[Grão
de Trigo, Dez. 2011, p. 6]
Tanto Mateus (1:18-25) como Lucas (1:26-56, 2:4-7) relatam o nascimento
de Jesus como algo de natureza miraculosa. Apesar de humano, Jesus não partilha
inteiramente a nossa natureza no seu nascimento, pois nasce de uma virgem que o
concebeu apenas por acção do Espírito Santo. Para serem inequívocos de que não
se trata de uma interpretação meramente simbólica, os evangelistas claramente
afastam de José, único homem que Maria podia «conhecer», a possibilidade de uma
paternidade humana de Jesus. Escreveram, por isso, que José não só não chegou a
«conhecer» Maria antes de ela gerar Jesus, como só a «conheceu» depois do seu
nascimento.
O nascimento de Jesus, nestas circunstâncias, não tem sentido
apenas porque acreditamos que ele tem uma natureza divina. O importante não é
que ele, para ser Deus, tivesse de nascer de Deus de um modo que não fosse
aparentemente apenas humano. Não se trata simplesmente de proclamar uma
filiação e um poder divinos para ser respeitado, temido e obedecido. A forma do
seu nascimento tem a ver com aqueles que ele vem salvar, resgatar de uma
condição que ele próprio em parte teve de assumir.
É para redimir que Jesus
tem de vir ao mundo com a sua condição eterna, preexistente, intacta. Não para
exercer poderes sobrenaturais que vergassem todos à sua vontade – o que não fez
nem quis o Pai que fizesse –, mas para poder mediar eficazmente, apontando com
autoridade plena para o Alto e para poder vencer a morte e sentar-se à direita
do Pai como nosso intermediário. Para tal, não podia ser, como os profetas, um
anunciador de coisas esperadas, sentidas, desejadas ou vislumbradas; tinha já
de ser um portador de coisas vividas, reais, possuídas e em si mesmo
demonstradas (como o Evangelho nos dá a ver). Jesus não poderia ser, na
linguagem paulina, o Novo Adão se nascesse inteiramente do Velho Adão – embora,
por outro lado e por intermédio de Maria, fosse co-herdeiro de Adão para poder
partilhar a nossa natureza humana.
Pelas suas qualidades preexistentes, Jesus
foi também o salvador da sua mãe humana, Maria, que era, como nós, herdeira do
Velho Adão e da sua natureza decaída. Na sua qualidade de pecadora necessitada
da salvação, Maria não era diferente de José ou de cada um de nós. Nisso também
Jesus, o Deus connosco, foi profundamente humano, ao experimentar um
amor filial sem limites, amando a sua mãe como nos amou a todos e trazendo-lhe
a salvação de que estava tão necessitada como toda a descendência de Abraão. No
seu cântico de graças, chamado Magnificat pela tradição, Maria soube ver
o alcance da Encarnação, como remissão para todos, que estavam (e estão)
caídos; ela própria, mãe humana de Jesus pela graça divina, estava incluída nos
que esperavam o Filho como único remédio para esse estado de necessidade. A
ela, como a nós, Jesus não lhe pertence nem veio ao mundo limitado pelos
constrangimentos humanos; com algo em si de completamente distinto do nosso
estado servil ao pecado, veio livre para nos fazer livres.
Glória a Deus!