segunda-feira, julho 18, 2005

Século XX (IV): O ano de 1903


ESTE ANO: Várias manifestações de descontentamento de diferentes sectores da sociedade portuguesa marcaram o ano.
A primeira destas manifestações deu-se logo após a crise governamental de finais de Fevereiro, em que o Sr. Hintze Ribeiro se demitiu mas foi reconduzido pelo Rei à chefia do Governo. De facto, em Março, explodia em Coimbra uma revolta contra o imposto de selo sobre as licenças dos vendedores do mercado e também contra as multas que as autoridades aplicaram aos vendedores fautores. O acontecimento, que teve a adesão de outros habitantes da cidade, não foi muito diferente das típicas manifestações antifiscais do século passado, até porque se vive no País um período de aumento da pressão fiscal. A onda de protestos continuou em Maio, manifestando-se na capital cerca de 2600 viticultores, que levaram às Cortes um pedido (ou uma exigência?) de medidas urgentes contra a crise da vinha. A “crise” deve-se à queda acentuada dos preços dos vinhos, provocada pelo excesso de produção relativamente às quantidades consumidas no mercado interno e às que se conseguem exportar. Os viticultores tiveram um apoio de peso, do poeta Guerra Junqueiro, mas o proteccionismo dos mercados consumidores e a fraca qualidade da oferta portuguesa não têm resolução fácil. Em Julho, no Porto, deflagrou a greve dos tecelões, que se estendeu a outros grupos assalariados e, durando vários dias, tomou um aspecto similar à “greve geral” de Coimbra. Finalmente, no início de Dezembro, começou na Empresa Industrial Portuguesa uma greve dos metalúrgicos que se arrastou por todo o mês e conduziu mesmo a confrontos violentos com as forças policiais. Tais acontecimentos demonstram que a sociedade portuguesa é hoje constituída por um conjunto variado de grupos de interesses capazes não só de se mobilizar mas de exercer grande pressão sobre as Cortes e o Governo. A organização de sindicatos permite já aos operários participar nestes jogos, antes reservados a comerciantes, agricultores e industriais. Este hábito de pressionar e protestar parece dever-se à crescente falta de confiança na eficácia do mecanismo parlamentar.

BREVES: --- Eduardo VII visita Portugal: A visita oficial do soberano britânico, que se inclui na ofensiva diplomática do Governo, pretende reaproximar-nos da Inglaterra e sarar as feridas no orgulho nacional causadas pelo ultimatum de 1890. --- Automóveis: Foi fundado o Real Automóvel Club de Portugal, que junta o grupo crescente de automobilistas existentes no País. --- Ruptura franquista: O Sr. João Franco consumou em Maio a sua ruptura com a maioria regeneradora nas Cortes, formando o Centro Regenerador Liberal, que se propõe como embrião de um novo partido. --- Partido Nacionalista: Surgiu uma nova força política lançada pelo ex-regenerador Jacinto Cândido da Silva. Este pretende transformar o novo partido, denominado Nacionalista, em representante dos interesses católicos na vida parlamentar. O partido é um dos indícios da organização crescente do chamado Catolicismo Social: existem 15 centros operários católicos que reivindicam 10 mil membros. Mas o novo partido, enquanto tentativa de mobilizar esses meios, não será bem sucedido: a elite católica dispersar-se-á pelo nacionalismo, pelo franquismo como Quirino de Jesus e pelo Centro Académico de Democracia Cristã, fundado em Coimbra em 1901 por Francisco José de Sousa Gomes. --- Hintze e Zé Luciano (n’ A Paródia, 4.6.1903): Rafael Bordalo Pinheiro retrata os líderes dos dois partidos constitucionais encostados um ao outro, para não caírem. Regeneradores e Progressistas estão a desagregar-se enquanto pilares do regime parlamentar e Hintze e Zé Luciano fazem uma última tentativa de salvar o sistema. As lideranças de ambos estão ameaçadas e a vida política torna-se caótica.

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