A tentativa de reforma do ensino da filosofia fez-se em nome das
correntes modernas e do experimentalismo sob o governo de Pombal. [Na imagem, Teodoro de Almeida (1722-1804).]
Os
primeiros reformadores
No início do século XVIII começa a fazer
sentir-se em Portugal a influência de filósofos como René Descartes e John
Locke, antes ignorados ou mesmo proibidos. Curiosamente, a atenção crescente
dispensada a estes nomes da «filosofia moderna» começou por ser veiculada por
autores laicos e exteriores ao ambiente universitário português. O militar
Manuel de Azevedo Fortes (1660-1748), com a sua Lógica racional geométrica e analítica (1734), propôs uma síntese
entre o inatismo de Descartes e o sensismo de Locke, adoptando uma atitude
eclética e centrada na questão do método. A sua filosofia vale mais pela
introdução de autores «modernos» do que pela sua qualidade intrínseca. Também
Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743) foi divulgador, entre
outros, de Locke, tendo viajado pela Europa e participado no «movimento das
academias» que marcou a primeira metade do século XVIII em Portugal,
nomeadamente como sócio fundador da Academia Portuguesa da História (1720),
patrocinada pelo rei D. João V. Nos seus Apontamentos
para a educação de um menino nobre é marcante a influência do pensamento
pedagógico de Locke, que pretendia aplicar a uma reforma do ensino que criasse
no País um nível intermédio (secundário) de estudos.
A influência dos
«estrangeirados»
Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), médico
formado em Coimbra que abandonou Portugal em 1721 (era cristão-novo), traduziu
o Novo Organon de Francis Bacon com o
expresso propósito de propagandear entre nós a filosofia experimentalista do
autor inglês. Paralelamente, assumiu-se como divulgador da obra de Isaac Newton
(Teórica verdadeira das marés conforme à
filosofia de Isaac Newton, 1737). Sarmento, embora não questionasse o campo
próprio da metafísica (o das «causas primeiras»), foi um crítico contundente
tanto de Aristóteles como de Descartes, aos quais preferia o método
experimentalista e matematizado dos dois autores ingleses. Com Sarmento
acentuou-se na cultura portuguesa a influência de intelectuais radicados no
estrangeiro, os quais foram por isso apelidados de «estrangeirados». Mas o facto
de a tradução de Bacon haver sido encomendada por D. João V mostra até que
ponto estas novas tendências já não podiam ser consideradas marginais e
anómalas no período anterior ao auge do governo pombalino (a partir de 1755).
António Ribeiro Sanches (1699-1783) foi outro «estrangeirado» adepto do
experimentalismo, a que aliava uma atitude favorável à laicização do ensino e à
reforma da Igreja sob a tutela do Estado. Médico de formação e radicado em
França, publicou Cartas sobre a educação
da mocidade (1760) e Método para
aprender e estudar medicina (1763). A sua obra influenciou a reforma
pombalina da Universidade em 1772.
Juntamente com Ribeiro Sanches, Luís
António Verney (1718-1792) é um dos nomes emblemáticos do grupo dos chamados
«estrangeirados». A sua formação começou com os Jesuítas na Universidade de
Évora, com os quais se incompatibilizou, embora também tenha passado pelo curso
de filosofia dos Oratorianos (1727-1730). Estabeleceu-se em Roma, onde escreveu
as suas obras, nomeadamente Verdadeiro método
de estudar (1748), na qual propõe uma reforma do ensino em Portugal baseada
em novos currículos e em nova pedagogia. Defendeu a física newtoniana e
combateu o espírito sistemático da escolástica e do cartesianismo. A sua
pedagogia era também influenciada por Locke.
Este progressivo abandono da
escolástica a favor das correntes modernas e iluministas é patente mesmo entre
alguns religiosos como o franciscano Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814),
propenso a um ecletismo crítico da escolástica e aberto às «Luzes» de
Setecentos, pelo que foi depois cooptado para cargos importantes sob o governo
do marquês de Pombal, nomeadamente na Real Mesa Censória e na reforma dos
estatutos da Universidade de Coimbra (1772). Outro autor que se inscreveu na
tendência de abertura às «Luzes» foi António Soares Barbosa (1734-1801), que
teve um papel importante no ensino da filosofia na Universidade de Coimbra após
a reforma de 1772 – que consagrou o triunfo da «filosofia moderna» no ensino
universitário português –, tendo publicado Discurso
sobre o bom e verdadeiro gosto da filosofia (1776) e Tratado elementar de filosofia moral (1792). No campo da filosofia
do direito, Barbosa, embora plenamente aberto às correntes modernas, é crítico
tanto das teorias contratualistas e de um estado de natureza igualitário como
da razão como única fonte do direito (doutrina defendida pelos teóricos do
despotismo iluminado).
Os Oratorianos e o «Iluminismo católico»
Nas
primeiras décadas do século XVIII, a Congregação do Oratório afirmava-se em
Portugal como a rival da Companhia de Jesus que, em grande medida, controlava
ainda a Universidade. Após a expulsão dos Jesuítas em 1759, os Oratorianos
tornaram-se o grande centro de irradiação de uma filosofia renovada e com uma
abertura crítica às novas correntes modernas e experimentalistas, absorvendo as
tendências do Iluminismo e recriando-o à luz da tradição católica. No contacto
com os autores oratorianos setecentistas formaram-se gerações mais novas que
teriam um papel importante na transição das elites portuguesas para o período
liberal no início do século XIX. Manuel Álvares (1739-1777) introduziu na sua Lógica (1760) o sensismo de Locke e a
física moderna. António Pereira de Figueiredo (1725-1797), em obras como Doctrina veteris ecclesiae (1765),
sustentou uma teologia regalista que o associou ao governo de Pombal. Francisco
José de Freire (1719-1773) foi um defensor do neoclassicismo estético em Arte poética (1748), obra que se tornou
a referência teórica da academia Arcádia Lusitana. Teodoro de Almeida
(1722-1804), em Recreação filosófica,
absorveu na sua teologia natural os contributos mais relevantes da ciência
física do seu tempo.