[Grão de Trigo, Maio 2013, p. 4]
Martinho Lutero, cuja
teologia é mais “reformada” do que as práticas eclesiais históricas das igrejas
europeias vulgarmente conhecidas como “luteranas”, é uma inspiração permanente
para aqueles que se reclamam do calvinismo.
Para percebermos como o primeiro
reformador entendia o sacramento, vamos pedir ajuda a Paul Althaus e ao seu
livro A Teologia de Martinho Lutero (cap. 25), pois os escritos de
Lutero são muitos e dispersos no tempo e por diferentes obras, e a
interpretação sistemática de um bom teólogo (competente e leal) é em tal
situação o melhor auxílio.
Para Lutero, o sacramento está ancorado numa
promessa de salvação feita por Deus através da Sua Palavra e é, assim, um acto
visível que funciona como analogia de uma realidade invisível e prometida; é,
pois, na forma, um símbolo.
Porém, nem todos os símbolos são sacramentos, dado
que, para o serem, têm de decorrer da própria revelação divina, que promete o
perdão dos pecados e, assim, vida e salvação – e de ser identificáveis como tal
na Bíblia.
Para Lutero, nem o casamento nem a confirmação cumpriam esta
condição, pois falta-lhes a promessa de salvação; por outro lado, a oração, a
penitência e a leitura e meditação da Palavra, a que Deus associou a promessa,
não têm a forma clara de acto visível e simbólico, pelo que não podem ser
propriamente considerados sacramentos.
Só o Baptismo e a Ceia preenchem esta
dupla condição da promessa e do símbolo. A ambos pertence também dirigirem-se a
cada crente individualmente, serem um vínculo do crente individual com a
promessa divina, enquanto o ministério do anúncio da Palavra (a pregação) – que
só por si terá de valer outro texto – se dirige a todos os crentes, em geral e
indistintamente.
O carácter físico do sacramento (o contacto do nosso corpo com
a água, o pão e o vinho) significa que tudo em nós (até a nossa carne) está
destinado à vida eterna. Ora, para Lutero, o sacramento só é válido, só passa
de forma a conteúdo – e a vínculo –, se estiver intimamente ligado no indivíduo
à fé na Palavra divina; sem isso, é um ritual ineficaz para esse indivíduo.
A
fé é tão fundamental que Lutero chega a dizer, a partir de Marcos 16:16, que
alguém que a tenha e seja privado dos sacramentos se pode salvar.
No entanto,
os dois sacramentos, como actos visíveis praticados pela Igreja, não perdem o
seu carácter de promessa por serem administrados a indivíduos sem fé, ao
contrário do que defenderam os Anabaptistas no século XVI e com quem Lutero
polemizou. E os crentes não devem privar-se dos sacramentos por terem fé, pois
foram convocados pela Palavra a neles viverem também a sua fé.
DESAFIO… Lutero defendeu o baptismo de crianças. De
acordo com a sua concepção de sacramento, o que pensar disso? Sem a consciência
da fé pode o baptismo ser eficaz (vínculo com a promessa divina)? E a Ceia, pelas
mesmas razões, a quem e em que idade e em que condições deve ser ministrada na
Igreja?