domingo, agosto 12, 2007

Governo, banco central e crise do mercado imobiliário

A recentíssima crise no mercado imobiliário norte-americano, com previsíveis consequências no mercado global e na política monetária dos principais bancos centrais, está a mostrar como a generalidade dos comentadores económicos na imprensa tem uma grande tendência para "acertar" ao lado quando tenta analisar o funcionamento do mercado (neste caso, o norte-americano). Parece ser assumido que aquele funciona livremente e sem as peias e as distorções da regulação dos governos e da intervenção a priori das "autoridades" monetárias. Daí resultam análises sem sentido, que tentam encontrar no próprio mercado explicações para fenómenos que, na realidade, têm causas exógenas (a intervenção dos Estados e dos seus bancos centrais). A injecção de dinheiro "fresco" nas instituições bancárias em crise pela Reserva Federal Norte-Americana e pelo Banco Central Europeu é uma "correcção" desastrosa (e inflacionista) de erros de investimento que já tinham sido causados pela intervenção dos governos e dos bancos centrais neste mercado; esta é a fase em que todos vamos começar a pagar (em dinheiro de valor ainda mais depreciado) as opções que há uns anos pretenderam "fomentar" este mercado com razões políticas e não económicas (isto é, ao arrepio do que era sensato em termos económicos).

Há quase seis anos que uma das publicações do Ludwig von Mises Institute já vinha chamando atenção para o que estava errado neste mercado. Para os eternos distraídos nas questões económicas, a análise "austríaca" talvez tenha algo de importante a dizer sobre este assunto. Aqui ficam, das minhas notas, os resumos do que dois artigos (de 2001 e 2002) já previam que acontecesse (quando a opinião dominante era arrogantemente optimista):

THE FREE MARKET vol. 19, n.º 10, Outubro 2001: p. 6 David Barnes, «The redistribution of risk». O autor critica a acção da Federal National Mortgage Association, conhecida como Fannie Mae, e da Federal Home Loan Mortgage Corporation, ou Freddie Mac; ambas as agências são consideradas em geral GSEs, government sponsored enterprises, supostamente fornecendo liquidez e alternativas “baratas” ao mercado imobiliário, mas o efeito da sua operação subsidiada pelos contribuintes, as isenções de impostos e o acesso a uma linha de crédito de emergência de $2.25 milhões significam que o risco da sua actividade é transferido dos cofres destas agências para os Americanos anónimos, enquanto a concorrência tem de fazer face a esses riscos com os seus recursos; o autor argumenta que se trata de uma política de “redistribuição” do risco, que obedece à lógica da “redistribuição” da riqueza que tem justificado estas agências desde o New Deal com o alegado propósito de “salvar o capitalismo de si mesmo”. «The real danger of government’s protection of Fannie Mae and Freddie Mac is to the American taxpayer»; «The redistribution of risk is as contemptible as the direct redistribution of wealth through taxation»).

THE FREE MARKET vol. 20, n.º 3, Março 2002: p. 1 Christopher Mayer, «Mortgage-market socialism» Mayer traz de novo o tema das nocivas aventuras de Fannie Mae, Freddie Mac e do Federal Home Loan Bank System, as três infelizmente famosas GSEs (empresas subsidiadas) do imobiliário: ver vol. 19 n.º 10; a sua fatia do mercado de empréstimos imobiliários já chega a 56% e o crescimento acelerado desta percentagem nos últimos anos faz acreditar que se está na iminência de uma monopolização politicamente patrocinada deste sector; os riscos desta situação decorrem da possibilidade destes gigantes poderem vir a ter problemas financeiros (algo que os seus responsáveis afastam com um irracional excesso de confiança), afectando então a vida de milhões de pessoas – as atraídas pelos preços subsidiados ou a generalidade dos contribuintes se o Governo decidisse evitar o afundamento desta tríade (as vantagens que o Governo já lhes dá relativamente à concorrência são: disponibilidade de linhas de crédito do Tesouro, isenções fiscais e tratamento privilegiado no acesso ao crédito bancário, com regras mais generosas do que as que são impostas pela lei à concorrência); isto não só não as impede de serem das empresas mais endividadas dos Estados Unidos como provavelmente as estimula a isso, dado terem uma indefinida garantia do Estado por trás; tal endividamento faz adivinhar no futuro próximo ou um desastre financeiro ou uma nacionalização que evite a liquidação destes gigantes – o certo é que, quando isso acontecer, o “funcionamento do mercado” há-de ser mais uma vez responsabilizado por algo que evidentemente resulta do pernicioso intervencionismo estatal nesse mercado. «We do not know how the mortgage market might have developed if the GSEs had never been created»; «The only way to correct this problem is the same way all socialist practices are corrected – government involvement must be severed completely».