuado em Portugal, mesmo entre religiosos, pela obra
deste autor peninsular da Antiguidade.