Em "Don Giovanni", no tratamento operático que Mozart deu à história de D. Juan (de que aqui se vê o excerto decisivo), talvez o tema principal seja o de como o mal, como decisão livre do sujeito, só pode encontrar solução na experiência da morte; esta torna-se a única catarse possível, imposta por uma força sobre-humana e, no limite, contra a vã resistência daquele que, nem mesmo no fim, se arrepende. Mas o arrependimento já é uma outra questão. Somos seres morais porque somos mortais, o que é o mesmo que dizer que a morte não merece a má reputação que lhe damos - até porque o maior problema é o de um ser "imoral" que não teme a morte; pelo que Don Giovanni, apesar de toda a sua depravação, sendo um hedonista (a seu modo, amando a vida), é imoral, mas não é a "besta". Nesta cena final em que a morte o vem buscar conseguimos chegar a admirar a sua coragem, muito embora a reposição da ordem desencadeada pelo regresso sobrenatural do Comendador nos conforte. E, no fundo, embora resista (porque teria de o fazer), Don Giovanni deve pressentir a justiça do seu fim (que não lamenta): deu a morte a outros (literal e figurada) e agora ela é-lhe devolvida. (Já para os "justos", a morte não será devolução, mas necessidade da sua condição.)