Gostaria de chamar atenção para esta obra do historiador inglês Richard Overy sobre o nazismo e o estalinismo. O livro foi publicado no ano passado e a Penguin lançou este ano uma nova edição que está à venda por cá (com outra capa). Não é uma dupla biografia sobre os dois tiranos, mas antes um estudo comparativo sobre a circunstância política de cada um deles na Alemanha e na Rússia. Apesar das diferenças de carácter dos dois homens e das diferentes realidades históricas dos dois países, são incríveis os caminhos paralelos dos dois regimes, na estruturação do poder, nas escolhas económicas, na forma de lidar com os adversários reais ou imaginários, na lógica belicista e, pasme-se (ou não), na forma como ambos os partidos se julgavam realmente intérpretes de uma soberana "vontade geral" que não enjeitava a retórica democrática. Aliás, é curioso que ambos os regimes fossem visceralmente opostos ao formalismo jurídico e às tradições legais e encarassem a "lei" como a sedimentação momentânea da "vontade do povo" interpretada pelo partido e pelo líder. Ou seja, em grande medida, estas duas desgraçadas experiências históricas foram uma radicalização da lógica jacobina de exercício do poder total em nome da refundação da sociedade e do seu bem-estar.
Mais dois apontamentos. Richard Overy insiste que os dois regimes só podem ser explicados a partir da dinâmica da crença nestas verdadeiras religiões políticas que foram o comunismo e o nazismo (é a velha tese de Eric Voegelin corroborada) e que essa explicação é extensível às próprias figuras de Hitler e Estaline, que estavam de facto convencidos da verdade e da força histórica das suas ideologias; pelo que nem a repressão nem a suposta "vontade de poder" podem explicar sozinhas a liderança de ambos e o apoio popular que indiscutivelmente tiveram. Finalmente, o livro tem capítulos temáticos, em cada um dos quais os dois regimes são analisados e comparados num discurso informado e solto, que é uma óptima leitura para o Verão.
EDMUNDO BUARQUE
