quinta-feira, julho 21, 2005

Século XX (n.º 18): O ano de 1917


ESTE ANO: Na Cova da Iria, no concelho de Vila Nova de Ourém, três pastores ainda crianças são os protagonistas, nos dias 13 de Maio e 13 de Outubro, de um fenómeno que vai ter grandes consequências no universo religioso português. As crianças, Jacinta, Francisco e Lúcia, dizem ter visto e haver falado em Maio com a Virgem Maria, mãe de Jesus. Dizem ainda que daí a meses, em Outubro, se dará nova aparição. Mas deixam também uma mensagem de grande esperança para a época: a guerra, que levou tantos homens e tem causado tantos males, está prestes a acabar. Há muita gente que se entusiasma, há outros que se preocupam. A força da devoção mariana muito enraízada em Portugal predispõe um número considerável de pessoas a ficarem fascinados pela história e o caso ganha publicidade, chegando à imprensa. Para outros é um mero fenómeno da superstição popular que pode ser aproveitado para mobilizar as massas católicas contra a República desavinda com a Igreja. Mas a hierarquia eclesiástica é apanhada de surpresa e mantém-se circunspecta, entre a desconfiança dos relatos e a desconfiança das suas consequências junto das correntes da opinião anticlerical. Os grandes jornais católicos como A Ordem e Novidades mostram algum embaraço e acham mais prudente esperar que a hierarquia se defina. Há católicos que têm poucas dúvidas e querem logo ver nas aparições um sinal de reavivamento da fé e de revigoramento da Igreja. Outros dizem abertamente que esse entusiasmo é prejudicial à respeitabilidade que o catolicismo se esforça por conquistar num ambiente hostil e dominado há décadas por forte anticlericalismo. Mas o fenómeno cresce por si mesmo e independentemente desse debate: o número de populares e de personalidades dos estractos mais altos da sociedade que acorre em peregrinação à Cova da Iria é cada vez maior. A 13 de Outubro, num ambiente em que se gera alguma confusão de relatos contraditórios, muitos juram ter visto o que fica conhecido como “o milagre do Sol”. As aparições passam a ser para a Igreja um facto consumado, que existe para muita gente e que a hierarquia aceitará ou repudiará mas já não pode ignorar. Será preciso esperar nove anos para ver bispos na Cova da Iria e treze para haver um pronunciamento positivo e inequívoco de aceitação das aparições. No interim, o catolicismo em Portugal havia rejuvenescido.

BREVES: --- Primeira vítima: A 4 de Abril morre o primeiro soldado português na frente francesa, António Gonçalves Curado. --- Desunião profana: A 25 de Abril, Afonso Costa tem de constituir um governo só com membros democráticos, após a ruptura da União Sagrada pelos evolucionistas de António José de Almeida. Estes, teoricamente, mantêm o apoio ao governo mas não querem comprometer-se nas dificuldades governativas decorrentes da guerra. O resto de popularidade de Afonso Costa consome-se nos próximos meses. Brito Camacho e os seus unionistas endurecem a sua posição contra a intervenção portuguesa. --- Greves e desordens: De 19 a 21 de Maio ocorrem novas greves e multiplicam-se os assaltos a mercearias e armazéns. Os preços dos bens essenciais, entretanto racionados, crescem muito devido ao estado de guerra e ao aumento da circulação fiduciária, que o Estado utiliza para fazer pagamentos internos. A 12 de Julho, é declarado o estado de sítio em Lisboa. --- Centristas: A 20 de Outubro, é formado o Partido Centrista Republicano por dissidentes evolucionistas e antigos correligionários de José de Alpoim. São liderados pelo médico Egas Moniz, que quer uma República mais ordeira. --- Golpe triunfante: A 5 de Dezembro, o major e professor universitário Sidónio Pais lidera várias unidades de Lisboa e os cadetes da Escola de Guerra no derrube do governo. Afonso Costa é preso, Bernardino Machado exilado e o parlamento dissolvido. --- Sidónio Pais: Género de Machado Santos polido e de substituição, Sidónio aproveitou em Dezembro o momento em que a popularidade de Afonso Costa bateu no fundo. No princípio era um mero participante de um golpe cozinhado pelos unionistas de Brito Camacho, que acabaram por não avançar, deixando-o sozinho em cena. Mas Sidónio não se acanhou.

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