quinta-feira, julho 21, 2005
Século XX (n.º 24): O ano de 1923
ESTE ANO: Em Dezembro são publicados dois números de uma revista que dá pelo nome de "Homens Livres" e junta, nas suas páginas, intelectuais que dizem professar ideias muito diferentes. Mas nela, surpreendentemente, parece que se une todo o espectro ideológico da intelectualidade portuguesa desta época. Estão lá os principais nomes da revista republicana "Seara Nova" (António Sérgio - na fotografia-, Jaime Cortesão, Raul Proença), os “tradicionalistas” do Integralismo Lusitano (António Sardinha e Pequito Rebelo), um anarquista como Aurélio Quintanilha e outras sensibilidades. Os "Homens Livres", na própria capa da revista, definem um adversário comum no subtítulo que lhe dão: «livres das finanças e dos partidos». No editorial do primeiro número, António Sérgio rejeita a divisão entre esquerdas e direitas e diz que a única distinção válida é entre aqueles a que chama «homens do século XIX» e os «homens do século XX». Os "Homens Livres", na sua diversidade, apresentam-se como os homens novos do novo século. Têm uma concepção mística da política e das suas possibilidades e acreditam numa ideia de unidade nacional que suplante o conflituoso pluralismo que vêem à sua volta. Nesta atitude estão muito próximos do republicanismo dos tempos da propaganda durante a Monarquia. Aquilo que rejeitam são as tradições políticas legadas pelo parlamentarismo do século XIX e que, de facto, no meio da sua atribulada existência, a República preservou. O republicanismo presente nos "Homens Livres" é, por isso, o dos republicanos puros que, no início da República, não queriam compromissos com nada que fosse herdado da Monarquia constitucional, como a Igreja, o espírito partidário do parlamentarismo, o meio dos negócios, um mundo no fundo onde todas estas coisas conviviam. Da mesma forma, o monarquismo de parte dos "Homens Livres" é o dos monárquicos novos, antiliberais e que nada têm a ver com essa Monarquia que existiu até 1910. Na revista "Homens Livres" está assim patente uma rejeição do caminho que a República parece estar a querer tomar neste ano de 1923: o da sua estabilização financeira, pacificação bipartidária, compromissos, acantonamento dos sectarismos e regresso à pacatez do business as usual. Aos "Homens Livres" e ao seu idealismo cívico tudo isso cheira demasiado a século XIX...
BREVES: --- Núncio: Em Janeiro numa cerimónia solene no Palácio de Belém, o presidente da República impõe o barrete cardinalício ao núncio apostólico Monsenhor Locatelli (como antes de 1910 era feito pelo Rei) com o apoio de António Maria da Silva, líder do partido democrático e vice-grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido. As concessões feitas à Igreja por Sidónio, confirmadas durante a presidência de António José de Almeida, não foram postas em causa. --- Nacionalistas: A 5 de Fevereiro fundem-se “Liberais” e reconstituintes para darem origem ao Partido Republicano Nacionalista. Reforça-se a tendência bipolarizadora no espectro partidário. --- Empréstimo interno: A 15 de Maio, é lançado um empréstimo interno de quatro milhões de escudos para tentar consolidar a dívida pública e reduzir o défice orçamental sem recorrer ao endividamento externo ou a mais aumentos de impostos como os de Dezembro de 1922. --- Patriarca: A 26 de Julho, o cardeal patriarca de Lisboa, D. António Mendes Belo, regressa à Academia das Ciências como sócio correspondente. --- Governo: Após dissidência interna no partido democrático, António Maria da Silva tem de resignar e a 15 de Novembro toma posse o governo de Ginestal Machado, apoiado pelo Partido Republicano Nacionalista. Com apoio minoritário, este gabinete é substituído a 18 de Dezembro por outro nacionalista, Álvaro de Castro. António Sérgio assume a pasta da Instrução. --- Cinema: Na década de 20, com sucesso comercial, o cinema português começou a adaptar ao écran histórias populares entre o público, como as dos romances de Júlio Dinis e Camilo Castelo Branco. Antes de 1910, o realizador pioneiro Aurélio Pais dos Reis já fizera tentativas nesse sentido. O primeiro filme sonoro português apareceu em 1931.
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