Composta por Johann Strauss (pai) para festejar os triunfos do general-conde Radetzky em 1849, esta marcha é aqui interpretada pela Filarmónica de Viena (dirigida por Claudio Abbado) no Concerto de Ano Novo de 1991.
A marcha, como veremos, rompe com vários lugares comuns.
Antes de mais, esta marcha vence a snobeira de alguns apreciadores de “música clássica”, que não gostam das palmas e do entusiasmo habitual do público quando ouve esta composição; acham-na “parola”, digamos assim. Só que esse efeito, que perdurou muito para além dos acontecimentos que motivaram a marcha, é uma prova irrefutável do talento de Johann Strauss, que pretendia precisamente que ela arrebatasse e criasse uma onda de alegria popular que servisse de catarse aos acontecimentos de 1848-1849, que quase derrubaram o Império Austríaco.
O general-conde Radetzky foi o homem que, naquela conjuntura, conseguiu manter intacto o exército austríaco (e a sua “cadeia de comando” como se poderia dizer perante aquele “PREC” de 1848), bem como a sua lealdade ao imperador. Com isso, pôde pôr fim ao caos político que se apoderara de Viena, onde dominavam militantes “democratas” violentos irritados com os poucos votos conseguidos nas urnas e políticos fracos recentemente eleitos que se mostravam muitíssimo mais incompetentes que Metternich (a “velha raposa”, “liberal at heart”, que a rua amotinada exigira ao imperador que despedisse em 1848). Além de ter entregue de novo ao imperador o poder legítimo para as verdadeiras reformas poderem prosseguir, Radetzky conseguiu ainda vencer os focos periféricos de instabilidade: na batalha de Novara, bateu pelas armas os Piemonteses que se propunham “libertar” os súbditos italianos do imperador e mostrou os dentes aos “democratas” húngaros que regateavam a lealdade de Budapeste também mergulhada no seu “PREC”.
Strauss julgou haver motivo para comemorar. Os oficiais do exército austríaco, quando ouviram a composição, transbordaram de entusiasmo e seguiram o ritmo batendo palmas e com as botas no chão; os populares tiveram a mesma reacção. Afinal, podia-se começar de novo, mas com um pouco mais de ordem e alegria. E o que resultou, anos mais tarde, além de mais excelente música de Strauss, foi a monarquia dual, o progresso e as liberdades efectivas e toda a riqueza cultural de Viena, fecundada pela natureza cosmopolita e multinacional do império. Hoje, sabemos que foi um espírito destes que faltou ao império em 1918 e que o vazio por isso criado precipitou o coração da Europa, por muitas décadas, nos braços dos fantasmas do nacionalismo e do radicalismo “democrata”, espantados por Radetzky e por Strauss em 1849.