Aquilo
que Orwell identifica como elementos, ou humanos ou especificamente ingleses,
que defendem da barbárie uma decência humana em perigo estão mais dependentes
das práticas e valores “burgueses” do que ele parece disposto a aceitar
plenamente e se não estão na linha da teoria dos sentimentos morais de Smith e
de Burke não sei onde os pode ele filiar; em «My Country Right Or Left» (pp.
133ss), referindo-se ao poema de John Cornford Before The Storming of Huesca e contrastando-o com a atitude de
muitos esquerdistas incapazes de se emocionarem perante a union jack («so “enlightened” that they cannot understand the most
ordinary emotions»), diz que «the young Communist who died heroically in the
International Brigade was public school to the core» (p. 137) – ora, a «reform
of the educational system along democratic lines» que ele defende no seu
programa de seis pontos (p. 176) não matou aquele tipo de idealista decente que
era um produto específico de uma educação construída dentro do “sistema de
classe” em cuja liquidação ele estava tão pronto a colaborar? É difícil
acreditar que Orwell não visse isto; simplesmente não estaria disposto a
questionar tão profundamente a sua crença num socialismo que, já não capaz de
apresentar como ideal, insistia em
considerar preferível – perante a
visão de Koestler da revolução como um pecado original, Orwell não rebate,
apenas lhe censura a descrença em qualquer empresa política de salvação da
humanidade desapossada daquilo a que materialmente tem direito, nem que fosse
por meio de uma conquista e preservação pacífica do poder (um poder centralizado
e planificador que ele parece não querer ver até ao fim que não pode ser
manipulado por gente “decente” em nome de fins “decentes” sem acabar a fazer
atrocidades e a rebaixar os próprios padrões de decência na sociedade).
Em
«Looking Back On The Spanish War» (pp. 216-233) é surpreendente a ausência de
esforço de compreensão do outro lado, como se o tipo humano que vislumbrou no soldado
italiano da Brigada Internacional que tanto o marcou não existisse do outro
lado, com medos e expectativas tão genuínas. Muito interessante é o ensaio «Notes
On Nationalism» (pp. 300-317), que distingue de patriotismo («devotion to a
particular place and a particular way of life [with] no wish to force [itsef] upon
other people») e que usa realmente como sinónimo de “sistema de crença”,
obsevando-o em várias manifestações intelectuais do seu tempo e sobretudo
naqueles que trocaram de pátria por exercício intelectual (deliciosas as
considerações sobre G. K. Chesterton e a sua abdicação da inteligência para se
fazer um propagandista da Igreja Católica e da latinidade). Lúcido o texto sobre
Gandhi (pp. 459-466), concluindo que, apesar de «a sort of aesthetic distaste
for Gandhi, […] compared with the other leading political figures of our time,
how clean a smell he has managed to leave behind!».
Certeiros os textos
sobre Charles Dickens (pp. 35-78), de 1939 («He attacks the law, parliamentary
government, the educational system and so forth, without ever clearly
suggesting what he would put in their places», o que levou Macaulay a recusar
recensear Hard Times por causa do
“socialismo mal-humorado” a que fedia a obra, não porque, digo eu, aí afirme
ideias radicais explícitas, mas porque contrapunha com arte a pretensa natureza
imoral das instituições e dos seus tipos humanos mais representativos à
superioridade moral dos “humildes” apresentados como vítimas, e isto de uma
forma não ideológica mas simpática para a generosidade instintiva da
generalidade dos leitores), e H. G. Wells (pp. 188-193), de 1941, (sempre
obcecado com a promoção de um governo mundial e das virtudes da tecnologia, sem
se preocupar minimamente com a neutralidade moral desses objectivos, patente no
facto de «Much of what Wells has imagined and worked for is physically there in
Nazi Germany»).
[Março 2012]