segunda-feira, julho 18, 2005

Século XX (III): O ano de 1902


ESTE ANO: O Governo alcançou finalmente um acordo com os credores externos do Estado português. As negociações arrastavam-se desde 1892, quando foi declarada a bancarrota parcial do Estado e se suspenderam os pagamentos externos dos juros da dívida pública. Nestes primeiros anos do século, o País ainda não se recompôs totalmente da crise financeira de 1891. Nesse ano fatídico, depois de quarenta anos de crescimento exponencial da dívida pública, a falta de ouro nos cofres do Estado precipitou a suspensão do padrão-ouro e o curso forçado das notas de papel do Banco de Portugal. O público deixou de poder trocar nos balcões do Banco as notas pelo ouro que representavam. Ficou com elas na mão e com elas obrigado a comprar os bens de primeira necessidade. Mas, sem a conversão em ouro, as notas tinham menos valor nas transacções e o público ressentiu-se. Era uma forma de inflação, com a moeda corrente a perder poder aquisitivo. Como notam alguns observadores, estes desmandos financeiros explicam em boa medida o aumento do descontentamento das classes médias, a sua sedução crescente pela retórica protestatária dos republicanos e o rebuliço político em que o País tem vivido. Ao Banco de Portugal fora já concedido em 1887 o exclusivo da emissão de papel-moeda a troco de alguns adiantamentos ao Estado. Meses depois da crise de 91, esta situação “provisória” tornou-se definitiva porque nem o Banco nem os cofres do Estado davam mostras de ver reforçadas as suas reservas de ouro e prata. Pelo contrário, instalou-se um clima de desconfiança palpável na quebra das transacções na Bolsa de Lisboa. Com o novo acordo, o Governo tenta reforçar a credibilidade externa do Estado português, aceitando pagar metade dos juros que pagava antes de 1892 e retomando a amortização, que deverá estar concluída até ao longínquo ano de 2001. Para chegar a este acordo foi preciso canalizar boa parte das receitas alfandegárias para o pagamento dos encargos, reforçar a pressão fiscal sobre os cidadãos e aumentar o volume de papel-moeda em circulação. O crescimento da dívida parece assim estar controlado mas o seu montante actual e a situação criada por meio século de despesismo funcionam como um colete de forças sobre o País e as gerações futuras.

BREVES: --- Maria Amália Vaz de Carvalho: Esposa do poeta Gonçalves Crespo e uma das senhoras de maior destaque nas letras portuguesas, publicou este ano um novo livro, “Cérebros e Corações”. Maria Amália Vaz de Carvalho, autora de outros títulos, como “Vozes do Ermo”, colabora também na imprensa em periódicos tão prestigiados como o “Jornal do Comércio”. --- Congresso republicano: Os republicanos reuniram-se em 5 e 6 de Janeiro, no Porto. O seu propósito é tentar refundar este movimento político e dar-lhe um lugar ao sol no actual panorama de incerteza que paira no espectro partidário português. --- Mouzinho suicida-se: A 8 de Janeiro, o africanista Mouzinho de Albuquerque, que prendeu Gungunhana e ficou no imaginário popular como “herói de Chaimite”, juntou-se a Camilo Castelo Branco e Antero de Quental na galeria de suicidas famosos. Uma grande parte da intelectualidade vive obcecada com a ideia da decadência nacional, escolhendo alguns o martírio destes actos trágicos. --- Agitação académica: Entre Março e Abril as aulas tiveram de ser suspensas em Coimbra e na Escola Politécnica (Lisboa) devido aos motins estudantis aí ocorridos. --- Iluminação eléctrica: Em Lisboa, as Companhias Reunidas de Gás e Electricidade iniciaram o alargamento a toda a cidade da iluminação eléctrica. --- Inaugurações: Foram criadas duas novas instituições vocacionadas para a melhoria da actividade colonizadora portuguesa: a Escola de Medicina Tropical e o Hospital Colonial. No âmbito dos transportes, foi inaugurada a linha férrea que liga Beja a Pias e Moura.

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