sexta-feira, julho 29, 2005

Século XX (n.º 47): O ano de 1946


DESTAQUE: Salazar foi capa da Time este ano, que o apresentava como o "deão" dos ditadores da época e o seu regime como uma maçã podre... Este tipo de apresentação da situação política portuguesa foi típico de um momentâneo "cerco" que o regime sentiu no pós-guerra, mas que era ilusório: Salazar tinha a confiança dos líderes ocidentais e soube conquistar um lugar importante dentro do alinhamento de forças da "guerra fria".

ESTE ANO: A 3 de Agosto, o governo português apresentou em Nova Iorque o seu pedido de adesão à Organização das Nações Unidas (O.N.U.). De entre as potências com direito de veto nessa organização internacional, a União Soviética – em pleno regime totalitário de Josef Estaline – opôs-se à candidatura portuguesa, alegando ter o regime político português carácter “fascista” e haver sido conivente com o Eixo. Em Portugal, a comissão central do M.U.D., controlada desde Junho por personalidades próximas do P.C.P. e crescentemente abandonada pelo reviralho, tentou aproveitar esta situação, publicando, a 27 de Agosto, documentos que justificavam o veto interposto na O.N.U. como devido ao carácter “tirânico” do regime liderado por Salazar. O comunicado do M.U.D. de 9 de Setembro, pedindo expressamente à O.N.U. a não admissão de Portugal, motivará a detenção dos membros da comissão central do Movimento oposicionista pouco depois. A estratégia da oposição era tentar isolar internacionalmente o governo de Salazar, fazendo passar a ideia de que o Estado Novo não se coadunava com os princípios da Carta das Nações Unidas e depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de modo a que a “comunidade internacional” incluísse o País no mesmo “cordão sanitário” a que a O.N.U. estava sujeitando a Espanha. Esta atitude veio a surtir efeitos – Portugal só conseguiu a adesão em 1955 – não porque a “comunidade internacional” partilhasse as concepções da oposição portuguesa, mas porque essa “comunidade” não existia de facto; o que existia era a confrontação já obvia entre as democracias anglo-americanas e o totalitarismo soviético. A oposição portuguesa continuava a viver no “espírito da vitória” de 1945, aparentemente sem perceber que o seu frentismo doméstico já não tinha tradução internacional. Por um lado, Portugal não entrava na O.N.U. apenas por causa do veto “ideológico” dos Soviéticos, não das democracias ocidentais – estas, aliás, aquando da formação da Aliança Atlântica, mostrariam o que pensavam e queriam de Portugal e de Salazar. Por outro lado, num mundo em que as democracias eram uma pequeníssima minoria e em que a “cortina de ferro” descera sobre a Europa e a guerra fria se instalara globalmente, era relativamente fácil apresentar o frentismo oposicionista como manobrado pelos interesses geo-estratégicos da União Soviética.

BREVES: --- Amnistia: Chegam a Lisboa, a 1 de Fevereiro, 110 dos oposicionistas detidos até então na colónia penal do Tarrafal e amnistiados em Outubro de 1945. No campo da ilha de Santiago ficaram ainda 54 indivíduos não abrangidos pela amnistia. --- M.U.D. Juvenil: Em Abril é criada ala juvenil do M.U.D. com intenção de arregimentar nas fileiras da oposição jovens estudantes e trabalhadores. --- 29.º Aniversário: Vinte e nove anos depois do fenómeno das aparições, realizam-se a 13 de Maio em Fátima as habituais cerimónias religiosas evocativas, este ano com a participação de um legado pontifício (cardeal Masella). Este coroa simbolicamente, em nome do Papa, uma imagem da Virgem que percorre depois todo o País. A devoção a “Nossa Senhora de Fátima” torna-se a mais importante devoção mariana do País, numa altura em que estava já amplamente divulgado como um dos “segredos” de 1917 a promessa do fim do comunismo e da reconversão da Rússia. Nesta época, marcada por forte afirmação internacional do totalitarismo soviético e também pela estratégia “frentista” da oposição portuguesa, o anticomunismo latente em Fátima causa grande irritação (por muito tempo) entre os opositores do Estado Novo, que aí vêem um acordo tácito de mútua legitimação entre a Igreja Católica e o regime. --- P.C. desarma?: No IV Congresso (na clandestinidade) do P.C.P. em Julho é decidido dissolver os G.A.C. e desistir da estratégia “leninista” a favor da do reviralhismo.

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