quinta-feira, junho 13, 2013

Orwell, George - Essays (Penguin, 2000)


Em «The Lion and the Unicorn» (1940, pp. 138-188), Eric Arthur Blair (1903-1950) mostra bem que era para pessoas como ele que Hayek iria escrever, quatro anos depois, The Road To Serfdom; Orwell consegue ver que o socialismo leva a que todos se tornem “empregados do Estado” (justificável porque «Socialism […], unlike capitalism, […] can solve the problems of production and consumption», p. 160) e que isso é exactamente o que aconteceu na Alemanha nazi (p. 161), mas ilude-se dizendo que a grande diferença reside nos objectivos diametralmente opostos das duas ideologias – ou seja, uma fronteira constituída por boas intenções que o internacionalismo socialista genuíno preservaria e que o nazismo nunca comungou, parecendo passar-lhe completamente ao lado que a centralização e planificação têm consequências liberticidas muito semelhantes independentemente dos objectivos ideológicos que digam perseguir, como ele bem sabia, tendo em conta o que é capaz de denunciar relativamente à experiência soviética (neste sentido, é claro o ensaio de 1944 sobre Arthur Koestler, pp. 268-278).
 
Aquilo que Orwell identifica como elementos, ou humanos ou especificamente ingleses, que defendem da barbárie uma decência humana em perigo estão mais dependentes das práticas e valores “burgueses” do que ele parece disposto a aceitar plenamente e se não estão na linha da teoria dos sentimentos morais de Smith e de Burke não sei onde os pode ele filiar; em «My Country Right Or Left» (pp. 133ss), referindo-se ao poema de John Cornford Before The Storming of Huesca e contrastando-o com a atitude de muitos esquerdistas incapazes de se emocionarem perante a union jack («so “enlightened” that they cannot understand the most ordinary emotions»), diz que «the young Communist who died heroically in the International Brigade was public school to the core» (p. 137) – ora, a «reform of the educational system along democratic lines» que ele defende no seu programa de seis pontos (p. 176) não matou aquele tipo de idealista decente que era um produto específico de uma educação construída dentro do “sistema de classe” em cuja liquidação ele estava tão pronto a colaborar? É difícil acreditar que Orwell não visse isto; simplesmente não estaria disposto a questionar tão profundamente a sua crença num socialismo que, já não capaz de apresentar como ideal, insistia em considerar preferível – perante a visão de Koestler da revolução como um pecado original, Orwell não rebate, apenas lhe censura a descrença em qualquer empresa política de salvação da humanidade desapossada daquilo a que materialmente tem direito, nem que fosse por meio de uma conquista e preservação pacífica do poder (um poder centralizado e planificador que ele parece não querer ver até ao fim que não pode ser manipulado por gente “decente” em nome de fins “decentes” sem acabar a fazer atrocidades e a rebaixar os próprios padrões de decência na sociedade).
 
Em «Looking Back On The Spanish War» (pp. 216-233) é surpreendente a ausência de esforço de compreensão do outro lado, como se o tipo humano que vislumbrou no soldado italiano da Brigada Internacional que tanto o marcou não existisse do outro lado, com medos e expectativas tão genuínas. Muito interessante é o ensaio «Notes On Nationalism» (pp. 300-317), que distingue de patriotismo («devotion to a particular place and a particular way of life [with] no wish to force [itsef] upon other people») e que usa realmente como sinónimo de “sistema de crença”, obsevando-o em várias manifestações intelectuais do seu tempo e sobretudo naqueles que trocaram de pátria por exercício intelectual (deliciosas as considerações sobre G. K. Chesterton e a sua abdicação da inteligência para se fazer um propagandista da Igreja Católica e da latinidade). Lúcido o texto sobre Gandhi (pp. 459-466), concluindo que, apesar de «a sort of aesthetic distaste for Gandhi, […] compared with the other leading political figures of our time, how clean a smell he has managed to leave behind!».
 
Certeiros os textos sobre Charles Dickens (pp. 35-78), de 1939 («He attacks the law, parliamentary government, the educational system and so forth, without ever clearly suggesting what he would put in their places», o que levou Macaulay a recusar recensear Hard Times por causa do “socialismo mal-humorado” a que fedia a obra, não porque, digo eu, aí afirme ideias radicais explícitas, mas porque contrapunha com arte a pretensa natureza imoral das instituições e dos seus tipos humanos mais representativos à superioridade moral dos “humildes” apresentados como vítimas, e isto de uma forma não ideológica mas simpática para a generosidade instintiva da generalidade dos leitores), e H. G. Wells (pp. 188-193), de 1941, (sempre obcecado com a promoção de um governo mundial e das virtudes da tecnologia, sem se preocupar minimamente com a neutralidade moral desses objectivos, patente no facto de «Much of what Wells has imagined and worked for is physically there in Nazi Germany»).
 
[Março 2012]