No século XVI, apesar do ambiente criado pela Contra-Reforma, floresceu
em Portugal uma vigorosa escola de filosofia.
Pedro da Fonseca e o Colégio das
Artes
Em
1555, D. João III entregou à Companhia de Jesus uma das instituições que
formava a Universidade de Coimbra – o Colégio das Artes. Aí viria a
desenvolver-se uma escola de filosofia com projecção na Europa e na América e
que chegou a expandir-se, através dos missionários jesuítas, até ao Extremo
Oriente. Pedro da Fonseca (1528-1599) foi o iniciador desta escola, concebendo,
com as suas obras Instituições
dialécticas (1564) e Comentários à
metafísica de Aristóteles (1589), um curso que consistia num vivo e
desenvolvido comentário à obra de Aristóteles, considerada de validade
universal e perene. Fonseca fez começar os estudos pela lógica, através do
comentário do Organon de Aristóteles,
fazendo-os prosseguir numa abordagem da teologia que seguia de perto a Metafísica do mesmo filósofo clássico.
Tanto num caso como no outro, o método conimbricense exposto por Fonseca
pressupunha um diálogo crítico com as novas tendências filosóficas e
científicas, aproveitando nelas o que considerava válido à luz da tradição
aristotélica, rejeitando uma atitude de mera repetição.
Manuel de Góis,
Sebastião do Couto e Baltasar Álvares publicaram, a partir de 1592, os Comentários do colégio conimbricense da
Companhia de Jesus, que ampliaram à física e à ética o método de estudo da
filosofia e de comentário de outros autores a partir de um Aristóteles renovado
e revigorado, completando-se assim o âmbito pedagógico da escola de Coimbra.
A
«ciência média» em Luís de Molina
Alguns filósofos formados em Coimbra viriam a
destacar-se pela originalidade dos seus contributos teóricos. Luís de Molina
(1536-1600), embora nascido em Cuenca (Espanha), estudou em Coimbra e ensinou
em Évora, desenvolvendo alguns aspectos importantes da obra de Pedro da
Fonseca. As suas obras mais importantes foram De concordia (1588) e De
iustitia et iure (1593). Na primeira destas obras, Molina defendeu a tese
da chamada «ciência média», já esboçada em Fonseca e que pretendia dar uma
solução diferente ao conflito teórico entre a liberdade humana e a graça
divina. Afastando-se da ideia geralmente aceite segundo a qual, no uso do
livre-arbítrio, o ser humano só poderia agir moralmente se auxiliado pela
graça, Molina defendeu existirem actos naturais em todos os homens que,
independentemente de intervenção divina e de uma fé cristã consciente, têm
valor moral intrínseco – mesmo que sejam ineficazes para a salvação como a
entende a doutrina da Igreja. Estas ideias implicavam o reconhecimento de uma
capacidade moral mesmo aos povos não europeus e não cristianizados, o que
motivou a sua rejeição por outros autores católicos.
Em De iustitia et iure, Molina aplicou estes princípios aos campos do
direito e da política, submetendo o poder do governo à comunidade que, através
do direito natural, o teria recebido de Deus e o poderia reclamar em caso de
actos tirânicos do governante. Nesta doutrina reconhece-se o princípio da
origem popular do poder temporal, que seria também afirmada pelo jesuíta
conimbricense Francisco Suárez (1548-1617).
Persistência e decadência da escolástica
Durante
o século XVII, a escola conimbricense tornou-se hegemónica na universidade
portuguesa, sendo o seu magistério aristotélico-escolástico seguido em Coimbra
e em Évora por autores como Baltazar do Amaral, Bento de Macedo, Francisco
Soares de Alarcão, Baltazar Teles, Inácio de Carvalho (este autor de um Compêndio de lógica conimbricense) ou
Agostinho Lourenço. Esta tendência só seria invertida no século seguinte com as
primeiras influências do Iluminismo em Portugal, sendo, no entanto, sintomático
da influência persistente das ordens religiosas, e em particular dos Jesuítas,
que quase todos estes autores fossem clérigos.
Na transição do século XVII
para o século XVIII, a escolástica portuguesa entrou numa decadência para a
qual contribuiu um clima pouco propenso à livre discussão intelectual. Gregório
Barreto de Cantanhede, Bento de Macedo e António Cordeiro foram autores desta
fase em que a mera repetição substituiu o comentário vivo e a referência crítica
a autores contemporâneos. Este declínio da qualidade do trabalho dos
escolásticos de Coimbra e de Évora facilitaria o sucesso da investida dos seus
adversários em meados do século XVIII.
Outros autores
Formados também na escolástica e
pertencendo já ao século XVII, destacam-se dois autores que usufruíram ainda da
fase de vigor da escola conimbricense e que não tiveram a sua actividade
intelectual circunscrita à universidade portuguesa. Frei João de São Tomás
(1589-1644), nascido João Poinsot e formado em Coimbra, ensinou em Madrid e em
Lovaina e, após tomar conhecimento das polémicas do seu tempo entre Jesuítas e
Franciscanos, ingressou na ordem dominicana. Tornou-se então um comentador
sistemático e directo da obra de Tomás de Aquino, depurado das controvérsias
introduzidas pela escolástica em que se formara e pelos seus adversários de
inspiração agostiniana. Considerando a lógica o próprio instrumento da
especulação, Frei João de São Tomás deu nos seus Cursus philosophicus, contributos originais no âmbito da
gnosiologia, da metafísica e da filosofia da linguagem. Também com um percurso
não circunscrito a Portugal, Frei Francisco de Santo Agostinho de Macedo
(1596-1681), franciscano, optou pelas posições filosóficas do escotismo, que
comparou com as do tomismo em Collationes
doctrinae (1680).